quarta-feira, 29 de outubro de 2008

AC/DC volta à tona como novo álbum e turnê mundial

Só nos resta torcer para que a turnê passe pelo Brasil, Mi?

Fonte: Reuters

A banda AC/DC lidera as paradas pop em todo o mundo com seu primeiro álbum em oito anos, comprovando que os fãs nunca se cansam de um guitarrista de meia idade que se veste como colegial e de um vocalista de voz dolorosamente rouca. Black Ice vendeu mais de 780 mil cópias nos Estados Unidos em sua primeira semana de lançamento exclusivo pelas lojas Wal-Mart, disse uma porta-voz do grupo na terça-feira, 28, horas antes de a banda iniciar uma turnê mundial. (clique aqui para ler a matéria completa)

Ampliação do projeto põe mais ônibus-biblioteca na cidade

Fonte: Prefeitura de São Paulo

O programa, que procura difundir a leitura, prioriza os locais em que inexistem equipamentos públicos. Alguns roteiros foram sugeridos pela própria população. Desde o dia 27, a cidade 28 pontos diferentes da Capital recebem o serviço.

A ampliação do projeto ônibus-biblioteca estendeu o acesso das pessoas a livros, periódicos e gibis dos sete bairros anteriormente atendidos para 28 pontos diferentes da cidade desde o dia 27 de outubro. O programa, que procura difundir a leitura, prioriza os locais em que inexistem equipamentos públicos. Alguns roteiros foram sugeridos pela própria população.

O novo projeto visual caracterizou o veículo com a cor amarela e estampou no vidro traseiro a fotografia do primeiro ônibus a prestar esse tipo de serviço na cidade. A primeira unidade móvel de informação foi implantada por Mário de Andrade, escritor e primeiro diretor do Departamento de Cultura da Cidade de São Paulo. Em funcionamento desde 1936, com interrupções provocados por acontecimentos pontuais, o projeto é mantido pela Secretaria Municipal de Cultura.

O único veículo (roteiro nº 1) que cumpria o itinerário semanal disponível apresentou um problema mecânico no segundo semestre do ano passado e teve de ser trocado. Com a doação de veículos feita pela Secretaria Municipal dos Transportes (SPTrans), foi possível ampliar o serviço para quatro unidades que funcionam cada dia da semana em um lugar distinto. Cada unidade móvel contém um acervo médio de 4 mil exemplares, entre livros, gibis e periódicos.

Além da caracterização dos novos veículos, foi contratada a Liga Brasileira de Editoras (Libre) para fornecer motoristas e uma programação mensal de encontro com autores.

Confira os quatro itinerários dos ônibus-biblioteca:

Roteiro nº 1 (já em funcionamento)

Segunda-feira: avenida Belmira Marin, 3.865 – Grajaú

Terça-feira: rua Barros Penteado,403 – Jardim Iguatemi

Quarta-feira: praça José Rochel, s/nº - Vila São José

Quinta-feira: rua Luís J. Freire, s/nº - Vila Penteado (atrás do sacolão)

Sexta-feira: avenida Baronesa de Muritiba, 750 – Parque São Rafael

Sábado: avenida Cupecê, 5.950 – Jardim Miriam

Domingo: avenida dos Metalúrgicos, esquina com a avenida Leandro – Cidade Tiradentes

Roteiro nº 2

Segunda-feira: avenida Tibúrcio de Souza, s/nº - Itaim Paulista

Terça-feira: praça Ermídia (rua Serra da Juruoca, esquina com rua Dr. Almiro dos Reis) - São Miguel

Quarta-feira: avenida Kamaki Aoki, s/nº - Jardim Helena

Quinta-feira: rua Antônio Lázaro, s/nº - São Mateus

Sexta-feira: rua Joaquim Meira de Siqueira, s/nº - Parque do Carmo

Sábado: avenida das Alamandas, s/nº (E.E Professor Milton Cruzeiro) - Ponte Rasa

Domingo: rua Zélia Frias Street, esquina com rua Bento Teixeira - Cidade Líder

Roteiro nº 3

Segunda-feira: estrada de M´Boi Mirim, altura do nº 4250 - Jardim Ângela

Terça-feira: praça Santa Amélia, s/nº - Jardim das Oliveiras - Jardim São Luís

Quarta-feira: rua José Maria Pinto Zilli, s/nº - Jardim Eunice - Vila Andrade

Quinta-feira: estrada de Itapecerica, esquina com avenida Elias Maas - Capão Redondo

Sexta-feira: praça Batista Botelho, final da avenida Nossa Senhora do Outeiro - Cidade Dutra

Sábado: praça Luís da C. Moreira próxima da rua Salvador Rodrigues Negrão - Cidade Ademar

Domingo: rua Rafael Correia Sampaio – Jardim Palmares - Pedreira

Roteiro nº 4

Segunda-feira: rua Francisco Franco Machado, s/nº - Vila Medeiros

Terça-feira: rua do Inverno, s/nº - Brasilândia

Quarta-feira: rua Ushikchi Kamiya, altura do nº 1.700 - Tremembé

Quinta-feira: avenida José Brito de Freitas, 800 - Casa Verde

Sexta-feira: rua Júlio Dantas, s/nº - Vila Dionísia - Cachoeirinha

Sábado: avenida Alfredo Ribeiro de Castro, s/nº - Cangaíba

Domingo: praça Alcindo Rocha Campos – altura do nº 1.300 da rua Nossa Senhora do Sabará - Campo Grande

Informações ao público: Coordenadoria do Sistema Municipal de Bibliotecas. Telefone: 3675-8096. Horário de atendimento de todos os roteiros: 9h30 às 15h.

"Faça amor ,não faça guerra"

Uma nova agenda para o ambientalismo?

ANGELA ALONSO

"FAÇA AMOR , não faça guerra" e "saudações ecolibertárias" eram slogans de que Fernando Gabeira e Carlos Minc usavam e abusavam na virada dos anos 70 para os 80. Essa pegada de crítica cultural à sociedade capitalista alimentava um socialismo que boa parte da esquerda "séria" considerava "festivo". Ninguém decerto imaginava naquela hora que os dois verdes fossem sair das bordas da oposição ao regime militar para ir parar um no ministério, o outro quase na prefeitura de uma das grandes metrópoles do país.

O ano de 2008 trouxe essa surpresa para quem acompanha a trajetória do movimento ambientalista brasileiro.

Aliás, duas surpresas.

A primeira diz respeito à forma de organização preferencial dos ambientalistas entre nós. Em meados dos anos 80, eles brigaram muito tentando decidir qual a melhor estratégia para levar avante seu proselitismo.

Diante da iminência da Constituinte, gente como Gabeira e Minc defendia que os verdes deviam seguir a trilha de outros movimentos sociais formados no processo de redemocratização e fundar um partido político.

Mas a maioria dos ambientalistas suspeitava que a partidarização significasse um engessamento, uma burocratização do movimento. Preferiram, por isso, manter-se no âmbito da sociedade civil, lançando candidatos por partidos de esquerda ou apoiando políticos simpáticos à sua causa.

Nessa queda-de-braço entre partidarizar ou não o ativismo ambientalista, o grupo de Gabeira e Minc perdeu. É certo que formaram o Partido Verde, mas não angariaram apoio eleitoral e tiveram de acompanhar o debate do lado de fora do Congresso.

Já os ambientalistas que apostaram em manter suas associações civis elegeram Fabio Feldmann e o alçaram a grande articulador da questão na Assembléia Constituinte -ao final da qual a proteção ambiental foi parar na letra da lei.

Daí por diante, o movimento ambientalista centrou fogo na estratégia bem-sucedida e fortaleceu seu associativismo no plano da sociedade civil, multiplicando organizações, grupos e redes. Ficou, assim, minguada e residual a estratégia de partidarização dos verdes.

Contudo, e essa é a surpresa a que me refiro, o sucesso do PV na eleição municipal do Rio de Janeiro mostra que a via eleitoral, descartada pela maioria do movimento ambientalista, pode, sim, ser estratégia eficaz para o ativismo verde nos anos 2000.

