segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Alexandria.....

Dando uma passada pela Internet sobre a Cultura Grega (do qual faço um comentario no texto anterior), uma coisa que me chamo a atenção foi a famosa Biblioteca de Alexandria...comenta-se que ela possuia em seu acervo algo em torno de 400 mil rolos de papiros, alguns acreditam que esta quantidade chego na casa de 1 milhão e que foi destruída em um acidente acidental....daí fui olhar quem seriam seus guardiões (no caso os bibliotecários) desta que foi o mais importante espaço publico de preservação e divulgação da cultura nacional...

Mas voltando a seus guardiões, um nome que me chamo a atenção, foi de Hipacia de Alexandria, tido por muitos como a filósofa (isso mesmo, uma mulher) mais importantes de sua época. Hipacia foi violetamente assassinada por cristões enfurecidos, sobre o pretexto de combate a heresias....Hipacia era neoplatônica e defensora intransigente da liberdade de pensamento, o que a tornava má vista por aqueles que pretendiam encarcerar o pensamento nas celas da ortodoxia religiosa.

Mas voltando a Biblioteca de Alexandria...abaixo alguns nomes dos mais distintos de Alexandria Antiga.

Euclides: matemático, quarto século a.C. O pai da geometria e o pioneiro no estudo da óptica. Sua obra Os Elementos foi usada como padrão da geometria até o século XIX.

Aristarco de Samos: astrônomo, terceiro século a.C. O primeiro a presumir que os planetas giram em torno do Sol. Usou a trigonometria na tentativa de calcular a distância do Sol e da Lua, e o tamanho deles.

Arquimedes: matemático e inventor, terceiro século a.C. Realizou diversas descobertas e fez os primeiros esforços científicos para determinar o valor do pi (π).

Calímaco(c. 305-c. 240 a.C.): poeta e bibliotecário grego, compilou o primeiro catálogo da Biblioteca de Alexandria, um marco na história do controle bibliográfico, o que possibilitou a criação da relação oficial (cânon) da literatura grega clássica. Seu catálogo ocupava 120 rolos de pariro.

Eratóstenes : polímata (conhecedor de muitas ciências) e um dos primeiros bibliotecários de Alexandria, terceiro século a.C. Calculou a circunferência da Terra com razoável exatidão.

Galeno: médico, segundo século d.C. Seus 15 livros sobre a ciência da medicina tornaram-se padrão por mais de 12 séculos.

Herófilo: médico, considerado o fundador do método científico, o primeiro a sugerir que a inteligência e as emoções faziam parte do cérebro e não do coração.

Hipátia: astrônoma, matemática e filósofa, terceiro século d.C. Uma das maiores matemáticas, diretora da Biblioteca de Alexandria; por ser pagã, foi assassinada, sofrendo linchamento, a mando de São Cirilo.

Ptolomeu: astrônomo, segundo século d.C. Os escritos geográficos e astronômicos eram aceitos como padrão.

Deus.....

Lendo hoje a Folha de São Paulo, me deparei com a coluna do Professor Luis Felipe Ponde (FAAP, PUC-SP dentre outras) sobre a figura de Deus...eu que sou batizado e crismado pela Igreja Católica, acho que desde meus 18 anos não me pego pensando na figura de um deus único, pai misericordioso....

Gosto do pensamento dos gregos, isto para ficar só em uma cultura. Este acreditavam na politeismo (sou um fã de Dionisio, nos caso pros romanos, Baco). É até bem mais democrático e legal....as Divindades Gregas são fantásticas, deuses traem uns aos outros, enchem e cara em festas, trapaceiam, roubam, quer algo mais humano que isso....

Gosto de como Nietzsche trata de Deus em seus textos...como Dostoievski o trata em os Irmãos Karamazov, como a linda citação "se Deus não existe, então tudo é permitido". Mais livre arbítrio que isso, impossível!

Não sou um ateu, acho o ateísmo um dogma e sendo um dogma vai de encontro com princípio básico das outras religiões.

Respeito as todas religiões num todo, só que sem dito fanatismo....acho que cada um crêe no que lhe traz mais conforto, que lhe traz mais paz de espírito....

Abaixo o texto de hoje na Folha de Sao Paulo, Caderno Ilustrada, uma boa leitura...

Fonte: Folha

"Deus não é necessário para matarmos milhares de pessoas, basta uma "boa causa"


NATAL E fim de ano, Deus está no ar, em meio à fúria do consumo e das expectativas.
Mas antes de falar coisa séria, uma palavrinha: adoro a inércia do fim de ano. As pessoas ficam preguiçosas, sem pressa. Escorregam lentamente para a praia ou o campo, ou para a cidade que se esvazia. Época de sexo fácil e solidão em grandes quantidades. O que antes era eficácia e ambição perde a forma e vira imprecisão, sono, bebida e comida, horas a fio sem objetivo. Este colunista que vos fala está com o que a sabedoria popular chama de "uma gripe do cão".

A cabeça pesando quilos, febre, tosse, espirros, enfim, com todas as vantagens que uma gripe nos dá: contemplação do teto e das paredes, noites mal dormidas, o direito honradamente adquirido de fazer nada e de demandar tudo da mulher apaixonada pelo doente. Um presente de Natal.
A doença não implica necessariamente incapacidade. Pelo contrário, a desordem fisiológica pode abrir portas para percepções incomuns. As religiões antigas bem o sabem, com seus jejuns, poções "mágicas", mantras, orações intermináveis, música, vigílias no deserto e na solidão. Tudo visando estados alterados de consciência. Há uma dimensão da vida que está distante da banalidade cotidiana, e isso nada tem a ver com essa coisa barata chamada "espiritualidade quântica".

Tem gente que jura que Deus morreu. Tentativas de matar Deus foram feitas, e por gente muito capaz. Nietzsche tentou nos convencer que quem crê em Deus tem medo da vida. Ressentimento é a palavra. O horror cósmico faria de nós covardes. E mais: Deus nos tiraria o Eros, o desejo pela vida. Mas você pode ser um brocha diante da vida e ser ateu. Freud quis provar que crer em Deus revela o retardado assustado que vive no adulto. Mas Freud bem sabia que ateus e crentes retardados desfilam pelas ruas em busca dessa coisa superestimada chamada "felicidade". Marx jurou que ganham dinheiro com a fé em Deus. Mas se ganha dinheiro com tudo, amor, sexo, ódio, arte, basta dar sorte, enganar os outros ou trabalhar com afinco.

Infelizmente, há muita teologia que ajuda a matar Deus. Deus me livre da teologia de vanguarda. Se, na arte, a "vanguarda" serviu pra justificar quem não sabia pintar, escrever ou fazer filmes, na teologia, serviu para fazer de Jesus um personagem de novela das oito. Nada contra a teologia, ao contrário, julgo-a uma disciplina essencial para nos ensinar a ver o invisível. Mas, como disse Heine em relação aos teólogos de sua época, "só se é traído pelos seus".

Fernando Pessoa, em seu desassossego, diz que não aderiu ao culto da Humanidade, essa mania dos modernos, porque sendo ela, a humanidade, nada além do que uma espécie animal, adorá-la é adorar um conjunto de corpos humanos com cabeça de bicho. Portanto, uma reles forma de paganismo. Dizia o poeta que sendo Deus improvável, adorá-lo é sempre menos ridículo.

Outro grande escritor português disse recentemente que a Bíblia é um livro ruim e que não deve ser lido. Bobagens desse tipo, cheias de glamour, são repetidas ao sabor da ignorância comum. Mas devemos ter paciência com ele, afinal ninguém precisa entender de tudo.

Mesmo em pessoas inteligentes, Deus se mistura com todo tipo de trauma infantil ou raiva do pai ou da mãe ou do patrão.

Muita gente grande fica com cara de criança brava e mal amada quando se fala de Deus. No fundo é a velha carência humana gritando contra a indiferença cósmica se revelando em "crítica a Deus" e não em "fé em Deus", como diriam os nietzschianos de plantão. Outro erro comum: Deus faz os homens matarem. Mentira: matamos porque gostamos de matar. O século 20 provou de modo cansativo que Deus não é necessário para matarmos milhares de pessoas, basta uma "boa causa".

A teologia feminista diz que "a Deusa" existe para punir o patriarcalismo. A teologia bicha (Queer Theology) se pergunta: por que Jesus viveu entre rapazes, hein? Alguns latino-americanos vêem Nele um primeiro Che, hippies viam um primeiro Lennon, outros, um consultor de sucesso financeiro. Ufólogos espíritas dizem ser Ele um extraterrestre carinhoso.

Prefiro o cristianismo antigo (prefiro sempre as religiões velhas). Um Deus que sente dor e morre por amor a quem não merece é um maravilhoso escândalo ético. O Cristo antigo é um clássico. Melhor do que essas invenções da indústria teológica de vanguarda, feitas para o consumo moderno.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

E...

um Feliz Natal a todos....

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

ORAÇÃO DO PSDB/DEM/PIG AO DEMO

Fonte: Blog do Lélio Teixeira

Fazei com que acabe a economia, a produção, o consumo, os empregos,

E quebre o Brasil, como fez FHC.

Fazei com que Lula se lasque.

Como fez FHC, com ajuda do Demo,

Que a crise transforme a vida das pessoas em um inferno.

Que extermine o PIB, dê sumiço ao crédito, aumente a inflação.

Que diminua a produção de alimentos, acabe com a exportação.

Fazei com que o PAC empaque, Acabai com o Bolsa Família, com o PROUNI e com a Petrobras.

Exterminai os índios, Acabai com as cotas para negros,

Aumentai a desigualdade social.

Que aumentem a fome, a miséria, as catástrofes.

Tirai a esperança do povo,

Não permita que o Brasil continue sendo um país de todos.

Pois Lula tem que se lascar,

O povo tem que se lascar.

Só assim vamos eleger Serra e continuar, com sua ajuda,

impiedoso Demo, O governo maldito do príncipe das trevas, FHC.

Se o Demo está conosco, quem estará contra nós?

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O repórter e a objetividade

Texto de Ruy Castro, hoje na Folha

Chocado e divertido com o repórter da TV iraquiana que atirou os sapatos contra o presidente Bush durante uma coletiva em Bagdá no último domingo, fui aos alfarrábios para ver o que os manuais de redação e as velhas apostilas mimeografadas dos cursos de jornalismo teriam a dizer sobre tal atitude. Não encontrei nada. Sinal de que os professores não pensaram na possibilidade.