A campanha de Gabeira e a chegada de Minc ao Ministério do Meio Ambiente também anunciam, e essa é a segunda novidade, uma inflexão de agenda.

Nos anos 70 e 80, os ambientalistas brasileiros se concentraram numa crítica ampla à sociedade capitalista: da poluição ao estilo de vida acoplado à sociedade de consumo, passando pela desigualdade social. Falavam de uma "sociedade alternativa", na qual as tecnologias limpas andavam de mãos dadas com os direitos das minorias e cujo ponto de fuga era uma sonhada revolução cultural e comportamental. Um programa que associava, à maneira européia, questão ambiental e questão urbana.

Essa tônica sumiu na década seguinte, quando a maioria dos verdes brasileiros migrou para a floresta.

Durante a Rio 92, os verdes ganharam a modulação dos "marrons": movimentos sociais de seringueiros, de barragens e os vinculados aos direitos de povos indígenas que se convertiam ao ambientalismo. Com eles, subiu ao primeiro plano o tema dos "povos da floresta", a associação entre meio ambiente e grupos sociais vivendo nele e dele, de que Chico Mendes, primeiro, e Marina Silva, depois, se tornaram emblema.

A nova abordagem atraiu financiamentos internacionais para projetos de "desenvolvimento sustentável" e de proteção à "biodiversidade" e fomentou dezenas de novas associações, algumas altamente profissionalizadas, voltadas para gerir reservas florestais. Com isso, as questões urbanas e o estilo de vida associado à sociedade de consumo foram relegados ao segundo plano no debate público sobre a questão ambiental no Brasil.

A ascensão política de Gabeira e Minc repõe essa agenda. Porém, o apoio que recebem vem justamente da classe média urbana de alta escolaridade - de quem, as pesquisas de opinião mostraram, Gabeira arrancou mais votos -, isto é, do grupo cujo estilo de vida seria potencialmente mais atingido pela implantação do programa do Partido Verde.

A pergunta que fica, então, é: caso continuem alcançando cargos de comando, os verdes terão força para implementar sua agenda ou ficarão no plano das "saudações ecolibertárias"?

ANGELA ALONSO, 39, doutora em sociologia, é professora de sociologia da USP e coordenadora da área de Conflitos Ambientais do Cebrap. É autora, com Sergio Costa e Sergio Tomioka, de "Modernização Negociada: Expansão Viária e Riscos Ambientais no Brasil", entre outros livros.

Sampa Urgente! O Seu Barriga ganhou!

Juro que prometi a mim mesmo que não ia postar nada do Jose Simão....mas não agüentei....texto dele ontem na Folha de São Paulo

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!

O Kaxab venxeu! O Seu Barriga ganhou. E sabe o que ele vai fazer com o trânsito? Empurrar com a barriga!

E sabe por que o Gabeira perdeu? Porque os eleitores dele queimaram um fumo antes de votar e esqueceram o número dele! Na hora de teclar: "Xi, não lembro! Xi, ESQUECI!". Rarará! E Paes por Paes eu prefiro a Juliana Paes. Enfim, diz que o bagulho no Rio foi apertado, mas o Gabeira não assumiu a ponta!

E essa manchete: "Contagem termina em Contagem". E essa: "Marta perdeu em oito zonas". Será que o Kassab vai mandar fechar todas? Rarará! E diz que a Marta não perdeu a eleição. Perdeu o avião! Vôo pra prefeitura: cancelado; relaxa e goza. Vôo pra prefeitura: atrasado; relaxa e goza! Vôo pra Paris: confirmado; relaxa e goza! Rarará!

E um amigo meu também quer lançar sua candidatura a Prefeitura de São Paulo. Só tem uma condição: "Eu quero concorrer com a Marta". Rarará! E eu já tenho três pedidos pro Kassab: 1) rodízio de alagamentos; 2) em vez de tirar as motos das marginais, tira os marginais das motos; 3) reabre o Bahamas! Pelo menos no Carnaval!

E adorei a entrevista do Kaxab na Bandnews. "O que o senhor vai fazer pra resolver o trânsito?" "Recebemos a CET sucateada!" "E qual o seu projeto para o trânsito?" "Os passa-rápidos da Marta não são bem-feitos." Avisa que a Marta já perdeu! A campanha acabou! Carro em São Paulo não pode mais ficar pagando IPTU. Como bem imóvel!

E a cara do Lacerda de Belo Horizonte? Tem cara de máscara de diabo de Carnaval. Devia ser vice do Serra. Chapa Halloween! Até o Serra apareceu. Com aquela cara de urubu gripado! E todo mundo na TV faz análise política pra 2010! Eu também. Análise política pra 2010: o Lula ganha no Nordeste e o Serra na Fiesp. É mole? É mole, mas sobe! Ou como diz aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece!

Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês"! Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês. É que em Capivari, no interior de São Paulo, tem um supermercado chamado GOZZO! Mais direto, impossível. Viva o antitucanês! Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Torneiro": companheiro que foi mesário nos dois turnos. Rarará! O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza! Hoje só amanhã!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Queremos terceiro turno!

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O fim e o recomeço da esperança

Abaixo texto onde o autor sintetiza muito bem o sentimento dos colaboradores da campanha de Fernando Gabeira à prefeitura do Rio de Janeiro. Apesar da preocupação com o cenário político do ABC, em especial Santo Andre, a campanha de Gabeira chama a atenção, pois foi na contramão de tudo o que se faz hoje em dia.....foi o marketing político de Eduardo Paes, contra a proposta ética, baseada em Ideologias de Gabeira....uma pena o resultado....mas nos faz acreditar que ainda se é possível fazer política de um jeito não formatado......não embalado, enlatado.....empurrado guela abaixo dos eleitores......

Recomendo a leitura.....

Fonte: Revista Cult  

Por Francisco Bosco

Desde que foi oficialmente anunciada a derrota de Gabeira, algumas horas atrás, tenho recebido muitos emails de amigos comentando o ocorrido. Em meio à consternação geral e às diversas tentativas de análise das causas da derrota e de suas conseqüências, um email tocou num aspecto essencial, que exige a seguinte reflexão. O texto em questão é do jornalista e escritor Fernando Molica; nele, Molica pergunta minha opinião sobre se a derrota de Gabeira significaria a irrefutabilidade política, concretamente falando, do "axioma pernicioso" que Gabeira teria tido a coragem e firmeza éticas de atacar, sendo esse o sentido fundamental de sua candidatura. Esse axioma, eu o descrevera em texto anterior (publicado aqui nesse site), nos seguintes termos: "A eleição de Gabeira fará ruir um axioma pernicioso que vem dominando a cena política no Brasil, e em que tanto o PSDB como o PT, nas últimas quatro eleições presidenciais, mergulharam de cabeça: o axioma segundo o qual não se vence uma eleição sem fazer o jogo sujo das alianças espúrias, do loteamento prévio de cargos, dos golpes baixos eleitorais e por aí em diante. Esse jogo sujo, ao começar logo na campanha, invariavelmente caminha para o exercício do poder, onde o mais despudorado fisiologismo (vide, como exemplo recente, o episódio Renan Calheiros) é sempre desculpado pela "governabilidade", palavrinha mágica com a qual os governantes legitimam sua fraqueza ideológica e moral."

Pois bem, o que mais me entristeceu na derrota de hoje - e ao mesmo tempo é o que deixa acesa uma centelha de esperança - é que Gabeira, a meu ver, não perdeu porque fez uma campanha historicamente inovadora, orientada por princípios éticos inarredáveis. Perdeu por detalhes. Sobretudo erros que ele próprio cometeu durante o segundo turno.  Podem-se elencar vários: a declaração infeliz sobre a vereadora Lucinha (a qual, segundo Gabeira, teria "uma visão suburbana" a respeito da instalação de um lixão na zona oeste do Rio), a declaração mais infeliz ainda sobre os sambistas que apoiaram publicamente Eduardo Paes (que, segundo o candidato do PV, "foram atraídos por uma feijoada"), as imagens muito centradas na zona sul em seus programas, os artistas idem, uma postura pouco incisiva em denunciar os golpes baixos do adversário, entre outros. Esses erros têm a ver, em parte, com seus próprios méritos.

A declaração sobre a vereadora Lucinha é, numa dimensão conceitual mais profunda, desprovida de qualquer preconceito: Gabeira empregou a palavra "suburbana" no sentido de provinciana, limitada, excessivamente local e conjuntural, e não como um preconceito contra a origem de alguém. Da mesma forma, ao falar que os tais sambistas foram atraídos por uma feijoada ele certamente tinha em mente o papel cúmplice da vítima simbólica no populismo brasileiro: a definição do populismo é precisamente a relação não-institucional, não-legal, portanto não-republicana entre o dono do poder e o "povo".  Trocando em miúdos, trata-se do político que oferece cesta-básica em troca de votos, pessoalizando a política ao invés de universalizá-la.  Os cidadãos pobres que aceitam esse jogo comportam-se exatamente como quem aceita votar em alguém por causa de uma feijoada, e era a esse mecanismo histórico que Gabeira, no fundo, aludia. Não há como comprovar que os sambistas em questão apoiavam Paes por motivos de ordem pessoalizante, daí a declaração de Gabeira ter sido mesmo infeliz e até leviana, mas ela, num nível mais profundo, tocava numa questão fundamental.

Com efeito, a candidatura de Gabeira tinha sua força maior numa dimensão simbólica (centrada na sólida afirmação dos valores republicanos, eles mesmos simbólicos e abstratos por definição) que, por sua vez, exige do eleitorado uma alta capacidade de abstração. Não é por acaso, obviamente, que a imensa maioria de seus eleitores é dotada de maiores níveis de instrução. A essa força simbólica, o candidato adversário respondia com uma retórica concreta, palpável, de ação e números, supostamente esvaziada de caráter ideológico. O embate se estabeleceu entre esses pólos, e Gabeira errou decisivamente ao fornecer munição para que seu adversário, valendo-se dos golpes baixos da política tradicional, transformasse seu republicanismo em elitismo, sua sofisticação intelectual em preconceito. No meu entender, esse erro determinou sua derrota.

Mas, assim como sua candidatura transcendia, simbolicamente, seu tempo e lugar efetivos, sua derrota também transcende seu resultado efetivo. À pergunta de Fernando Molica, com que iniciei esse arrazoado, eu responderia então o seguinte: a derrota de Gabeira não significa a vitória do axioma pernicioso acima referido, mas, ao contrário, a prova de que é possível desmenti-lo. Pois Gabeira não perdeu porque desobedeceu o axioma, mas porque errou em detalhes de campanha.  Detalhes que, numa contenda acirrada, acabaram por fazer a diferença. Quando surgirá uma outra figura política com tamanha estatura ética e vontade política para enfrentar tudo isso, aí são outros quinhentos (espero que não quinhentos anos), mas, tal como se deu, a derrota reacende a esperança no momento mesmo que a apagou.

Gestão do Conhecimento

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

O homem que ama os livros

Fonte: Brasilia em Dia

Aos 94 anos de idade, o bibliófilo José Mindlin tem uma verdadeira devoção pelos livros, que começou aos 13 anos, quando leu o primeiro, Discours sur l´Histoire universelle, de Jacques Bénigne Bossuet, editado em 1740. Depois disso, não largou mais os livros. Lê-los, e também colecioná-los, chegando a ter um acervo de nada menos que 20 mil títulos, com um total de 45 mil volumes, ele explica de uma forma simples: “Trata-se de uma compulsão patológica, tanto a aquisição como a leitura”.

O homem que ama os livros, filho de pais russos, que imigraram para o Brasil no começo do século passado, também teve uma vida empresarial ativa, fundador da Metal Leve, fabricante de autopeças. Advogado, ele até dá a pista de como ter essa compulsão patológica pelos livros: “Primeiro se começa com as edições comuns. Depois vem o interesse pelo livro bonito, com ilustrações e bem diagramado. A próxima é a busca das primeiras edições de um determinado título. Passa-se, então, a procurar exemplares autografados. A última etapa é a consciência da raridade. E aí você está definitivamente perdido”.

Empenhado em democratizar o acesso ao livro, José Mindlin, que é membro da Academia Brasileira de Letras, acha que o melhor caminho para que isso aconteça é aumentar o número de bibliotecas públicas, que deveriam funcionar à noite e em fins de semana.

Mecenas, ele dá um exemplo da dimensão do seu caráter, doando todo o seu acervo à Universidade de São Paulo (USP).

- Como foi a aproximação do senhor com os livros?

- Eu cresci em um ambiente cultural, de modo que desde a infância eu tive contato com os livros. Não houve um momento determinante. Em casa, quando eu era menino, havia uma biblioteca ocupando uma parede da sala e eu ficava extasiado diante dos livros, mesmo antes de aprender a ler. Até o dia em que eu peguei um livro e comecei a manusear páginas e a murmurar como se estivesse lendo textos. O meu pai, percebendo tudo aquilo, chegou perto e perguntou o que eu estava fazendo. Respondi-lhe, então, que estava lendo. Perplexo, ele comentou: “Mas você ainda não aprendeu a ler!”. Fiquei desapontado, mas jamais esqueci essa observação do meu pai. Houve uma atração pelo livro desde a minha infância...

- Qual era esse livro que estava “lendo”?

- Era um livro infantil, Saudade, do Tales de Andrade, que na Escola Americana recomendavam que a gente lesse. Foi um dos primeiros livros que eu li.

- E depois que foi alfabetizado, como ficou sua relação com os livros?

- Aos 13 anos descobri os sebos, onde encontrava preciosidades. Ia a todos em São Paulo, revirando as prateleiras, passava horas e mais horas, com a paciência de garimpeiro. Recordo-me que a primeira pepita que encontrei, na forma de livro, em 1927, foi uma preciosidade, sem dúvida nenhuma. Tratava-se de uma edição portuguesa do discurso sobre a história universal, de Bossuet, impresso em Coimbra, em 1740. Com a idade que eu tinha naquela época, era mesmo uma preciosidade, embora, na verdade, não fosse uma edição importante da forma que eu a considerava.

- Onde era que o senhor mais garimpava?

- Percorria sempre os livreiros da Praça da Sé, mas, mesmo adolescente, percebi um detalhe entre eles, muito curioso...

- Qual era?

- Um mantinha distância do outro, levavam muito a sério a concorrência, sem qualquer comunicação. O resultado disso eu constatei a partir do momento em que me deparei com a seguinte realidade: um livro de cinco mil réis, para citar apenas um exemplo, custava em outro sebo 50 mil réis. O que eu fiz? Comprava o de cinco mil réis e o vendia ao concorrente por 50 mil réis. Não recebia em dinheiro, mas recebia créditos para adquirir muitos livros. Durante dois anos eu lancei mão desse recurso, porque eles acabaram percebendo a esperteza daquele garoto que amava tanto os livros.

- Mas qual foi o primeiro livro que o empolgou?

- História do Brasil, de Frei Vicente do Salvador.

- Estudar francês na infância ajudou em sua formação literária?

- Sim, não tenho a menor dúvida, até porque o francês passou a ser a minha segunda língua. Comecei pela literatura infantil, no gênero Tico-Tico, mas, logo, logo, já lia a Condessa de Ségur.

- Deu para ler todos os livros que desejou?

- Eu costumo afirmar que gostaria de viver 300 anos, porque poderia ler de 25 a 30 mil livros. Mas leio, sempre, cada vez mais de forma voraz. Não tem hora nem lugar para ler. Carrego sempre um livro debaixo do braço. Para enfrentar tanto engarrafamento no trânsito de São Paulo, fico lendo no carro.

- A impossibilidade de viver 300 anos para ler tantos livros o frustra?

- Não, depois refleti muito e cheguei à conclusão de que muitos livros seriam lançados, sem que houvesse tempo para lê-los.

- Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes, já era sua leitura na adolescência?

- Li Dom Quixote já na fase adulta. Foi uma leitura apaixonante, eu li primeiro em tradução francesa e depois li em espanhol. Trata-se de um livro fascinante, que instiga a imaginação ao ponto de ter a impressão de estar participando de tudo aquilo que ele escreve.