Nem precisavam. A ética jornalística exige que as relações entre repórter e entrevistado sejam de objetividade total. O repórter pergunta, o entrevistado responde e o repórter anota ou grava, e faz nova pergunta. Não é permitido ao repórter flertar com o entrevistado, piscar para ele ou pedi-lo em casamento, mesmo que o entrevistado seja a Alessandra Negrini. Muito menos dar-lhe uma bofetada, cuspir-lhe no olho ou atirar-lhe os sapatos, mesmo que o entrevistado seja o Bush.

Nesse caso, pode dizer-se que Muntazer al Zaidi, o repórter iraquiano, transgrediu uma das cláusulas pétreas do jornalismo. Onde já se viu um repórter atirar os sapatos no homem mais poderoso do mundo? E ainda mais no Iraque, onde tal ato tem um forte conteúdo subjetivo - significa que a pessoa alvejada com os sapatos está abaixo da sujeira que eles pisam na rua.

Duas coisas chamaram a atenção: a rapidez com que Bush se esquivou, como se treinasse isso todos os dias, e a lerdeza dos seguranças, permitindo que Al Zaidi se agachasse, descalçasse o segundo sapato e o atirasse. E se a arma não fosse um sapato, mas uma pistola? Quantos disparos não teriam sido feitos no mesmo espaço de tempo?

Para milhões de iraquianos, o dramático Al Zaidi é um herói. Mas outros estão tiriricas, por ele ter preferido ofender Bush subjetivamente, ao invés de - aí, sim - objetivamente matá-lo.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Futebol Filosofico

Ex-pedreiro inaugura no subúrbio do Rio biblioteca projetada por Niemeyer

Fonte: Folha

Contagiado há dez anos por uma paixão pelos livros, o ex-pedreiro Evando dos Santos, 48, não pára de lutar para espalhar esse sentimento.

Após reunir 55 mil títulos em sua casa, na Vila da Penha (bairro de classe média baixa na zona norte do Rio), ele inaugurou na sexta-feira a Biblioteca Comunitária Tobias Barreto de Menezes, desenhada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. O prédio, no mesmo bairro onde mora, abriga 10 mil exemplares e sediará aulas de literatura e idiomas.

Nascido em Aquidabã (SE), ele veio com a família para o Rio aos 15 anos. Pouco depois, começou a trabalhar como pedreiro. Sequer com ensino fundamental, aprendeu a ler com a Bíblia. Mas o episódio que mudou sua vida ocorreu em 1998, quando, na obra de uma casa, ganhou 50 livros que iriam para o lixo.

A partir daí, tornou-se leitor voraz, começou a juntar outras obras e montou uma rede que já recebeu apoio tanto de anônimos quanto de nomes como o das escritoras Ana Maria Machado e Ruth Rocha, que fizeram doações.

Nos últimos dez anos, o "operário em construção" ajudou a fundar 45 bibliotecas comunitárias em todo o país. Também doou 4.700 livros para Angola e agora quer enviar outros 20 mil para Santa Catarina.

A história do pedreiro já virou livro e filmes, mas a biblioteca de três andares e 200 metros quadrados é sua principal obra. O espaço foi inaugurado com uma carta da escritora Nélida Piñon, da Academia Brasileira de Letras. "Considero-o um cidadão exemplar, capaz de sonhar, de devotar-se às utopias ao alcance do homem", escreveu.

A biblioteca levou três anos para ser construída e contou com R$ 651 mil do BNDES. Os livros podem ser retirados gratuitamente. Os estudantes Larissa Sabino da Silva, 10, e Ramon Martins, 11, foram os primeiros a pegar obras emprestadas. "Adoro ler, tenho uns 40 livros", disse Ramon.

Santos, que vive com o auxílio das aposentadorias da mulher e da mãe, conta que nunca teve "tentação" de vender as obras que reuniu. "Livro não devia ser vendido, devia ser editado apenas para ser doado", sonha.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Bem-vindo à cidade do pecado

Coluna de  XICO SÁ, hoje na Folha de São Paulo

Amigo torcedor, amigo secador, como não adianta mesmo aconselhá-lo a deixar o futebol e só gozar a vida, como já fiz em outras ocasiões e cartas abertas, que seja bem-vindo a São Paulo, caríssimo Fenômeno. Não há praça melhor para se dar a volta por cima, esse teu louvável vício permanente, cristão-maoísta que és. Aliás, por falar em triunfos, basta que perguntes na esquina, a qualquer corintiano, que ele te dirá o caminho das pedras.

Não verás nação como esta, amigo Ronaldo, o que, como me sopra aqui o Vicente Matheus, o eterno presidente, ""é uma faca de dois legumes": um dia te põe no céu, em outro dia te leva ao inferno, sem escala, afinal, a vida não tem purgatório, como na Divina Comédia, a vida é como a velha linha de ônibus Penha/Lapa.

Sim, Matheus, a sirene voltou a tocar no Parque São Jorge para anunciar a chegada do craque, teu time é notícia em ""Oropa, França e Bahia", mais notícia em primeira página do que se ganhasse uma daquelas copinhas promovidas pela Toyota, uma contratação digna da tua mais intuitiva veia marqueteira, palmas! Faz tempo que o amigo Jardim me cantou essa bola, mais de ano, aqui em um cortiço da Bela Vista, dizendo que sonhou com o 9 do século estraçalhando a zaga do Mirassol em um vindouro Paulista, justo o Paulistinha-09, por coincidência capaz de consagrar qualquer numerólogo. Amigo Ronaldo, não vou perder tempo ensinando missa a vigário, mas uma coisa que sempre soubeste conciliar foi a tal da volta por cima sem abrir mão dos prazeres da carne. Humaníssimo Fenômeno.

Portanto, amigo, não creias nessa lenga-lenga de que o Rio é mais pecaminoso que a capital paulistana.

Até o Luis Paulo Rosenberg, vice de marketing do Corinthians, que recebe o espírito de Vicente Matheus e consegue traduzi-lo para a modernidade, essa é a sua lâmpada genial, disse uma coisa meio esquisita para o blog do Juca: ""Ele quer a Copa de 2010. Se quisesse só dinheiro, iria para o Manchester City ou para o mundo árabe. Se quisesse só gozar a vida, ficaria no Flamengo, com as maravilhas do Rio. Mas está disposto a abrir mão de grana e de mostrar que quer voltar para valer".

O Rosenberg, que não é nada besta, sabe é tanto que começa a fazer o milagre óbvio de transformar loucura de pobre (""aqui temos um bando de loucos...") em dinheiro de rico, que a cidade do pecado no Brasil, a verdadeira Sin City, é esta na qual vivemos, aqui as coisas são mais bem-feitas às escondidas, aqui até o Fenômeno tem o benefício da dúvida, ""sim, amigo, era um sósia, por supuesto", San Pablo tem as moças encobertas e mais lindas do planeta, afinal de contas o desejo à vera não é um corpo nu, a lei do desejo é sempre a caixinha de Pandoras e surpresas a serem desvendadas a cada mil e uma noites, não só no Posto 9, haja coincidência numerológica de novo.

Enfim, que Deus te proteja, menino Ronaldo, mas recomendo que esqueças qualquer Paris, qualquer Amsterdã, qualquer Barcelona, qualquer Milão, qualquer Rio... Aqui o bicho pega, aqui, por mais que tentem carimbar como cidade careta, não cola. Foi aqui, em San Pablo, repito, que Dionísio, apesar de todas as proibições do alcaide, resolveu, contra ventos e apagões de uma idéia feliz de cidade, sentar morada.

Andreas Grigorópulos X João Roberto

Um ocorreu na Grécia na semana passada, o outro aqui no Brasil julho passado...na Grécia houve uma revolta popular contra o assassinato de Andreas, no Brasil, cinco meses depois, ninguém mais se lembrava deste bárbaro homicídio ocorrido no Rio de Janeiro, onde o carro (que foi confundido por de ladrões) onde estava o menino João Roberto foi alvejado com dezenas de disparos feito por um PM (no qual foi absolvido da acusação de homicídio duplamente qualificado).

Aqui chega onde eu queria.....mostrar essa passividade do povo brasileiro, enquanto que na Europa, a morte de um rapaz desencadeia uma serie de manifestações (e aqui não cabe se julgar se são políticas ou não) e que já ultrapassa fronteiras.....

Não sou a favor de uma revolta popular, apesar de achar que cada vez mais, talvez essa seja a solução....mas que não podemos ficar de braço cruzados, isso não!

Abaixo os dois textos que saiu pela Folha de São Paulo, um tratando o jovem grego e o outro sobre João Roberto.

Morte de jovem pela polícia provoca protestos na Grécia

Manifestantes saqueiam lojas e enfrentam policiais nas principais cidades gregas

Agitações ocorrem em momento político ruim para o hoje impopular premiê, que é alvo de crítica por escândalos financeiros

Fonte: Folha

Os três maiores centros urbanos da Grécia registraram saques, tumulto e choques entre policiais e manifestantes. Os protestos, que ontem entraram em seu segundo dia, foram motivados pela morte de um rapaz de 15 anos por policiais na noite de sábado. Além das cidades de Atenas, Salônica e Patras, houve agitações também nas ilhas turísticas de Creta e Corfu.

Os mais violentos protestos no país desde 1985 começaram após a morte ocorrida no bairro estudantil de Exarchia, no centro de Atenas -região famosa como "gueto dos anarquistas" e berço do movimento estudantil de 1973, cujo corolário foi o fim do "regime dos coronéis", ditadura militar iniciada em 1967.

Depois de um grupo de 30 pessoas lançar pedras e outros objetos contra uma viatura policial, um de seus ocupantes desceu do carro atirando. Inicialmente as autoridades disseram que eram tiros de alerta, mas testemunhas relataram às emissoras de TV locais terem visto um policial mirando contra Andreas Grigorópulos, que foi baleado no peito.

Assim que a notícia da morte do adolescente foi confirmada, manifestantes foram às ruas para protestar contra a arbitrariedade policial, o governo direitista do premiê Costas Karamanlis e o ministro do Interior.

Em Atenas, carros foram incendiados, lojas destruídas e saqueadas. Policiais responderam com gás lacrimogêneo, numa ação que deixou ao menos 34 feridos e 20 presos. Segundo a agência de notícias espanhola Efe, moradores de locais distantes a até 15 km do centro da cidade relataram ter sentido o cheiro do gás e da fumaça dos focos de incêndio.