- Prevalece o equilíbrio entre a realidade e a fantasia?

- Sim, sem dúvida nenhuma!... Tanto existe que, mesmo quando aparece a fantasia, a gente tem a sensação de estar vivendo aquele episódio imaginado por Cervantes. É o maior livro de uma narrativa de grande familiaridade para o leitor.

- O Sancho Pança é visto assim como caricato, mas é um personagem que cresce no desenrolar do romance. O senhor concorda?

- Ah, não, ele não é nada caricato! Ele tem um bom senso de humor, mas é bastante realista na narrativa. São todos os episódios, não digo em ambos, mas boa parte são episódios perfeitamente plausíveis e possíveis. Outros são de pura imaginação, mas é uma narrativa que apaixona.

- Quando Sancho Pança renuncia ao cargo de governador da ilha Baratária, pedem um relatório e ele responde afirmando que não ia fazê-lo, porque entrara pobre e saía pobre. O que o senhor acha disso?

- Eu acho que cargos, como o de Sancho Pança, são seus. Hoje, em boa parte dos casos, não poderia dizer isso. Infelizmente, a seriedade não é uma característica hoje em dia de muitas atividades. Mas existem, sim, os governadores honestos, que podem prestar suas contas direitinho.

- Além de Miguel de Cervantes, quais são os seus escritores preferidos?

- Marcel Proust, Machado de Assis e Guimarães Rosa.

- O senhor tinha entre os escritores famosos alguns amigos, como o Carlos Drummond de Andrade, que lhe fez uma dedicatória muito carinhosa. Como foi?

- Referia-se a uma menção que fiz a seu respeito: “Caro Mindlin, você me trouxe este testemunho da minha mocidade, mas por que não me trouxe a própria mocidade?”.

- Por que o senhor defende a tese de que os bons livros deveriam ser proibidos, porque existem os ótimos?

- O que aconteceu foi que um dia falei isso, mas é uma utopia, porque simplesmente não há como determinar quais são os livros que são bons, regulares e excelentes. Qualquer livro vale a pena ser lido, porque a leitura, sem dúvida nenhuma, é um dos melhores prazeres da vida. O importante é ler o primeiro e ir em frente. Com o tempo, naturalmente, surge o controle de qualidade na leitura. A conseqüência disso é ficar cada vez mais seletivo, porque o tempo é essencial, prevalecendo, e sempre, a liberdade intelectual.

- Como o senhor vê o Brasil de hoje?

- O Brasil de hoje não é distante da crise mundial que se está atravessando, em que fatores morais passaram para um plano secundário. Mas não dá para generalizar. Eu acho que em todas as épocas, inclusive a de hoje, existem o bem e o mal.

- Mas parece que o mal está ganhando essa luta.

- Não. Nem vai ganhar. É uma coisa acidental. Eu sou um otimista incorrigível em relação à humanidade.

- Existem casos e mais casos, um certo “denuncismo”. Juscelino Kubitschek, por exemplo, foi acusado de ser dono da sétima fortuna do mundo, mas morreu pobre...

- Eu continuo acreditando no julgamento da história, que irá fazer justiça ao Juscelino Kubitschek, que foi um grande estadista. Quando ele estava exilado, em Nova York e Paris, mantivemos alguns encontros. Ele levava uma vida muito modesta, se hospedava em hotéis simples.

- O que o senhor destacaria, hoje, sobre o Juscelino Kubitschek?

- Ele foi o primeiro presidente brasileiro que procurou estabelecer um diálogo com os Estados Unidos, de igual para igual. Estou convencido, vale acrescentar, de que ocorreu um desencontro histórico entre o Brasil e os Estados Unidos, quando Dwight Eisenhower foi presidente. Depois, John Kennedy assumiu a Casa Branca, e o que avalio hoje é que, se fosse na época do Juscelino, muita coisa teria sido diferente...

- Juscelino saiu, Jânio o sucedeu, acabou renunciando, abrindo espaço para João Goulart. Veio a revolução dos generais. Houve participação dos empresários no golpe?

- Toda generalização é perigosa. Ocorreu naquela época, nos primeiros anos da década de 60, que alguns defendiam apenas os seus interesses, mas também aqueles que tinham espírito público muito sólido. Eu, pessoalmente, lamentei o fato de o Jango não ter concluído o seu governo. Aconteceu com ele o que ocorreu com Salvador Allende. Se o Allende tivesse concluído o seu governo, o Chile teria voltado à normalidade, sem grandes dificuldades. Com Jango, também ocorreria o mesmo. O seu problema foi oscilar entre a direita e a esquerda, em um jogo político muito perigoso, até perder completamente o controle.

- O senhor tem um conceito sobre o que vem a ser o poder?

- Acredito que algumas pessoas procuram ocupar cargos políticos com idealismo, determinação em realizar projetos, sem se preocupar com o poder. O Delfim Netto, que é um homem muito inteligente, afirmou uma vez que poder era uma coisa que precisava querer e gostar. Ou seja, que precisava pensar em poder desde a hora que acordasse até a hora de adormecer. Espirituoso, até concluía com uma observação: “Eu durmo muito pouco!”

- Qual a interpretação que o senhor faz disso?

- O Delfim Netto nunca escondeu o desejo do poder, que eu não sei se foi coisa da vida inteira ou se surgiu na hora em que entrou na política. Quando era professor universitário, nada indicava que ele tivesse essa ambição. O poder é uma coisa perigosa. Não é por acaso que se afirma que o poder corrompe, e que o poder absoluto corrompe ainda mais. Platão, por exemplo, já afirmava que o governo ideal era o do déspota esclarecido. O que é uma coisa impossível de acontecer, porque o esclarecido desaparece rapidamente e fica o déspota.

- Durante o regime militar, o senhor jamais foi submisso aos generais. Isso lhe causou problemas, como empresário?

- Eu tinha minhas opiniões e as mantinha politicamente de forma clara. Na empresa, procurava manter uma postura de independência com relação ao governo, com uma certa distância, sem pedir favores ou assumir dívidas. Todas as minhas opiniões políticas eu manifestava fora da empresa, como um cidadão comum. Isso não significa que não mantivesse bom relacionamento com algumas personagens do governo militar.

- Cite um exemplo.

- O Mário Henrique Simonsen, o Delfim Netto, eles foram meus interlocutores freqüentes, mas jamais, em nenhuma ocasião, tratei de qualquer assunto da minha empresa com eles. Sempre preservei a minha independência pessoal e a defesa das minhas idéias. Quando me manifestava politicamente, não atacava pessoas. Criticava apenas idéias.

- Em momentos de crise, como o atual, o que o senhor aconselha?

- O mais indicado é ter otimismo, manter a cabeça fria. Quando não existem problemas, atuais ou previsíveis, isso não é necessário. Preocupação excessiva não ajuda. Na realidade, são muito poucos os problemas que não se consegue resolver. E quando isso acontece, o jeito é conviver com eles, com uma certeza: o mundo não acaba tão cedo!

- Como o senhor vê, hoje, a globalização?

- A globalização revelou um desses jogos de aprendiz de feiticeiro: a gente sabe como começa, mas não sabe como acaba. Mas já dá para perceber que os países ricos pregando, e conseguindo, a abertura dos países emergentes, também pregam a abertura de seus próprios mercados, mas conservam todas as prerrogativas protecionistas.

- O senhor, que já viu tanta coisa, crises, guerras, como analisa o atual momento? O mundo vai sair disso?

– É claro que vai! A história do mundo tem milhares de anos em que houve períodos de crises e de grandes problemas, e ocorreram períodos de florescimento e de desenvolvimento material e espiritual, também. Primeiro, até que é uma coisa muito boa, e pode ser aproveitada e curtida.

- Por que as pessoas, hoje, são estressadas, deprimidas?