Coordenação

Os manifestantes não se movimentaram às cegas. Na internet, publicavam dados sobre os confrontos assim que eles aconteciam. Mensagens para encorajar as pessoas a se unir a grupos concentrados em pontos específicos da cidade também foram divulgadas, com palavras de ordem como "derramamento de sangue demanda vingança" e "uma picareta no crânio de cada policial".

Em vão, o governo tentou acalmar a população. O presidente Carolos Papulias declarou que "a morte do jovem é uma ferida no Estado de Direito" e o premiê, publicamente, pediu desculpas ao pai do adolescente, um gerente de banco.

O ministro do Interior, Prokopis Pavlopulos, ofereceu sua renúncia, rejeitada por Karamanlis.

As autoridades anunciaram a prisão dos dois policiais envolvidos na morte de Grigorópulos na manhã de ontem. O autor do disparo é acusado de assassinato intencional e uso ilegal de arma. Seu parceiro, de colaboração em assassinato. Eles serão interrogados na quarta-feira perante a Justiça.

Os incidentes dos últimos dias remetem a 1985, quando, na marcha anual em homenagem ao levante estudantil de 1973, um adolescente de 15 anos foi baleado e morto por um policial em Exarchia -lançando uma onda intermitente de choques entre estudantes e policiais, que durou meses.

Cenário político

Os protestos acontecem em um momento desfavorável para o premiê -cujo partido tem maioria de apenas dois assentos no Parlamento. Karamanlis tem experimentado queda em sua popularidade, em decorrência de escândalos financeiros. Desde setembro, ele perdeu dois ministros, envolvidos em transação imobiliária ilegal que deve custar aos contribuintes gregos mais de 100 milhões (R$ 316,6 milhões).

Os socialistas, da oposição, hoje têm a liderança nas pesquisas de opinião pública -o que, segundo analistas citados pela agência Reuters, pode forçar Karamanlis a marcar eleições antecipadas em 2009.

Promotoria recorre de absolvição de PM do caso João Roberto

Por quatro votos a três, júri inocentou policial militar acusado de matar menino de três anos em julho deste ano no Rio

Decisão revoltou a família; "Estou chocada. Meu filho morreu em vão. Ele [o PM] atirou, teve intenção, e está na rua", disse a mãe do garoto

Fonte: Folha

O Ministério Público do Rio entrou com um recurso contra a absolvição do PM William de Paula no julgamento da morte do menino João Roberto Amorim Soares, 3, morto em julho. Por quatro votos a três, o 2º Tribunal do Júri inocentou o cabo da acusação de homicídio duplamente qualificado.

O julgamento terminou às 23h55 de anteontem. William foi condenado pelo crime de lesão corporal leve, para o qual recebeu pena de prestação de serviços comunitários por um ano. Preso há quatro meses no BEP (Batalhão Especial Prisional), ele foi solto na tarde de ontem. Por orientação do advogado, não falou com a imprensa.

A decisão revoltou a família de João Roberto, morto após William e o soldado Elias Gonçalves da Costa Neto -que ainda será julgado- supostamente confundirem o carro onde ele estava com o de ladrões.

Dezessete disparos atingiram o automóvel, dirigido pela mãe do menino, Alessandra Amorim, e onde também estava o irmão de João Roberto, então com nove meses.

O júri entendeu que o PM cumpria sua função e não tinha intenção de matar o menino. A punição por lesão corporal leve foi dada porque a mãe ficou ferida por estilhaços e o irmão de João teve problema auditivo.

"Estou chocada. Meu filho morreu em vão. Ele [o PM] atirou, teve intenção, e está na rua", protestou Alessandra. "Quer dizer que hoje a polícia pode matar e fica por isso mesmo?", questionou o pai, o taxista Paulo Roberto Soares.

O promotor do caso, Paulo Rangel, considerou a absolvição "uma carta branca que a sociedade entregou aos PMs". "Se eles matam um garoto de três anos, naquelas circunstâncias, e estão agindo no estrito cumprimento do dever legal, imagina quando forem a uma favela."

Rangel afirmou à Folha que, na reunião do júri, alguns membros tiveram dificuldade para entender o questionário proposto e votaram por engano a favor do PM. "Um jurado na hora disse "não entendi, doutor". O juiz [Paulo Valdez] repetiu, mas ele ficou com vergonha de dizer que ainda não tinha compreendido. Quando o juiz leu "com essa decisão vocês absolveram ele", dois disseram "não é isso, não"."

O juiz negou que tenha havido qualquer manifestação dos membros do júri após o anúncio da absolvição. Segundo ele, a dúvida expressa dizia respeito a uma das teses da defesa, e não em relação à absolvição.

"Estou sendo surpreendido por esta declaração. A Promotoria não consignou nenhum protesto em ata", disse Valdez à Folha. "Só porque a votação não atendeu à expectativa de uma ou de outra parte, o juiz não tem que repetir a votação."

O advogado de defesa do cabo, Maurício Neville, também entrou com recurso contra a decisão, questionando a pena de prestação de serviços comunitários por sete horas semanais durante um ano. Ele sustenta que o PM já cumpriu a pena ao passar quatro meses preso. Os recursos devem ser julgados apenas no próximo ano.

Após dois anos fechada, Biblioteca Nacional de Brasília é inaugurada com 50 mil livros

Como diria Caetano, “é tudo lindo”....mas a pergunta é: quantas bibliotecas o Estado (em regiões bem mais necessitadas do que Brasília) conseguiria montar com todos esses recursos???

É pra se pensar!!!

Fonte: Agência Brasil

Dois anos após o aniversário de 99 anos de Oscar Niemeyer, o prédio da Biblioteca Nacional de Brasília foi inaugurado nesta quinta-feira (11). De lá para cá, polêmicas por causa da incidência do sol no edifício, que prejudicaria o acervo, impediram que ela fosse aberta de fato. No início da noite de hoje, as modernas instalações foram entregues, com acervo de 50 mil livros e a expectativa da visita de 3.000 a 5.000 pessoas por dia.

"Nós colocamos uma película que protege até 92% da luz e das irradiações solares de infravermelho. Ou seja, os livros estão protegidos e os usuários também. Esse trabalho foi feito em todas as paredes de vidro da biblioteca", assegurou o diretor da instituição, Antônio Miranda.

O processo levou esses dois anos porque, a princípio, o arquiteto da obra, Oscar Niemeyer, havia vetado a película nos vidros da biblioteca, porque interferiria na proposta inicial do projeto. Contudo, segundo Antônio Miranda, ela foi autorizada. O edifício tem cinco andares e 10 mil metros quadrados. O acervo foi doado por outras instituições e pessoas físicas.

"Marli de Oliveira, a esposa [do escritor] João Cabral de Melo Neto, faleceu, e a família nos honrou doando 8.000 livros da coleção pessoal dela, com autógrafos de grandes escritores brasileiros, como Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, que eram amigos dela", contou Miranda.

Além dos 50 mil livros, o Ministério da Cultura fez um repasse de R$ 2,5 milhões, que deve ser publicado no Diário Oficial da União nos próximos dias. De acordo com o diretor da biblioteca, o dinheiro servirá para a compra de mais de 150 mil exemplares.

Oscar Niemeyer, que completa 101 anos no próximo dia 15, esteve presente ao lançamento da revista "Nosso Caminho", que aconteceu em seguida à inauguração, mas falou pouco. Após o discurso do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, Niemeyer disse que "é importante trabalharmos juntos para construir um mundo mais justo e melhor".

O coordenador nacional de Livro de Leitura, Jéferson Assumção, destacou que a biblioteca "está em um lugar simbólico, na capital do país, na Esplanada dos Ministérios. É muito importante colocar o livro com destaque no imaginário coletivo do brasileiro", disse Assumção.

Além do lugar ser de destaque por sua simbologia - estar próximo às principais sedes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário -, ele também fica próximo ao principal ponto de trânsito de pessoas do Distrito Federal: a rodoviária de Brasília.

"Cerca de 400 mil pessoas passam diariamente pela rodoviária, vindos de muitas partes do Distrito Federal. Isso é muito importante, então é colocar o livro bem próximo de onde passam as pessoas. Isso é a grande qualidade dessa biblioteca", completou Jéferson Assumção.

Para o ministro da Cultura, Juca Ferreira, "biblioteca é importante em qualquer lugar do mundo e nós estamos fazendo um esforço no Brasil de atingir essa meta em meados do ano que vem, e essa biblioteca é fundamental, porque vai prestar um serviço a uma parcela da população que tem dificuldade de ter acesso à cultura".

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Casa do Saber

Fonte: Casa do Saber

A Casa do Saber é um centro de debates e disseminação do conhecimento em São Paulo, que oferece acesso à cultura de forma clara e envolvente, porém rigorosa e fiel às obras dos criadores.

Em um ambiente extra-acadêmico, a Casa do Saber oferece cursos livres, palestras e oficinas de estudo nas áreas de artes plásticas, ciências sociais, cinema, filosofia, história, música e psicologia, reunindo renomados professores e conferencistas.

As palestras e os cursos, estes com duração de um a seis meses, apresentam o diferencial de serem ministrados em pequenos grupos, para promover a troca de idéias e maior interação entre os participantes e os mestres.

Carta de Princípios  

Por um saber sem dogmas

O saber é um meio de aprimorar o ser humano: pressupõe o debate, o embate democrático e a diversidade de idéias.

Pela preservação e usufruto da cultura

É uma necessidade do ser humano, em busca do crescimento, absorver, traduzir e entender a riqueza cultural existente.

Pela criação de um centro de troca

A Casa do Saber é um lugar privilegiado de troca de conhecimento. Aqui se resgata e se estimula o debate entre as diferentes áreas do saber. Aqui se acredita que o saber se transmite de forma mais eficiente por meio do intercâmbio e do diálogo.

Por uma linguagem clara, acessível e rigorosa

A linguagem e a metodologia devem ser claras, eficazes e facilitadoras de acesso e da apreensão do conhecimento.

A linguagem deve estimular a conversa, a curiosidade e o prazer da reflexão.

Por um contato enriquecedor

A Casa do Saber é também um centro do prazer de pensar, de se expressar e de aprender.          

Trecho do livro "A Viagem do Elefante", de José Saramago

Este entra pra minha listinha de quero ler....