– Infelizmente, existem problemas materiais que afligem a todos nós e, às vezes, não dependem das próprias pessoas, mas da sociedade. Há tanta coisa boa no mundo que pode ser curtida que as pessoas têm que procurá-las quando enfrentam contrariedades, frustrações. Eu, em relação à contrariedade, tenho uma reação constante de que mesmo que esteja acontecendo uma coisa desagradável, poderia ser pior. Pensando nisso, a importância da contrariedade diminui muito.

- A sociedade moderna não é muito competitiva?

– Eu acredito na sociedade de hoje como eu acredito na de outras épocas, também, existem as coisas boas e as coisas más. E a pessoa tem que saber dosar as frustrações.

- O senhor contou, no início da entrevista, que desde cedo devorava livros. Hoje, com a Internet, existe a possibilidade de a literatura perder importância?

- Eu tenho, através de netos e alguns bisnetos, contato com a infância e a mocidade, constatando muito interesse por leitura, também. Não só pelo desenvolvimento tecnológico. Agora, tem que existir um exemplo em casa de leitura, para estimular as crianças. Não há regras para isso.

- Muita gente alega que não tem tempo para a literatura...

- Quem afirma não ter tempo, na realidade não procurou ler. É muito mais fácil não ler e afirmar que não teve tempo. Mas essas pessoas não sabem o que estão perdendo, porque a leitura é uma fonte de prazer permanente.

- O livro no Brasil é muito caro. Isso é um fator desestimulante?

- Ele é caro, custa muito dinheiro para uma grande maioria da população. É caro para produzir e para distribuir. Não existe exploração de um modo geral na questão da venda de livros. Agora, a solução seria abrir mais bibliotecas públicas, porque ler não devia depender de possuir um livro. Nos Estados Unidos, um país altamente desenvolvido, as bibliotecas são em grande quantidade e uma biblioteca particular não é regra. Uma boa biblioteca particular é exceção, em qualquer cidadezinha há uma boa biblioteca pública. Nós estamos longe disso, mas eu acho que é esse o objetivo que tem que ser procurado alcançar.

- O governo poderia ter a iniciativa de incentivar a leitura, reduzindo impostos das editoras, das gráficas?

- A impressão de livros tem uma série de sanções. Eu não conheço isso em detalhes, mas eu acho que há um incentivo. Agora, o grande incentivo é a formação de bibliotecas com bons bibliotecários que orientem os leitores, que mostrem o que há de interessante nos livros. Tudo é uma questão de formação de um hábito que preencha a biblioteca que, aliás, deveria existir também de modo generalizado nas escolas.

- Depois de montar uma biblioteca com 20 mil títulos, com 45 mil volumes, a qual conclusão o senhor chega?

- Cada vez mais estou convencido de uma coisa, muito importante. Que a gente passa, e os livros ficam...

...Mesmo vida

Nando Reis

Não sou jogador de futebol, portanto nada sei a respeito do que deve ser a rotina de um profissional da bola. Não sei o quanto deve ser exaustivo gastar tantas horas fazendo exercícios para manter o condicionamento físico; repetir infinitamente certos fundamentos até conquistar o domínio de uma técnica que irá permitir bater um escanteio, dar um passe longo, ou desferir um chute mortal; ouvir antes de toda partida a preleção de seu técnico tentando incentivar a sua equipe, cada qual com sua retórica, cada um com seu vocabulário próprio, se é que todos não usam os mesmos jargões para obter o mesmo impacto; conviver com um bando de homens estranhos, que a cada temporada formam um grupo diferente, às vezes completamente heterogêneo, às vezes excêntrico, em outras magicamente complementar; perder horas preciosas da vida por ser privado de vivê-la da forma que a maioria dos homens livres fazem porque são obrigados a dormirem longe de suas camas para se manterem concentrados apenas no desempenho de seu trabalho; trabalharem essencialmente os sábados ou domingos quando o resto dos mortais desfruta do descanso merecido de terem suado a camisa durante a semana, das nove às seis da tarde, menos nos feriados ou nos dias sagrados.

Não faço idéia de quão maçante pode ser essa vida, e de quais são os prazeres exclusivos que só conhecem aqueles que se dedicam a esse tipo de atividade.

Mas sei alguma coisa do que é trabalhar em grupo, faço isso desde os 16 anos. Quando entrei numa garagem pela primeira vez empunhando um violão e disposto a transformar algumas linhas mal escritas numa música e junto de um bando de amigos acreditar estar fazendo um “arranjo”, nunca mais parei. Não sei quantas folhas de papel risquei repetindo as mesmas frases em combinações distintas procurando uma resolução que me agradasse ou pelo menos parecesse surpreendente; quantas horas toquei os mesmos acordes em seqüências idênticas ou invertidas até ouvir um som que me tocasse intimamente; quantas noites deixei de dormir por estar completamente embriagado pelo efeito hipnótico de tocar a mesma música, “outra vez”, “de novo”, “vamos lá, pessoal!”, “só mais uma por favor”, “eu sei que o sol já nasceu mas acho que se a gente tocar mais uma vez vai ficar melhor…”; eu sei o que é ter que subir ao palco de baixo de sol, de lua, de chuva, com calor, com frio, com febre, com dor, com sono, com raiva, às sete, oito ou nove da noite, às três, às quatro, às cinco da madrugada - e depois voltar correndo pro hotel, só com o tempo de fazer a mala e se mandar pro aeroporto, pra van, pra rodoviária.

Eu sei o que é passar a vida ensaiando uma mesma canção e na hora agá por algum motivo imprevisível, seja porque avistou uma menina linda, porque caiu uma folha ou simplesmente porque o cadarço do sapato desamarrou você errar justamente a letra que você canta todos os dias, errar um acorde que você toca sempre, desafinar uma nota que sua garganta cantaria quase sozinha, e se sentir um idiota porque não foi capaz de fazer direito justamente na hora que deveria ter feito.

Como escrevi há pouco, algumas linhas acima, não sei nada do que deve ser a vida de um jogador de futebol. Só sei que o que ele escolheu pra fazer na vida é algo que, para ser bem sucedido, não depende apenas dele. Depende de mais gente, de gente que ele pode gostar ou não gostar, pode conhecer ou não conhecer; depende até da chuva, do dia, da noite, e mesmo do vento.

Depende da sorte, depende do acaso, depende da força, depende do pé, da perna, do tronco, dos braços, dos olhos, do pensamento. E, por isso mesmo, o que alguns chamam de esporte eu chamo de arte, eu chamo de graça, eu chamo mesmo de vida.

 

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Um traficante de livros

Fonte: Revista Cult               

Base aérea do Galeão, impiedoso Sol carioca         

Pontualmente, às 12h30, o avião da FAB está pronto e aguarda a partida. O ministro Juca Ferreira, com terno e camisa azuis, embarca no pequeno Learjet. É seu segundo compromisso do dia. O primeiro ocorreu há pouco, em solo carioca. O destino é Recife, cidade cantada nos versos de Cabral e Bandeira, a qual continua a reverberar ecos literários, seja em seu centro histórico, seja na periferia. O motivo principal da viagem é uma matéria veiculada em O Globo, a qual despertou verdadeiro "alumbramento" em Juca. Ricardo Gomes Ferraz, ou simplesmente Cacau, é morador da comunidade do Bode, uma das mais violentas da periferia do Recife. Em uma humilde palafita, Cacau construiu uma biblioteca intitulada Os guardiões, a qual é aberta a todos os moradores.

- Quando li, disse: vou lá! Comenta o ministro, em tom de entusiasmo.

- Ministro não pode ficar só no gabinete.

Após assumir o ministério, a agenda de Juca Ferreira tornou-se repleta de compromissos. Há os pesares. O filho Vicente, de 8 anos, é quem mais critica o "corre-corre" do pai. Como previsto, o avião aterrissa na base aérea do Recife, localizada junto ao aeroporto dos Guararapes.

A vontade de ser útil

Da base para a comunidade do Bode. À entrada, a rua estreita e policiais à espreita. São dezenas deles. Empunhando revólveres e fuzis, aguardam a chegada do ministro. Crianças gritam e acenam para a ilustre visita, incomum por ali. Até chegar à palafita, o caminho é tortuoso. O chão é coberto de pequenas conchas, algumas delas levadas pela água suja e fétida que cruza as casas. Ao chegar à palafita, Juca encontra, além de Cacau, dezenas de jornalistas e mais policiamento. Polícia esta responsável pela morte de um amigo de Cacau, na véspera. Dentro da palafita, centenas de livros empilhados espalham-se pelos cantos. Há desde literatura infantil a clássicos, como Macbet, de Shakespeare. Todo o acervo fica à disposição dos moradores. Crianças folheiam os livros, alheias ao frenesi dos fotógrafos, em busca da foto da capa. Entregam ao ministro alguns volumes para fazer uma entrega simbólica a Cacau, talvez na tentativa de finalmente conseguirem a foto da capa.        

- Fica um pouquinho de lado, por favor. Uma imagem a mais. - pede um fotógrafo

- Uma imagem a mais pode modificar o sentido. Eu não vim aqui dar livros e sim para reconhecer a grandeza do trabalho dele. - afirma, constrangido, Juca Ferreira.

Ao ser questionado sobre como surgiu a idéia de criar a biblioteca, Cacau diz que a principal motivação foi: "a vontade de ser útil". Dura é a realidade da comunidade do Bode. O crack é um dos vilões. Muitos daqueles que não entram para o universo da drogas vivem da pesca.

- A gente vive de pesca. Às vezes tem, às vezes não dá. A gente quer que melhore. - comenta a moradora Maria do Carmo.

Cacau já foi vítima das drogas. Hoje, recuperado, assiste ao triste destino de amigos, como aquele que morreu no dia anterior. Quanto à biblioteca, está decidido a não retirá-la da comunidade do Bode.

- Sou um traficante de livros. Minha biblioteca tem que conviver com a dor da minha comunidade.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Entrega do Prêmio Laura Russo

Resumindo.....boca livre!

Fonte: CRB-8

Para celebrarmos nossa profissão, conclamamos todos os bibliotecários a prestigiarem a entrega do Prêmio de Biblioteconomia Paulista Laura Russo, na próxima quarta-feira, às 19h00 no auditório do MASP.

A biblioteca escolar sempre foi deixada para o último plano, por isto, a sua presença é fundamental para mostrar à sociedade e autoridades presentes que mesmo que você não atue nesta área, apóia e acredita que a biblioteca escolar é fundamental para a formação de leitores e cidadãos críticos.

Juntos, vamos aplaudir aqueles que se destacaram no tema deste ano: "Biblioteca escolar: singular no presente, plural no futuro", conhecer as iniciativas inovadoras e criativas que se destacaram na área e os profissionais que pensaram e fizeram acontecer estas mudanças.

É o momento também para ampliar nossas relações interpessoais visando nosso crescimento profissional e pessoal.

Diferente dos anos anteriores, os premiados desta VIII edição serão divulgados somente no dia da entrega do Prêmio. Confirme sua presença ainda hoje por e-mail crb8@crb8.org.br ou telefone (11) 5082-1404.

Serviço

Entrega do Prêmio Laura Russo

Dia 22 de outubro, às 19h.

Local: Masp: Avenida Paulista, 1.578, Cerqueira César.

Confirme sua presença por e-mail crb8@crb8.org.br ou tel. 5082-1404

Bibliotecas e bosques têm maratona de histórias

Fonte: Prefeitura SP

Desta terça-feira (14/10) até 26 de outubro, será realizado o 4º festival A Arte de Contar Histórias, com cerca de 50 companhias e contadores de histórias, em 30 bibliotecas e bosques da leitura de São Paulo. Confira a programação completa.

O 4º festival A Arte de Contar Histórias será realizado entre esta terça-feira (14/10) até 26 de outubro, reunindo cerca de 50 companhias e contadores individuais de histórias em 30 bibliotecas e bosques da leitura de São Paulo.

Os destaques do evento são a Numa Cia. de Artes, com Espantalhando causos, e o Grupo Parampará, que narra Navegando pelo fantástico com Gabriel García Márquez para adolescentes e adultos.

Integram também a programação companhias como A Hora da História, Prosa dos Ventos e a especializada em teatro de sombras, Quase Cinema. Confira a programação completa.

Baseado na virtude

Realmente a cannabis sativa, nossa boa e velha MACONHA esta com tudo nestas Ereções 2008. De um lado, Paulo Maluf, ultimo dos moicanos da Ditadura Militar, tentando constranger Soninha por causa de uma matéria da revista EPOCA, no qual ela já diz ter fumado......no Rio, o candidato do PMDB, Eduardo Paes, tenta de todos modos associar o candidato do PV, Fernando Gabeira, à ERVA, devido a sua defesa à descriminalização das drogas, causa no qual faço parte.....usuário não é bandido.....

Abaixo coluna de Plinio Fraga hoje na Folha

“Olhe para o lado: se houver mais duas pessoas além de você por perto, as estatísticas mostram que um dos três fumou maconha, ao menos uma vez na vida. Se você não fumou, pergunte aos seus vizinhos.

Não precisou nem o entrevistador apertar: Fernando Gabeira (PV) e Eduardo Paes (PMDB) assumiram em debate ter fumado maconha, juntando-se a uma tropa da elite política que reconheceu ter usado a droga, integrada por nomes como os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Bill Clinton e o atual prefeito de Nova York, Michael Bloomberg. Isso para não citar expoentes deste e de outros tempos, como Bill Gates, Steve Jobs, Shakespeare e Baudelaire.

Entre os grandes personagens da política, o Brasil tem precedência. Numa entrevista em 1984, FHC afirmou: "Olha, uma vez eu estava em Nova York, num bar famoso que tem lá, em um banquete com meus primos, primas e tal, e alguém deve ter acendido um negócio de maconha, passou aquilo e eu achei horrível... Um cheiro horroroso". Na campanha pela Prefeitura de São Paulo, no ano seguinte, contra Jânio Quadros, panfletos chamando FHC de maconheiro e ateu inundaram a cidade. Jânio Quadros venceu, mas não só por isso, claro.

Oito anos depois, durante a campanha presidencial norte-americana, Bill Clinton disse que queimara a Cannabis sativa quando estudante universitário. "Fumei, mas não traguei", tentou justificar.

O bilionário Michael Bloomberg, na corrida pela Prefeitura de Nova York, venceu a eleição, mesmo tendo sido direto ao responder a um jornalista se já havia fumado maconha: "Com certeza. E gostei!"

Baudelaire sugeria ser necessário embriagarmo-nos de vinho, poesia ou virtude. Se todos já fumaram o bastante, talvez esteja próxima a hora da embriaguez de virtude.”

Selvagem.....

Para ler ouvindo SELVAGEM dos PARALAMAS DO SUCESSO

Confronto entre PMs e policiais civis deixa 25 feridos em SP

Fonte: Folha

Ao menos 25 pessoas ficaram feridas no confronto entre policiais militares e civis durante manifestação na tarde desta quinta-feira (16), nas proximidades do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo estadual paulista. Mesmo com o enfrentamento, o primeiro entre as forças policiais em SP, a Polícia Civil decidiu não encerrar a greve, que já dura um mês.

Depois do confronto com a Polícia Militar durante manifestação na tarde desta quinta-feira, lideranças dos policiais civis em greve afirmaram que a paralisação da categoria no Estado de São Paulo vai continuar. "Mais do que nunca, agora a greve vai continuar", disse o presidente do Sindicato dos Investigadores de São Paulo, João Rebouças.

A intenção dos policiais civis era pressionar o governo a retomar as negociações e, para isso, pretendiam ser recebidos pelo governador José Serra (PSDB). A Polícia Militar foi chamada para impedir que a passeata --com cerca de 2.000 policiais-- se aproximasse da sede do governo.

A marcha era escoltada por policiais de dois grupos de elite da Polícia Civil --GOE (Grupo de Operações Especiais) e Garra (Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos)-- que tentaram impedir a subida dos grevistas à sede do governo, bloqueando as vias com as motos da polícia.