“Não há vento, porém a névoa parece mover-se em lentos turbilhões como se o próprio bóreas, em pessoa, a estivesse soprando desde o mais recôndito norte e dos gelos eternos. O que não está bem, confessemo-lo, é que, em situação tão delicada como esta, alguém se tenha posto aqui a puxar o lustro à prosa para sacar alguns reflexos poéticos sem pinta de originalidade. A esta hora os companheiros da caravana já deram com certeza pela falta do ausente, dois deles declararam-se voluntários para voltar atrás e salvar o desditoso náufrago, e isso seria muito de agradecer se não fosse a fama de poltrão que o iria acompanhar para o resto da vida, Imaginem, diria a voz pública, o tipo ali sentado, à espera de que aparecesse alguém a salvá-lo, há gente que não tem vergonha nenhuma. É verdade que tinha estado sentado, mas agora já se levantou e deu corajosamente o primeiro passo, a perna direita adiante, para esconjurar os malefícios do destino e dos seus poderosos aliados, a sorte e o acaso, a perna esquerda de repente duvidosa, e o caso não era para menos, pois o chão deixara de poder ver-se, como se uma nova maré de nevoeiro tivesse começado a subir. Ao terceiro passo já não consegue nem sequer ver as suas próprias mãos estendidas à frente, como para proteger o nariz do choque contra uma porta inesperada. Foi então que uma outra ideia se lhe apresentou, a de que o caminho fizesse curvas para um lado ou para o outro, e que o rumo que tomara, uma linha que não queria apenas ser recta, uma linha que queria também manter-se constante nessa direcção, acabasse por conduzi-lo a páramos onde a perdição do seu ser, tanto da alma como do corpo, estaria assegurada, neste último caso com consequências imediatas. E tudo isto, ó sorte mofina, sem um cão para lhe enxugar as lágrimas quando o grande momento chegasse. Ainda pensou em voltar para trás, pedir abrigo na aldeia até que o banco de nevoeiro se desfizesse por si mesmo, mas, perdido o sentido de orientação, confundidos os pontos cardeais como se estivesse num qualquer espaço exterior de que nada soubesse, não achou melhor resposta que sentar-se outra vez no chão e esperar que o destino, a casualidade, a sorte, qualquer deles ou todos juntos, trouxessem os abnegados voluntários ao minúsculo palmo de terra em que se encontrava, como uma ilha no mar oceano, sem comunicações. Com mais propriedade, uma agulha em palheiro. Ao cabo de três minutos, dormia. Estranho animal é este bicho homem, tão capaz de tremendas insónias por causa de uma insignificância como de dormir à perna solta na véspera da batalha. Assim sucedeu. Ferrou no sono, e é de crer que ainda hoje estaria a dormir se salomão não tivesse soltado, de repente, em qualquer parte do nevoeiro, um barrito atroador cujos ecos deveriam ter chegado às distantes margens do ganges. Aturdido pelo brusco despertar, não conseguiu discernir em que direcção poderia estar o emissor sonoro que decidira salvá-lo de um enregelamento fatal, ou pior ainda, de ser devorado pelos lobos, porque isto é terra de lobos, e um homem sozinho e desarmado não tem salvação ante uma alcateia ou um simples exemplar da espécie. A segunda chamada de salomão foi mais potente ainda que a primeira, começou por uma espécie de gorgolejo surdo nos abismos da garganta, como um rufar de tambores, a que imediatamente se sucedeu o clangor sincopado que forma o grito deste animal. O homem já vai atravessando a bruma como um cavaleiro disparado à carga, de lança em riste, enquanto mentalmente implora, Outra vez, salomão, por favor, outra vez. E salomão fez-lhe a vontade, soltou novo barrito, menos forte, como de simples confirmação, porque o náufrago que era já deixara de o ser, já vem chegando, aqui está o carro da intendência da cavalaria, não se lhe podem distinguir os pormenores porque as coisas e as pessoas são como borrões indistintos, outra ideia se nos ocorreu agora, bastante mais incómoda, suponhamos que este nevoeiro é dos que corroem as peles, a da gente, a dos cavalos, a do próprio elefante, apesar de grossa, que não há tigre que lhe meta o dente, os nevoeiros não são todos iguais, um dia se gritará gás, e ai de quem não levar na cabeça uma celada bem ajustada. A um soldado que passa, levando o cavalo pela reata, o náufrago pergunta-lhe se os voluntários já regressaram da missão de salvamento e resgate, e ele respondeu à interpelação com um olhar desconfiado, como se estivesse diante de um provocador, que havê-los já os havia em abundância no século dezasseis, basta consultar os arquivos da inquisição, e responde, secamente, Onde é que você foi buscar essas fantasias, aqui não houve nenhum pedido de voluntários, com um nevoeiro destes a única atitude sensata foi a que tomámos, manter-nos juntos até que ele decidisse por si mesmo levantar-se, aliás, pedir voluntários não é muito do estilo do comandante, em geral limita-se a apontar tu, tu e tu, vocês, em frente, marche, o comandante diz que, heróis, heróis, ou vamos sê-lo todos, ou ninguém. Para tornar mais clara a vontade de acabar a conversa, o soldado içou-se rapidamente para cima do cavalo, disse até logo e desapareceu no nevoeiro. Não ia satisfeito consigo mesmo. Tinha dado explicações que ninguém lhe havia pedido, feito comentários para que não estava autorizado. No entanto, tranquilizava-o o facto de que o homem, embora não parecesse ter o físico adequado, deveria pertencer, outra possibilidade não cabia, pelo menos, ao grupo daqueles que haviam sido contratados para ajudar a empurrar e puxar os carros de bois nos passos difíceis, gente de poucos falares e, em princípio, escassíssima imaginação. Em princípio, diga-se, porque ao homem perdido no nevoeiro imaginação foi o que pareceu não lhe ter faltado, haja vista a ligeireza com que tirou do nada, do não acontecido, os voluntários que deveriam ter ido salvá-lo. Felizmente para a sua credibilidade pública, o elefante é outra coisa. Grande, enorme, barrigudo, com uma voz de estarrecer os tímidos e uma tromba como não a tem nenhum outro animal da criação, o elefante nunca poderia ser produto de uma imaginação, por muito fértil e dada ao risco que fosse. O elefante, simplesmente, ou existiria, ou não existiria. É portanto hora de ir visitá-lo, hora de lhe agradecer a energia com que usou a salvadora trombeta que deus lhe deu, se este sítio fosse o vale de josafá teriam ressuscitado os mortos, mas sendo apenas o que é, um pedaço bruto de terra portuguesa afogado pela névoa onde alguém (quem) esteve a ponto de morrer de frio e abandono, diremos, para não perder de todo a trabalhosa comparação em que nos metemos, que há ressurreições tão bem administradas que chega a ser possível executá-las antes do passamento do próprio sujeito. Foi como se o elefante tivesse pensado, Aquele pobre diabo vai morrer, vou ressuscitá-lo. E aqui temos o pobre diabo desfazendo-se em agradecimentos, em juras de gratidão para toda a vida, até que o cornaca se decidiu a perguntar, Que foi que o elefante lhe fez para que você lhe esteja tão agradecido, Se não fosse ele, eu teria morrido de frio ou teria sido comido pelos lobos, E como conseguiu ele isso, se não saiu daqui desde que acordou, Não precisou de sair daqui, bastou-lhe soprar na sua trombeta, eu estava perdido no nevoeiro e foi a sua voz que me salvou, Se alguém pode falar das obras e feitos de salomão, sou eu, que para isso sou o seu cornaca, portanto não venha para cá com essa treta de ter ouvido um barrito, Um barrito, não, os barritos que estas orelhas que a terra há-de comer ouviram foram três. O cornaca pensou, Este fulano está doido varrido, variou-se-lhe a cabeça com a febre do nevoeiro, foi o mais certo, tem-se ouvido falar de casos assim, Depois, em voz alta, Para não estarmos aqui a discutir, barrito sim, barrito não, barrito talvez, pergunte você a esses homens que aí vêm se ouviram alguma coisa. Os homens, três vultos cujos difusos contornos pareciam oscilar e tremer a cada passo, davam imediata vontade de perguntar, Onde é que vocês querem ir com semelhante tempo. Sabemos que não era esta a pergunta que o maníaco dos barritos lhes fazia neste momento e sabemos a resposta que lhe estavam a dar. Também não sabemos se algumas destas coisas estão relacionadas umas com as outras, e quais, e como. O certo é que o sol, como uma imensa vassoura luminosa, rompeu de repente o nevoeiro e empurrou-o para longe. A paisagem fez-se visível no que sempre havia sido, pedras, árvores, barrancos, montanhas. Os três homens já não estão aqui. O cornaca abre a boca para falar, mas torna a fechá-la. O maníaco dos barritos começou a perder consistência e volume, a encolher-se, tornou-se meio redondo, transparente como uma bola de sabão, se é que os péssimos sabões que se fabricam neste tempo são capazes de formar aquele maravilhas cristalinas que alguém teve o génio de inventar, e de repente desapareceu da vista. Fez plof e sumiu-se. Há onomatopeias providenciais. Imagine-se que tínhamos de descrever o processo de sumição do sujeito com todos os pormenores. Seriam precisas, pelo menos, dez páginas.”

"A Viagem do Elefante"

Autor: José Saramago

Editora: Companhia das Letras

Páginas: 256

Preço sugerido: R$ 42,00

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Por que não?

Autor: Marcelo Rubens Paiva, Estado de Sábado

Por que você não pega o ônibus que passa na sua rua? Você conhece o itinerário dele? Vá até o ponto final, para ver como é a cidade que ele atravessa diariamente. Volte até o ponto inicial.

Por que você não prepara uma viagem para conhecer a cidade em que seus avós nasceram? E, se der, por que você não os leva? Por que você não aprende a língua deles, caso sejam imigrantes estrangeiros?

Por que você não vai conhecer aquele parente de quem ouviu muito falar, mas a quem nunca viu pessoalmente?

Se você tem empregada, por que não dá um beijo nela, assim que levantar da cama? Por que não aceita aquele convite de conhecer a casa dela? Marque a visita para o próximo domingo. E leve o vinho mais caro que encontrar.

Por que você não abraça o seu porteiro e combina de beber uma cerveja depois do expediente com ele? Por que não vai conhecer a casa das máquinas do seu prédio com o zelador? Por que não abre um champanhe no teto do prédio, com ele? Vêem o sol se pôr.