No choque entre policiais civis e PMs foram usadas bombas de efeito moral (gás lacrimogêneo), balas de borracha e a cavalaria para conter os policiais grevistas. O confronto danificou viaturas da Polícia Militar, do GOE e do Garra danificadas.

Treze vítimas foram levadas para o hospital Albert Einstein, próximo ao local do protesto; cinco foram atendidas no hospital Itacolomy Butantã e outras cinco na unidade Morumbi do hospital São Luiz.

No final da noite desta quinta, a assessoria do Albert Einstein informou que todos os feridos apresentam quadro de saúde estável e que cinco deles já foram liberado. O Itacolomy informou que três dos cinco atendidos foram liberados; e, segundo o São Luiz, um dos pacientes, com fratura exposta em um dos dedos da mão direita, foi transferido para o hospital São Leopoldo. Outra vítima atendida no São Luiz sofreu queimaduras de terceiro grau na região abdominal.

Motivação

O governador José Serra (PSDB) afirmou que a manifestação dos policiais civis teve motivação político-eleitoral. "Nessa manifestação estiveram cerca de mil pessoas, e a Polícia Civil tem 35 mil efetivos. Portanto trata-se de minoria. Mais ainda, nem todos que estão na manifestação são da Polícia Civil. Tem CUT, Força Sindical, outros sindicatos, partidos políticos, deputados de outros partidos, todos chamando para a manifestação, com uso claramente político-eleitoral", disse.

As afirmações do governador foram rechaçadas por lideranças dos manifestantes. O delegado André Dahmer, diretor da Adpesp (Associação dos Delegados de Polícia Civil do Estado de São Paulo), culpou o governo do Estado pelo confronto. "Nós não queremos guerra. O governo não quer diálogo. Ele [governo] quer guerra."

O presidente do Sindicato da Polícia Civil de Campinas e região, Aparecido de Carvalho, também acusou o governo estadual pelo confronto. "É uma irresponsabilidade sem tamanho um governador, que se diz democrático, sabendo que homens armados vêm reivindicar salários e dignidade, colocar a PM, que é uma co-irmã, armada, correndo todos os riscos. O saldo disso poderiam ser diversas mortes de policiais."

As negociações entre grevistas e governo entraram em um impasse no dia 9 de outubro, quando um acordo parecia estar próximo. Na ocasião, lideranças dos policiais e representantes do governo se reuniram para buscar um consenso.

Uma proposta feita informalmente pelo governo acenava com reajuste salarial de 6,2%, extinção da 4ª e 5ª classe e a redução de três para dois níveis de salários adicionais. Os grevistas apresentaram uma contraproposta durante a reunião, que não foi aceita pelo governo. Desde então, o diálogo foi rompido.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Plac plac plac...

Em debate, Paes e Gabeira admitem ter fumado maconha no passado

Fonte: Folha

Os candidatos a prefeito do Rio de Janeiro Fernando Gabeira (PV) e Eduardo Paes (PMDB) disseram nesta terça-feira, durante debate promovido pela Folha, terem feito uso de maconha no passado. Os dois, porém, afirmaram que não experimentam mais a droga.

"Já experimentei maconha. Fumei, traguei e não gostei. Nunca mais usei", afirmou Paes, que se disse contra a descriminalização da droga. "Acho que maconha é um mal pra a sociedade. A droga está na raiz do problema desta cidade. A briga do traficante é pelo ponto de venda", assinalou.

Gabeira, que escreveu livros sobre a experiência com maconha, disse que não fuma mais por não considerar "razoável" exercer mandato no Legislativo e, ao mesmo tempo, "ter uma posição de desrespeitar a lei". "Eu posso ter efeitos semelhantes ao relaxamento da droga através da meditação", disse. "Tem uma droga que eu uso muito hoje, que é H2O", brincou.

Emprego

Bibliotecária (o) ou que esteja cursando biblioteconomia
90 a 120 dias (podendo ser prorrogado)
horário comercial
onibus fretado + almoço
salário: R$ 1200,00
Local: USP
início: 21/10/08 (horário comercial)
Maiores informações c/: Wagner
telefone: 4127-4833
email: facil@copambiental. com.br
http://www.ambientalsaneamento.com.br

Semana de Biblioteconomia



quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Ereções 2008


"Vamos vencer a máquina estadual, a máquina federal e a universal, que se juntou"


Fernando Gabeira, candidato a prefeitura do Rio de Jaineiro

De volta aos cafundós

de Ruy Castro

Nelson Rodrigues dizia que, se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos  outros, ninguém cumprimentaria  ninguém. Donde não é boa política  que, numa campanha eleitoral, um  candidato se sente em cima do próprio rabo e fale do rabo alheio.
O que vai dito acima não se refere  à estratégia da candidatura de Marta Suplicy para desmerecer a de Gilberto Kassab pela Prefeitura de São  Paulo, perguntando se ele é casado  e tem filhos -mas a algo ainda mais  imoral que está acontecendo no  Rio: a distribuição de panfletos apócrifos e ofensivos ao candidato do  PV à prefeitura carioca, Fernando  Gabeira, acusando-o de homossexual, drogado e ateu.

É chocante que, nas duas maiores cidades brasileiras, no século 21, partidos que se pretendem modernos ressuscitem práticas que ficariam melhor em eleições nos cafundós e grotas da República Velha. No caso de São Paulo, é de se perguntar se os milhares de eleitores petistas também solteiros e sem filhos não se sentirão respingados pela malícia abjeta da pergunta que seu partido pôs no ar.

Como moro no Rio, não tive o  desprazer de ouvir a gravação, mas,  pelo que me contaram, pode-se  perceber a lascívia escorrendo pela  boca encharcada do locutor, misturada com o veneno. Seja como for,  essa peça de campanha faz parte da  propaganda oficial do PT. Sabe-se  quem a criou e quem a autorizou.

No Rio, os panfletos são anônimos, embora sua assinatura esteja  apenas oculta por elipse. Devem ser  da mesma autoria de quem inoculou propaganda política a favor do  candidato Eduardo Paes nos telões  do Maracanã (que pertence ao Estado), no domingo último, ou de  quem requisitou ao Secretário Estadual de Segurança a ficha policial  de um militante de Gabeira. A carruagem ameaça reverter a abóbora  antes da meia-noite.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

O professor aloprado

Lendo o jornal hj, lembrei-me de uma Entrevista que saiu no Caderno Mais! da Folha de São Paulo (11 maio 2007) com o celebre escritor de o Nome da Rosa, Umberto Eco....segue abaixo o conteúdo desta entrevista, onde um dos tópicos é o papel da informação nos dias de hoje....

Autor do best-seller "O Nome da Rosa", Umberto Eco ataca o papa Bento 16 e Silvio Berlusconi e alerta que o excesso de informações está matando a memória


Alguém que é feliz a vida toda é um cretino; por isso, antes de ser feliz, prefiro ser inquieto

Jordi Socías
O crítico, lingüista e romancista italiano Umberto Eco, que se aposentou da Universidade de Bolonha no ano passado


JUAN CRUZ

Umberto Eco é um homem quase feliz.

Um professor que desfruta a companhia de seus alunos e que agora, aos 76 anos, aposentado de suas múltiplas ocupações acadêmicas [desde 2007, na Universidade de Bolonha], continua a trabalhar "ainda mais do que antes", dando aulas doutorais, escrevendo livros ("nem meia palavra sobre o livro que estou escrevendo agora!", exclamou, colocando o dedo sobre os lábios), participando de congressos, lendo histórias em quadrinhos ("hoje são intelectuais demais") e rindo como um garoto.

Quando o fotógrafo lhe pediu que posasse com um "borsalino", o tipo de chapéu que tornou mundialmente conhecida sua cidade natal, Alexandria, Eco se divertiu como se tivesse voltado ao quintal da casa de sua família, ao lugar que está cada vez mais próximo de sua memória, como se a idade o fizesse recuperar os sabores perdidos da adolescência.

Vive numa casa belíssima, repleta de livros e exemplares antigos, muitos dos quais consegue numa livraria perto dali, na via Rovello, em Milão.