Se você mora em casa, por que não pergunta para o vigia da sua rua onde ele nasceu, como foi a sua infância, se é casado e tem filhos? Por que não o convida para jantar antes do serviço? Cozinhe pra ele. Como se cozinhasse para o rei.

Por que você não liga agora para os seus pais e não diz quanto os ama? Por que não vai hoje à noite comer uma pizza com eles e folhear álbuns de infância, reler cartas, ouvir histórias? Por que você não abre o armário do seu pai e olha roupa por roupa, gaveta por gaveta, como ele se veste atualmente? Por que você não dorme na antiga caminha em que dormia?

Por que você não faz as pazes com os seus irmãos? Convide todos para irem ao circo. Pague pipoca para eles. Por que não vão todos depois aos bastidores conversar com os trapezistas?

Por que você não paga pipoca para todas as criança do berçário vizinho, que fazem uma algazarra incrível na hora do recreio? Por que você não aproveita e brinca com elas? Por que você não pode ou não quer?

Por que você não visita a sua escola primária? Ande pelos corredores e tente reconhecer alguns professores. Por que você não se senta no banco escolar de onde assistia as aulas? Por que você não procura na biblioteca o seu nome nas fichas de livros que leu no colegial? Peça o mesmo sanduíche que comia na lanchonete da escola. Por que não aproveita e paga para todos os alunos presentes uma rodada de milk-shake? Lembra quanto você era duro e de como era caro tomar um?

Por que você não liga já para a sua primeira namorada ou namorado e marca um café? Marca para um sábado qualquer. Por que você não liga para a segunda namorada ou namorado e relembra todas as besteiras que fizeram, os apelidinhos que se deram, os presentes que trocaram?

Por que você não escreve uma carta? Por que você não compra selos e posta a carta numa caixa de correio que resiste ao tempo? Você sabe onde tem uma caixa de correio perto?

Por que você não escreve uma carta para antigos namorados ou namoradas relembrando todas as coisas boas que vocês viveram? Por que você não escreve uma carta para você mesmo, contando todas as besteiras que fez na vida, listando os arrependimentos? Coloque num envelope selado, enfie na caixa de correio mais próxima.

Por que você não começa hoje a ler o livro que sempre teve vontade, mas que nunca teve tempo? E por que não decora a letra daquela música que ama? Por que não aproveita e decora o número do seu cartão de crédito novo?

Por que você não vai a uma praça rolar na grama? O que o impede de subir na gangorra ou balanço? E numa árvore? Siga as formigas. Escute abelhas. Reparou que um adulto só volta a ser criança na velhice?

Por que é tão difícil quebrar os hábitos, fugir do padrão, deixar o óbvio de lado? Por que ignorar o incomum? E, o pior de tudo, por que a rotina nos é fundamental?

Por que você não poda as árvores da sua quadra, por que não planta flores nos canteiros da sua calçada, por que não adota um gato? Por que você não passa o dia na janela, observando o movimento e a rotina dos vizinhos? Falta de tempo? De interesse?

Por que uma criança sempre ri?

Por que não arrumar os livros em gênero, os discos em ordem alfabética, as roupas por estilo? Por que não doar agora aqueles livros, discos e roupas de que não gosta? Por que não passar o dia desenhando? Por que não desenhar na parede da sala? E que tal comer um tomate inteiro, como se fosse uma maçã? Ou sucrilhos, grão por grão? Lamba o prato. Enfie o dedo no bolo. Use a colher do açucareiro, para dispersar o açúcar no café.

Vá ao estádio de futebol e se sente na arquibancada com a torcida rival. Torça, um dia apenas, para um time que nunca imaginou que existisse. O improvável é tão impossível assim?

Durma olhando para as estrelas, coma sem usar os talheres, corra para ver os cavalos acordarem, converse com os moradores de rua do bairro, entre no metrô de costas, cante alto uma música no vagão, vá à varanda mais próxima e uive com os cachorros na madrugada. Por que o diferente amedronta?

Vá ao aeroporto ver avião subir. Conte quantas nuvens tem agora no céu. Tente desvendar qual animal elas lembram. Abra os braços, respire fundo, feche os olhos, sinta no rosto a umidade da brisa, escute o vento, a cidade viva. Diz: "Como é bom tudo isso..." Agora repete.

A plebe rude

Muitos tem me perguntado se a expressão usada pelo presidente Lula semana passada era adequada para um chefe de Estado.....bem faço minhas as palavras de Carlos Heitor Cony, hoje na Folha de São Paulo....lembrando que desde a monarquia, sempre tivemos chefes de Estado letrados, vide FFHHCC, e olha onde ele nos deixou.....vale a pena a reflexão....

De certa forma, e uns pelos outros, quase todos os cronistas e colunistas em atividade na mídia nacional comentaram a recente fala do presidente da República, que usou uma expressão classificada de "chula". Resisti até agora, mas quem há de?

De minha modesta parte, não fiquei escandalizado com a expressão em si, mas confesso que até hoje fico ruborizado quando leio ou ouço a palavra "chula". Quando a ouvi pela primeira vez, mais ou menos aos 12 anos, pensei que se tratava de um sinônimo técnico ou erudito para "vagina", órgão feminino que eu conhecia por outros nomes em voga no distante Lins de Vasconcelos, onde nasci e me criei.

Vai daí, achei o uso da palavra "chula" mil vezes pior do que a expressão popular usada por Lula. Além disso, a exposição do cargo que ocupa o obriga a falar todos os dias em diversas ocasiões, nem sempre formais. E a linguagem coloquial nem sempre pode ser evitada. Nunca tivemos um presidente que falasse tanto em público, muitas vezes desnecessariamente.

Nos 20 anos em que exerceu o poder, Getúlio Vargas pouquíssimo falou de improviso. Seu sucessor, o marechal Dutra, era ruim de prosódia e só falava o estritamente necessário, às vezes nem isso

JK falou muito, FHC também. Somando os dois, não chegam à metade do que Lula já falou -e ainda lhe restam quase dois anos de mandato. Jânio era econômico e castiço demais quando falava qualquer coisa -e até mesmo quando não falava. Tinha obsessões pela colocação dos pronomes.

Em outro cenário político e lingüístico, a expressão usada chocaria a classe média, como chocou alguns comentaristas da mídia. Mas a plebe rude, que engrossa os 70% de aprovação ao presidente, teve mais um motivo para considerar Lula como um dos seus.

CARLOS HEITOR CONY

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Marcelo Fromer

Coluna de hoje do Nando Reis no Estado. Apreciem...  

Se estivesse vivo, ontem ele teria completado 47 anos. Conheci Marcelo quando eu tinha 14 e ele 15, na Feira Medieval do Colégio Equipe, isso nos idos de 1977. Voltamos juntos de ônibus, de madrugada, pois éramos vizinhos de bairro, morávamos a duas ruas um do outro no velho Butantã.

Embriagados de vinho barato servido a rodo na taverna renascida sobre o chão de serragem, iniciamos uma amizade que foi subitamente interrompida pelo atropelamento fatal que o levou. Não sabíamos que aquela noite seria a primeira de uma longa série de noites, tardes, dias e madrugadas vividas com a intensidade insana da juventude que parecia nunca ter fim. Mas as coisas têm fim, a vida tem fim, e a sua morte impôs essa dura constatação.

Duas naturezas diferentes, por vezes complementares, outras tantas superpostas e interativas, fizemos muito do tudo que se pode fazer numa vida. Com outros amigos de escola formamos uma banda e, com ela, atravessamos 20 desses tantos anos de amizade e convivência. Com os Titãs, crescemos e pudemos criar nossos filhos que continuam a crescer e nos recriar. Mas, antes e além da música, outras paixões deram frutos e se construíram desenhadas na lousa concreta da realidade. Fizemos o Papagaio, revista em quadrinhos alternativa e anarquista que ia de encontro com a pasmaceira obsoleta do pensamento estudantil que achava que a única forma de atuação política eram as passeatas e os jornais engajados, a repetir como papagaios os jargões esquerdistas. Sempre defendemos o pensamento original e criativo como legítima força revolucionária. A revolução contra a falta de imaginação.

Até mesmo uma torcida uniformizada criamos, a LSP - Loucura São Paulina. Sim, Marcelo também era são-paulino e gostava de ir ao estádio. Nossa torcida era escandalosamente representativa das minorias. Lembro bem da ocasião em que Marcelo chegou ao estádio com o cabelo pintado de roxo, chamando mais atenção que o próprio jogo.

Torcer pelo mesmo time não significa ter a mesma cabeça, podemos vestir apenas a mesma camisa. Mas no nosso caso havia mais do que afinidade de idéias. Dividimos paixão pelas mesmas mulheres, assinamos canções com duas e muitas outras mãos, dividimos quartos de hotel nos tempos mais bicudos e formamos inclusive uma imbatível dupla de buraco graças à nossa habilidade com as cartas, sua espantosa sorte e algumas trapaças deploráveis.

As pessoas são únicas e insubstituíveis, isso é certo. Mas na vida alguns encontros vão além disso, carregam mais do que a particularidade do acaso. Conhecer alguém aos 14 anos e atravessar junto dele o oceano de uma vida, transformar e ser transformado, é mais do que um simples ato fraterno de companheirismo. É uma comunhão que transcende a lógica, vai além da compreensão, não tem e não pede explicação. O que determina uma afinidade? O que nos faz gostar tanto de alguém que nos torna capaz de gostar até mesmo daquilo que a gente não gosta? O que determina o amor? É estranho: saudade dói, mas ao mesmo tempo a gente não quer deixar de sentir. Porque a intensidade da saudade machuca, mas é ela que mantém viva a lembrança daquele cuja presença não podemos mais encontrar.

Saudade reacende na memória o olfato, o tato, a voz e a imagem que só reaparece vívida de quando em quando no desespero lúdico do sonho. Como aqui é lugar para se falar de futebol, certamente haverá gente que não vai entender o sentido disso que escrevi.

Não tem importância. Se a morte de quem a gente ama não faz nenhum sentido, um artigo também pode não fazer.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

As viagens de Saramago

Gosto muito do texto da Folha de São Paulo, e principalmente de seus colunistas do Caderno ILUSTRADA...segue abaixo, coluna de hoje de João Pereira Coutinho

CHEGA. Vou desfazer um equívoco. O equívoco dá pelo nome de Saramago. Sempre que alinho umas palavras críticas sobre o Nobel, os leitores, meus e sobretudo dele, não gostam do que escrevo e desatam a distribuir chicotadas sobre o lombo do cronista. Não gosto de Saramago, dizem, porque os meus preconceitos ideológicos não me permitem vislumbrar o escritor e a sua obra.

Existe uma parte de verdade na acusação. Sim, não gosto do Saramago político. Desde logo porque tenho memória: em 1989, visitei a Romênia pela primeira e última vez, três meses antes do encantador casal Ceausescu ser fuzilado em julgamento popular. Experimentei o "socialismo real" e não pretendo traduzir por palavras a miséria material e humana que o regime significava. Quem viu não esquece. Não esqueci. E entre o comunismo ou a guerra civil, qualquer país deve optar sensatamente por uma guerra civil.

Saramago discorda. Sabatinado pela Folha na passada semana, ele confessou-se um "comunista hormonal", o que não deixa de ser uma confissão de imbecilidade: para Saramago, a política não é assunto racional; mas hormonal, como se a vida de terceiros estivesse à disposição dos caprichos hormonais de um homem.

Esta atitude literalmente criminosa sempre foi típica de Saramago: em 1975, quando o meu país passava por um processo revolucionário que o prometia transformar numa espécie de Romênia do Ocidente, Saramago era a voz fanática que, nos jornais de Lisboa, clamava por mais sangue e mais violência contra os burgueses "reacionários". Conheço o bicho e conheço-o bem.

E a obra? Aqui, os meus "preconceitos" ideológicos terminam. Começam os meus "preconceitos" estéticos, que também os tenho. Saramago é um escritor altamente irregular e as suas piores obras são, invariavelmente, obras de um didatismo grandiloqüente, feitas de propósito para deslumbrar iletrados. Como, por exemplo, os iletrados da Academia Sueca.

Pedindo de empréstimo a retórica barroca de Antonio Vieira e de pregadores medievais como Álvaro Pais ou mesmo Antonio de Lisboa, romances como "A Caverna" ou "Ensaio sobre a Lucidez" são imprestáveis como literatura. O caso agravou-se depois da atribuição do Nobel em 1998: deslumbrado pelo seu estatuto universal, Saramago deixou de fazer literatura. Passou a contrabandear política por via literária em parábolas de um moralismo infantil.

Disse e repito que Saramago é um escritor altamente irregular. O que significa que, no meio do lixo, existem obras que merecem leitura e releitura. Antes do fatídico Nobel, relembro duas: "Memorial do Convento" e o espantoso "O Ano da Morte de Ricardo Reis", que considero um dos maiores romances da literatura européia contemporânea. E a esses dois, manda a justiça que se junte mais um: o mais recente livro de Saramago, "A Viagem do Elefante" (Companhia das Letras, R$ 42; 264 págs.), que o escritor lançou mundialmente no Brasil.

Confesso que iniciei a leitura com as piores expectativas, esperando ler na história do elefante mais uma parábola política para catequizar os incréus. Terminei o livro a levitar: Saramago suspendeu o didatismo rasteiro das obras anteriores para construir uma história (quase) de aventuras poderosamente escrita e imaginada.

É a história de Salomão, um elefante vindo da Índia portuguesa, que o rei d. João 3º resolve oferecer ao arquiduque Maximiliano da Áustria, seu primo. O livro relata simplesmente essa viagem e os contornos oníricos dela: uma marcha lenta do elefante e da sua comitiva através da Europa do século 15. A cruzada paquidérmica permite a Saramago o tom irônico mas compassivamente humano sobre as ilusões e as vaidades transitórias dos homens.

A viagem termina em Viena, cidade elegante mas inevitavelmente pasmada perante o elefante e o seu cornaca. Pena que o elefante também termine pouco depois. Morto e esfolado, suas patas serão cortadas e transformadas em recipientes para depositar bengalas e sombrinhas. A grande viagem termina em bengaleiro, metáfora perfeita sobre a nossa condição.

"A Viagem do Elefante" é o melhor livro de Saramago desde o Nobel. Mas é também um dos grandes romances da literatura portuguesa de hoje. Saber que Saramago o escreveu e terminou em condições precárias de saúde só aumenta a minha admiração: pelo livro e, apesar de tudo, pelo escritor intermitente que Saramago é. Políticas à parte.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A humanidade não merece a vida

Fonte: Folha

Prêmio Nobel português se define como um "comunista hormonal" e afirma que os instintos servem melhor aos animais do que a razão aos homens

O ESCRITOR português José Saramago, 86, disse ontem que "a história da humanidade é um desastre" e que "nós não merecemos a vida". O autor, vencedor do Nobel de Literatura em 1998, participou de sabatina da Folha em celebração dos 50 anos da Ilustrada. O debate, assistido por 300 pessoas em um Teatro Folha lotado, teve como mediador o secretário de Redação do jornal Vaguinaldo Marinheiro. Participaram também, como entrevistadores, o crítico Luiz Costa Lima, a repórter da Ilustrada Sylvia Colombo e Manuel da Costa Pinto, colunista do caderno.

HUMANIDADE

A história da humanidade é um desastre contínuo. Nunca houve nada que se parecesse com um momento de paz. Se ainda fosse só a guerra, em que as pessoas se enfrentam ou são obrigadas a se enfrentar... Mas não é só isso. Esta raiva que no fundo há em mim, uma espécie de raiva às vezes incontida, é porque nós não merecemos a vida. Não a merecemos. Não se percebeu ainda que o instinto serve melhor aos animais do que a razão serve ao homem. O animal, para se alimentar, tem que matar o outro animal. Mas nós não, nós matamos por prazer, por gosto. Se fizermos um cálculo de quantos delinqüentes vivem no mundo, deve ser um número fabuloso. Vivemos na violência. Não usamos a razão para defender a vida; usamos a razão para destruí-la de todas as maneiras -no plano privado e no plano público.

MARXISMO HORMONAL

Desde muito novo orientei-me para a consciência de que o mundo está errado. Não importa aqui qual foi o grau da minha militância todos esses anos. O que importa é que o mundo estava errado, e eu queria fazer coisas para modificá-lo. O espaço ideológico e político em que se esperava encontrar alguma coisa que confirmasse essa idéia era, é claro, a esquerda comunista. Para aí fui e aí estou. Sou aquilo que se pode chamar de comunista hormonal. O que isso quer dizer? Assim como tenho no corpo um hormônio que me faz crescer a barba, há outro que me obriga a ser comunista.

CRISE ATUAL

Marx nunca teve tanta razão quanto agora. O trabalho constrói, e a privação dele é uma espécie de trauma. Vamos ver o que acontece agora com os milhões de pessoas que vão ficar sem emprego. A chamada classe média acabou. Ou melhor: está em processo de desagregação. Falava-se em dois anos [para a recuperação da economia depois da crise financeira]; agora já se fala em três. Veremos se Marx tem ou não razão.

DEUS E BÍBLIA

Por que eu teria de mudar [a concepção de Deus após a doença]? Porque supostamente me salvou a vida? Quem me salvou foram os médicos e a minha mulher. E Deus se esqueceu de Santa Catarina? Não quero ofender ninguém, mas Deus não existe. Salvo na cabeça das pessoas, onde está o diabo, o mal e o bem. Inventamos Deus porque tínhamos medo de morrer, acreditávamos que talvez houvesse uma segunda vida. Inventamos o inferno, o paraíso e o purgatório. Quando a igreja inventou o pecado, inventou um instrumento de controle, não tanto das almas, porque à igreja não importam as almas, mas dos corpos. O sonho da igreja sempre foi nos transformar em eunucos. A Bíblia foi escrita ao longo de 2.000 anos e não é um livro que se possa deixar nas mãos de um inocente. Só tem maus conselhos, assassinatos, incestos...

RELAÇÃO COM PORTUGAL

Espalham por aí idéias sobre minha relação com meu país que não estão corretas. Saímos [Saramago e sua mulher, Pilar] de Lisboa [para a ilha de Lanzarote] em conseqüência de uma atitude do governo, não do país nem da população. Mas do governo, que não permitiu que meu livro ["O Evangelho Segundo Jesus Cristo"] fosse inscrito num prêmio da União Européia. Nunca tive problemas com o meu país, mas com o governo, que depois não foi capaz de pedir desculpas. Nisso, os governos são todos iguais, dificilmente pedem desculpas. Fomos para lá e continuamos pagando impostos em Portugal. Agora temos duas casas. Mudei de bairro, porque o vizinho me incomodava. E o vizinho era o governo português.

ACORDO ORTOGRÁFICO

Em princípio, não me parecia necessário. De toda forma, continuaríamos a nos entender. O que me fez mudar de opinião foi a idéia de que, se o português quer ganhar influência no mundo, tem de adotar uma grafia única. Se Portugal tivesse 140 milhões de habitantes, provavelmente teríamos imposto ao Brasil a nossa grafia. Acontecem que os 140 milhões estão no Brasil, e o Brasil tem mais presença internacional. Perderíamos muito com a idéia de que o português é nosso, nós o tornaríamos uma língua que ninguém fala. Quando acabou o "ph", não consta que tenha havido uma revolução.

LITERATURA BRASILEIRA

Houve um tempo em que os autores brasileiros estavam presentes em Portugal, e em alguns casos podíamos dizer que conhecíamos tão bem a literatura brasileira quanto a portuguesa. Graciliano Ramos, Jorge Amado, os poetas, como João Cabral [de Melo Neto], Manuel Bandeira, essa gente era lida com paixão. Para nós, aquilo representava a voz do Brasil. Agora, que eu saiba, não há nenhum escritor brasileiro que seja lido com paixão em Portugal. Culpo a mim, talvez, por não ter a curiosidade. Mas também não temos a obrigação de descobrir aquilo que nem sabemos se existe.

LEITOR

O leitor me importa só depois que escrevi. Enquanto escrevo, não importa, porque não se escreve para um leitor específico. Há dois tempos, o tempo em que o autor não tinha leitores e o tempo em que tem. Mas a responsabilidade é igual, é com o trabalho que se faz. Agora, eu penso nos leitores quando recebo cartas extraordinárias. É um fenômeno recente. Ninguém escreveu a Camões, mas hoje há essa comunicação, essa ansiedade do leitor.

"Em nome de todos os brasileiros, obrigada por existir", disse alto, ao final da sabatina, uma integrante da platéia, enquanto Saramago terminava de falar.

Assista ao vídeo da sabatina

www.folha.com.br/0833310

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Quatrocentona, biblioteca dos monges passa por informatização

Nos últimos seis anos, 12 mil dos 100 mil títulos do tradicional Mosteiro de São Bento já foram catalogados

Fonte: Estado

Oásis de repouso, tranqüilidade e oração no meio do caótico e barulhento centro de São Paulo, o Mosteiro de São Bento esconde, dentro de seus domínios, uma rica biblioteca, possivelmente a mais antiga da cidade. São 100 mil títulos, sobretudo dedicados à área de Humanidades, como Religião, Filosofia, Literatura e História. Nos últimos seis anos, esse vasto acervo - recheado de obras raras - passa por um processo de reorganização e informatização. Um trabalho de formiguinha capitaneado por André de Araújo, de 29 anos, bibliotecário profissional contratado pelos monges. Ele conta com a ajuda de um assistente e de alunos-bolsistas da Faculdade de São Bento - atualmente são quatro. Até agora, o grupo deu conta de 12% do total do trabalho. Sim, se continuar nesse ritmo, a catalogação eletrônica completa levará meio século.

O tempo nunca foi problema para os religiosos da Ordem de São Bento, medieval organização religiosa fundada pelo santo católico que viveu entre os anos 480 e 550. As normas da vida monástica foram sistematizadas em um livro de 73 capítulos, de autoria atribuída ao santo e conhecido como Regra de São Bento. No coração de São Paulo, os 42 monges que abraçaram a ordem observam religiosamente, sem trocadilho, esse regimento.

Por isso, desde 1598, quando os beneditinos aqui chegaram, o silêncio da madrugada do claustro é rompido pontualmente às 5h05, quando um deles badala o sino que desperta todos os companheiros. Em 25 minutos, ficam a postos no altar da ainda fechada Basílica de Nossa Senhora da Assunção, a igreja contígua ao mosteiro, para entoar o Ofício Divino, primeira das cinco orações do gênero celebradas diariamente.

Assim como a oração, a leitura também está presente na Regra. O capítulo 48 recomenda que os monges se entreguem diariamente ao trabalho e aos livros. Isso fez com que historicamente todo mosteiro nascesse com uma coleção de obras. “Presume-se que já existisse uma biblioteca, mesmo que pequena, quando o mosteiro foi fundado, em 1598”, afirma o bibliotecário André de Araújo. “Quando, na Idade Média, a cultura letrada praticamente desapareceu no Ocidente, ela sobreviveu na Igreja, graças, principalmente, aos mosteiros”, completa o monge-bibliotecário Carlos Eduardo Uchôa, de 46 anos. O hábito de ler é cultivado até durante as refeições: enquanto os outros, em silêncio absoluto, comem, um monge fica responsável por recitar textos sagrados e trechos de livros de Filosofia ou História.

Na comunidade monástica, cada religioso tem sua incumbência. Há o cozinheiro, o alfaiate, o tesoureiro... Uchôa - ou dom Eduardo, como costuma ser tratado - entrou para o Mosteiro de São Bento há 13 anos. Três anos depois, assumiu a biblioteca. “Como sou historiador e artista plástico, naturalmente tenho uma predileção pelos livros”, justifica ele, que acumula duas outras funções: é reitor do Colégio de São Bento e diretor da faculdade homônima, ambos anexos ao mosteiro.

ACESSO RESTRITO

Desde que os monges decidiram profissionalizar a gestão da biblioteca, dom Eduardo tem atuado como coordenador. É dele a palavra final na compra de novos títulos, por exemplo. “Sempre que precisamos de alguma obra nova, preciso levar o pedido até o dom Eduardo”, confirma Araújo. Mas é o jovem bibliotecário, com seus cabelos longos e dois brincos em cada orelha, que cuida, não apenas do processo de reorganização por que passa a biblioteca, como do dia-a-dia de seu funcionamento.

Formado em Biblioteconomia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), Araújo conheceu dom Eduardo quando estava preparando seu trabalho de conclusão de curso, em 2001. O tema escolhido foi justamente a importância das bibliotecas beneditinas ao redor do mundo. “Aí, quando acabei, vim até o mosteiro trazer uma cópia para presenteá-lo, em agradecimento”, conta. Então decidiram contratá-lo. “Quando comecei a minha atuação, de forma alguma poderia jogar as regras da Biblioteconomia radicalmente aqui. Procurei respeitar o contexto existente e propor uma forma de organização que fosse coerente.”

Como a biblioteca tem um caráter particular - ou seja, é voltada para o uso interno dos monges -, o acervo é fechado. Há duas entradas ao espaço. Uma, interligada ao claustro e de uso exclusivo dos monges, pode ser acessada a qualquer dia, a qualquer horário. “Um monge tem autonomia para retirar livro daqui quando quiser”, explica Araújo. “Pedimos sempre que, quando não estamos trabalhando, eles nos deixem um bilhetinho avisando, para que saibamos onde está o exemplar.” O bibliotecário admite, entretanto, que nem todos cumprem essa norma.

Já pela outra porta são recebidos os visitantes externos. Em geral, alunos do colégio e da faculdade, que podem utilizar os livros dali quando precisam - pesquisadores de fora também são recebidos, sob agendamento prévio. Mas nada de circular entre as estantes. O freqüentador pede o que quer e o bibliotecário - ou alguém de sua equipe - fica encarregado da procura pela obra. “De certa forma, é graças a isso que os livros antigos estão tão bem conservados assim”, acredita Araújo. “É uma biblioteca com baixa circulação de pessoas.”

Por falar em livros antigos, o acervo beneditino conta com 581 títulos publicados entre os séculos 15 e 18. “O cuidado é tanto que, ao catalogarmos essas obras, nem utilizamos etiquetas”, diz o bibliotecário, mostrando uma tirinha de papel colocada entre a capa e a primeira página de um desses exemplares, com as informações que normalmente constam em etiquetas na lombada. O livro, aliás, é a edição de 1676 da Steganographia, do monge Johannis Trithemius, que aparecia no famoso índex de leituras proibidas pela Igreja Católica. “O autor foi muito perseguido”, acrescenta.

Entre esses títulos há tesouros raríssimos, como seis incunábulos. São livros rudimentares, dos primórdios da imprensa, que mesclam o manuscrito com os tipos móveis. O mais antigo do acervo, de 1496, traz o Novo Testamento em quatro volumes. Há ainda um exemplar romeno de 1500 com a coleção de sermões de Pelbarti de Themefwar, um pregador húngaro.

Araújo aproveitou bem a oportunidade de vivenciar esse fabuloso universo editorial preservado pelos beneditinos paulistanos. Decidiu transformá-lo em tema para seu mestrado em História, cuja dissertação será defendida amanhã, às 14 horas, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).

Com seus 100 mil títulos, a biblioteca principal não é a única mantida pelo Mosteiro de São Bento. Há uma outra, com 3 mil volumes, para servir ao colégio; uma de cerca de 500 obras à disposição do abade - a autoridade máxima da comunidade; e muitos são os monges que têm coleções particulares em suas celas.

PARA O PAPA LER

Durante as duas noites e os três dias em que esteve na cidade, em maio de 2007, o papa Bento 16 hospedou-se no Mosteiro de São Bento. Tudo foi preparado para que o líder máximo da Igreja Católica se sentisse bem acolhido. “Precisamos ficar atentos para qualquer coisa que ele precisasse. Fizemos plantão”, lembra Araújo. “Mas o papa não chegou a vir para a biblioteca”, conta.

Com a ajuda dos monges, o bibliotecário preparou uma seleção de 30 títulos que ficaram na cela que acomodou o papa. “Em caráter museológico, estão lá até hoje”, revela. O acervo foi pensado como uma miscelânea de obras religiosas, culturais, artísticas, literárias e históricas. A maioria procurava mostrar ao líder católico um pouco do panorama brasileiro. Bento 16 pôde ler, por exemplo, os sermões completos de Padre Antônio Vieira em alemão. Ou se divertir com a prosa de Machado de Assis, com os livros Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Ressurreição e A Mão e A Luva. Mas deixou de conhecer a beleza da biblioteca dos monges paulistanos.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

'A CRISE'

Para se pensar!

Fonte: Revista Brasileiros

Um homem vivia à beira de uma estrada e vendia cachorros quentes. Ele não tinha rádio, televisão e nem lia jornais, mas produzia e vendia bons cachorros quentes.

Ele se preocupava com a divulgação do seu negócio e colocava cartazes pela estrada, oferecia o seu produto em voz alta e o povo comprava. As vendas foram aumentando e, cada vez mais ele comprava o melhor pão e a melhor salsicha.

Foi necessário também adquirir um fogão maior para atender uma grande quantidade de consumidores, e o negócio prosperava. Seu cachorro quente era o melhor de toda região! Vencedor, ele conseguiu pagar uma boa escola ao filho.

O menino cresceu, e foi estudar economia numa das melhores faculdades do país. Finalmente, o filho já formado, voltou para casa, notou que o pai continuava com a vidinha de sempre e teve uma séria conversa com ele:

- Pai, então você não ouve rádio? Você não vê televisão e não lê os jornais? Há uma grande crise no mundo. A situação do nosso país é crítica. Está tudo ruim. O Brasil vai quebrar.

Depois de ouvir as considerações do filho doutor, o pai pensou: 'Bem, se meu filho que estudou economia, lê jornais, vê televisão, acha isto então só pode estar com a razão'.

Com medo da crise, o pai procurou um fornecedor de pão mais barato (e

é claro, pior) e começou a comprar salsichas mais barata (que era, também, a pior).

Para economizar, parou de fazer cartazes de propaganda na estrada. Abatido pela notícia da crise já não oferecia o seu produto em voz alta.

Tomadas essas 'providências', as vendas começaram a cair e foram caindo, caindo e chegaram a níveis insuportáveis e o negócio de cachorro quente do velho, que antes gerava recursos até para fazer o filho estudar economia na melhor escola, quebrou.

O pai, triste, então falou para o filho:

- Você estava certo, meu filho, nós estamos no meio de uma grande crise.

E comentou com os amigos, orgulhoso:

- Bendita a hora em que eu fiz meu filho estudar economia, ele me avisou da crise.

Aprendemos uma grande lição:

Vivemos em um mundo contaminado de más notícias e se não tomarmos o devido cuidado, essas más notícias nos influenciarão a ponto de roubar a prosperidade de nossas vidas.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

"Não precisei ler o Paulo Coelho", diz Saramago em SP

Fonte: Folha

Único prêmio Nobel de Literatura da língua portuguesa, José Saramago, 86, disse que não precisou ler a obra de Paulo Coelho para ficar mais sereno. A afirmação foi nesta terça-feira em São Paulo.

"Não precisei ler o Paulo Coelho. Uma boa doença vale por toda obra do Paulo Coelho", disse em tom de brincadeira.

A serenidade veio após o período em que ficou muito doente e que o obrigou a interromper o livro que veio lançar no Brasil, "A Viagem do Elefante".

Totalmente recuperado, Saramago está em São Paulo também para promover a exposição "A Consistência dos Sonhos", que também tem uma versão em livro, uma cronobiografia assinada por Fernando Gómez Aguilera.

Saramago ainda participa de sabatina da Folha na próxima sexta-feira (28), no teatro Folha (av. Higienópolis, 618, 2º piso, São Paulo). As inscrições para o evento estão encerradas.

Sobre o novo livro, Saramago afirmou que o inusitado é que a dosagem de humor que colocou na obra. Ele também afirmou que fez uma certa "garimpagem" espontânea de vocabulário ao usar espontaneamente palavras de sua adolescência e infância.

"Usei palavras que tinham ficado enterradas no passado, somos compostos de sedimentos lingüísticos", afirmou o escritor português.

"A Viagem do Elefante" tem lançamento pela Companhia das Letras e custa R$ 42. A exposição será inaugurada na próxima sexta-feira no Instituto Tomie Ohtake (av. Faria Lima, 201, Pinheiros, tel. 0/xx/11/2245-1900), em São Paulo, e permanece até 15 de fevereiro de 2009.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Borges no Brasil: bibliotecas sem livros

Fonte: Folha

Em 1941, o bruxo argentino Jorge Luis Borges escreveu "A Biblioteca de Babel" e contou o mistério do "Livro Total". Seria "o compêndio perfeito de todos os demais", receptáculo de todo o conhecimento humano. O tesouro estaria perdido.

Pobre Borges. Não viveu o suficiente para ver que são inesgotáveis as horríveis imaginações da mente. Em Brasília e Goiânia existem bibliotecas muito mais cerebrinas. Burocratas da cultura, associados a empreiteiros e governantes letrado$, criaram as bibliotecas sem livros, um desafio para filósofos e delegados de polícia.

Os dois templos do nada foram projetados por Oscar Niemeyer e inaugurados em 2006 (ano eleitoral). Deveriam custar algo mais que R$ 40 milhões cada uma. A Biblioteca Nacional de Brasília fica a 500 metros da catedral. Tem cinco andares e 14 funcionários, mas está fechada. Seu acervo 50 mil livros ainda não foi catalogado. Os donatários esclarecem que o prédio tem capacidade para 250 mil volumes.

A biblioteca irmã tem três pisos, 1.200 m2 e fica em Goiânia, no Centro Cultural Oscar Niemeyer. Está fechada porque o governo não pagou ao empreiteiro que, por sua vez, apresentou contas que somam R$ 65 milhões. Ao contrário do que sucedeu em Brasília, tem acervo, mas os livros estão encaixotados, pois a instituição não tem funcionários.

Talvez o "Livro Total" de Borges e a imaginação de Umberto Eco esclareçam o mistério. Tendo absorvido toda a sabedoria humana, o monge cego Jorge de Burgos, de "O Nome da Rosa", percebeu a irrelevância do conhecimento e organizou bibliotecas sem livros.

Seriam a prova do compromisso dos governantes com a inteligência, sem dispersar esforços com objetos obsoletos. Burgos já fez isso na Bibliotheca Alexandrina, no Egito, que precisará de 80 anos para encher seu prédio de US$ 65 milhões, e na Megabiblioteca do México, inaugurada e fechada por defeitos na construção. Os empreiteiros ganharam seu dinheirinho, os governantes fizeram festas, os edifícios deslumbraram os transeuntes e, mais uma vez, a patuléia fez papel de boba.

Há 17 anos.....

a voz de Fred Mercury de calava.....

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Legado precioso

Sabe aqueles livros em que vc começa a ler e passa um tempo e vc vê que não tinha com o mínimo de preparo....bom este foi um dos (OS IRMÃOS KARAMAZOV)......pra falar a verdade, ler Dostoiévski não é uma tarefa das mais fáceis de se fazer....mas, junto à Machado de Assis e Nietzsche, Dostoiévski tem um lugarzinho especial em minha estante.....recomendação.....

Legado precioso

Em Os irmãos Karamázov, estão reunidas as principais vertentes da obra de Dostoiévski

Fonte: Revista Cult

Ao se ler hoje a obra de um grande autor, vem imediato a pergunta do quanto dela ficou, o quanto permanece válida em nossos dias que se vêem continuamente desapossados de tantos dos valores do passado. De Fiódor Dostoievski (1821-1881), fica o estilo mais que atual, pois, como se sabe, não apenas escrevia de forma muito ágil - inicialmente para se manter dentro dos prazos dos editores, pois dependia dos adiantamentos para sobreviver, e depois por hábito - mas, uma vez esboçados, ele costumava ditar seus textos que, muitas vezes, nem pareciam revisados. Além disso, tal como Tchekhov, em alguns de seus contos, ele mimava a maneira de se expressar característica de cada personagem. O tradutor de Os irmãos Karamázov, Paulo Bezerra, comentou as suas dificuldades com a fala do irmão ilegítimo Smerdiákov, cheia de artimanhas, de modo que o resultado era uma linguagem muito viva, e o é agora, felizmente, sem aquela homogeneização a que era submetida via traduções indiretas. Fica a engenhosidade dos romances: neste, o último, iniciado dois anos antes da morte do autor, ele conseguiu reunir todas as vertentes de sua arte. "É um romance policial psicológico, como Crime e castigo; é, quanto a Dmítri, a história de um idealista mal julgado, como O idiota; é, quanto a Ivan, o romance dos intelectuais ateus, como Os demônios; é, quanto a Aliocha, a história da formação de um (homem) novo, como O adolescente" (Otto Maria Carpeaux , prefácio à edição da Ediouro, com tradução de Natália Nunes e Oscar Mendes).

"Permanece a inteligência da urdidura, a universalidade dos temas, o gigantesco das personagens" (Joseph Frank, O manto do profeta - Edusp 2008), mas permanece também a pergunta, por sinal reforçada por Freud em Dostoiévski e o parricídio, de 1928: "Como é que o primeiro Dostoiévski, o de Gente pobre, exaltado pelo crítico populista Bielínski e condenado à morte (depois comutada) pelo czar por seu socialismo utópico (a crença num mundo melhor, nessa terra), se transforma no último Dostoiévski, submisso a esse mesmo czar, amigo do seu temível conselheiro K. P. Pobedonóstsev, invocando a fé não apenas nos valores morais cristãos, mas nos seus pressupostos sobrenaturais, como os proclamados por Aliocha na última página do romance "a única coisa que podia dar um sustentáculo seguro?". A resposta de Freud, que não vamos comentar aqui e que implica sado-masoquismo e sentimento de culpa, é - como a grande maioria das suas grandes respostas - brilhante, apesar dos pequenos deslizes que o tempo revelou (não há certeza de que tenham sido os servos revoltados a matar o pai de Dostoiévski, como não era o abutre, mas sim o milhafre, a ave simbólica de Uma lembrança infantil de Leonardo da Vinci).

A resposta que dá o contemporâneo e, num certo sentido, rival, Lev Tolstói, (sete anos mais jovem que Dostoiévski, mas que morreu 29 anos mais tarde), ao escritor Maksím Gorki que o visita, já ancião, na Criméia (3 Russos- Martins-Martins Fontes, 2006) é seca e contundente: "Ele escreve sobre algo em que não acredita".

Já Otto Maria Carpeaux propõe uma interpretação (aristotelicamente) dialética: "O romance Os irmãos Karamázov passa-se em dois níveis diferentes. Embaixo, a Rússia dos Karamázov, envolvida nas névoas da paixão sexual desenfreada, das bebedeiras e orgias, do crime mascarado e da justiça cega, das filosofias subversivas e das visões satânicas; o diabo aparece em pessoa para conversar com Ivan, que, por sua vez, dirige a mão do parricida. Em cima, o convento, luminoso como um reflexo de glória celeste. Essa dicotomia representa a visão dostoievskiana do futuro: o cristianismo salvará a Rússia (não o da Igreja de Roma, porém); e a Rússia fará o cristianismo vencer no mundo. Eis a mensagem de Dostoiévski, que ele lança contra a mensagem escondida na filosofia de Ivan e de todos os Ivans que esperam que a revolução salvará a Rússia e que a Rússia salvará o mundo. Pelo seu romance, afirma Dostoiévski que a primeira tese, a sua, é evangélica e que a outra é satânica. Mas não escapa à inteligência insubornável do escritor o fato de que as duas teses são, no fundo, idênticas: basta trocar um substantivo para transformar uma na outra". Outros críticos e filósofos chegaram a uma descoberta próxima. Em Dostoiévski e a consciência cristã, hoje (1971), Pierre Pascal pergunta: "Mas este paraíso na terra, que Dostoiévski não define de outra forma, será ele cristão?

Os autores que trataram dessa noção em Dostoiévski vêem nela uma sobrevivência do antigo entusiasmo dele pelo "socialismo utópico". Bem, dentro da polifonia dos romances dostoievskianos, a fala que mais impressiona o leitor, no livro, é a do "herético" Ivan Karamazóv, embora - quem sabe - a fala do autor se escondesse atrás das palavras do puro Aliocha. Aí, como provou Bakhtin, está a revolução literária do autor Dostoievski - não é a voz dele a que necessariamente se impõe. Ivan das torturas infligidas às crianças, Ivan que recusa o bilhete desse mundo de Deus, Ivan que compõe A lenda do grande inquisidor. Ainda mais paradoxal, as sementes de trigo da epígrafe produziram fruto sim, mas curiosamente, no sentido oposto ao que Dostoiévski esperava. O "nosso pobre povo" quer o Milagre, o Mistério e a Autoridade em que se apoiar, enquanto o deus Capitalismo - o que o narrador execrava na figura do velho pai hedonista, Fiódor Pávlovitch Karamázov - continua regendo os destinos do mundo, até sua utópica derrocada.

Aurora F. Bernardini é professora de pós-graduação em Literatura Russa da USP