Todas as tardes, quando está na cidade e não viajando, esse homem, que já se queixa de que tiram o sal de sua comida e afugenta os doces como se fossem uma tentação maldita, vai até essa livraria e sebo para vasculhar catálogos e procedências, antes de ir tomar seu aperitivo num café onde é conhecido como "il professore".

Perto da livraria fica a barbearia de Antonio, que colocou um retrato de Eco com seu borsalino na porta de vidro; assim, Eco se vê retratado enquanto Antonio lhe faz a barba. Barba que já tem os fios brancos de um homem que se diz velho, mas que conserva o ritmo de vida que o tornou legendário entre os acadêmicos de todo o mundo, por sua atividade e a diversidade de gostos.
Umberto Eco continua sendo esse homem feliz ("quase feliz -quem se diz totalmente feliz é um cretino!") que canta, recita, conhece citações inteiras de memória, que se interessou antes dos outros pelas novas tecnologias, que as utilizou em seus trabalhos -o mais recente é "Quase a Mesma Coisa", sobre tradução-, embora mantenha o celular quase sempre desligado.

No entanto usa o e-mail obsessivamente, como se fosse um prolongamento natural das conversas.

Quando bate papo, ainda é aquele homem tímido que teme cometer alguma gafe -"se falo demais, é para preencher os momentos de silêncio"-, mas, quando surge um assunto que o diverte, sua gargalhada enche o cenário.

Escreveu "O Nome da Rosa", sucesso mundial absoluto, e abriu as portas da fama como ensaísta com "Apocalípticos e Integrados", mas continua a acreditar que a comunicação só é digerida se aquele que a emite é capaz de colocar-se na altura daquele que o ouve.

Por isso, tanto ao conversar quanto em seus livros sempre entremeia suas reflexões ou apologias com piadas.

Eco continua a estudar; quando o deixamos, ele ia para sua casa, talvez para ocupar-se de Carlos Magno ("Diga Carlos Magno, assim vão pensar que escreverei sobre ele em meu próximo livro, e começará o boca-a-boca"). Sempre divertido e sempre quase feliz.

FOLHA - Há uma cena em sua vida, quando toca trompete para os "partigiani" [movimento antifascista], aos 13 anos, na praça de Alexandria, que transmite felicidade... O sr. sempre parece estar tão feliz!

UMBERTO ECO - Aqui há duas coisas: aquele garoto e a felicidade. São diferentes, não podem coincidir. Não acredito na felicidade -estou lhe dizendo a verdade. Acredito apenas na inquietude. Ou seja, nunca estou feliz por completo -sempre preciso fazer outra coisa.
Mas admito que na vida existem felicidades que duram dez segundos ou m

eia hora, como quando nasceu meu primeiro filho -naquele instante, eu estava feliz. Mas são momentos muito breves. Alguém que é feliz a vida toda é um cretino. Por isso, antes de ser feliz, prefiro ser inquieto.

Aquele menino é o que irá aparecer em "O Pêndulo de Foucault", e aquele foi um momento feliz, sem dúvida, mas não estou certo se o foi realmente naquele momento ou no momento em que o estava narrando. Existem momentos de felicidade quando você consegue expressar alguma coisa que o deixa contente.

Além disso, enquanto contava sobre aquele menino, eu estava feliz porque -sei bem que é uma afirmação muito reacionária- acredito que a vida serve apenas para recordar nossa própria infância.

PERGUNTA - Aí entra a literatura.

ECO - É o que dizem. Cada momento em que consigo me recordar bem de um instante de minha infância é um momento de felicidade, mas isso não quer dizer que os momentos de minha infância tenham sido momentos de felicidade.

A infância e a adolescência são períodos muito tristes. As crianças são seres muito infelizes. Talvez eu, enquanto tocava trompete, com medo de que fosse a última vez em que tocaria aquele instrumento, tenha sido um menino infeliz.

Sinto-me feliz agora, ao lembrar disso, e talvez seja essa a razão pela qual escrevo, para encontrar esses momentos muito breves de felicidade que consistem em relembrar momentos da própria infância. Sim, é por isso que escrevo.

PERGUNTA - E é para isso que se envelhece...

ECO - Algo de muito bonito que ocorre ao envelhecermos é que nos recordamos de uma multidão de coisas da infância que tinham sido esquecidas.

Noutro dia me veio à mente o nome de meu dentista de quando eu tinha oito ou nove anos. Não apenas me lembrei do dentista, mas também do técnico que o ajudava. Eram o doutor Correggia e o senhor Romagnoli. Não sei, mas estava contentíssimo em voltar a pensar em meu dentista, de quem tinha me esquecido completamente. Por isso, vou ao encontro de minha velhice com muito otimismo, porque, quanto mais envelheço, mais recordações tenho de minha infância.


Foi minha avó materna que me iniciou na literatura; era uma mulher sem cultura, mas tinha paixão pela leitura

PERGUNTA - E a cada dia o sr. chega mais perto de Alexandria, daquela sua família?

ECO - Meu pai era o mais velho de 13 irmãos. Era uma família enorme. Houve um primo que morreu aos 20 anos e que não conheci. Faça o cálculo: se cada irmão teve dois filhos, eram 26 primos, de modo que era difícil ter uma relação com todos.

Minha relação mais estreita foi com minha avó materna, que foi quem me iniciou na literatura. Era uma mulher sem cultura nenhuma -acho que fez apenas os cinco anos da escola primária-, mas tinha paixão pela leitura.

Ela era cadastrada numa biblioteca, de modo que trazia um montão de livros para casa. Lia de forma desordenada. Um dia podia ler Balzac e, logo depois, um romance de quatro vinténs, e gostava dos dois. E assim fez comigo: ela me dava, aos 12 anos de idade, um romance de Balzac e uma história de amor de qualidade ínfima. Mas me transmitiu o gosto pela leitura.

PERGUNTA - Além de sua avó, quem foram seus outros mestres?

ECO - O professor da escola primária aparece em meu romance "A Misteriosa Chama da Rainha Loana". Era um fascista que batia em seus alunos mais pobres. E, embora sempre tenha se comportado bem comigo, não era uma boa pessoa.

Em contrapartida, tive uma educadora fabulosa, embora por apenas um ano.
Era a senhorita Bellini, que ainda vive. Tem 91 anos, e, cada vez que sai um livro meu, envio um exemplar a ela. Era uma grande educadora, nos estimulava a escrever, a contar, a sermos espontâneos, e foi uma das pessoas que mais exerceram influência sobre minha vida.

PERGUNTA - Raramente se fala do sr. como professor. O que aprendeu para ensinar?

ECO - Antes de mais nada, continuo a aprender. O primeiro curso que dei como professor foi sobre a poética de James Joyce, que aparece em "Obra Aberta". Eu conhecia o argumento, mas, ao começar a dar aula, me dei conta de que não sabia nada sobre o tema.

Aprendi e continuo aprendendo. Quando se escreve um livro, pode-se dar a impressão de saber muito, mas em sala de aula é diferente. O que fiz desde aquela primeira experiência foi falar a partir dos livros que iria escrever, não dos que já havia escrito. Quero dizer que minha relação com os alunos sempre foi uma relação de aprendizagem, porque, ensinando, eu também aprendia.

PERGUNTA - Uma relação de ida e volta.

ECO - Uma relação erótica, porque a relação de um professor com um aluno é como a relação de um ator com seu público: quando você aparece em cena, é como se o estivesse fazendo pela primeira vez, e você tem a sensação de que, se não tiver conquistado o público nos primeiros cinco minutos, o terá perdido. É isso o que eu chamo de uma relação erótica, no sentido platônico do termo. Além disso, há uma relação canibal: você come as carnes jovens deles, e eles comem sua experiência.

Há pessoas infelizes que passam os primeiros anos de sua vida com pessoas mais jovens, para poder dominá-las, e, quando envelhecem, estão com pessoas mais velhas.

Comigo aconteceu o contrário: quando eu era jovem, estava com pessoas mais velhas que eu, para aprender, e agora, tendo alunos, estou com jovens, o que é uma maneira de manter-se jovem. É uma relação de canibalismo; comemos um ao outro. Por isso não deixei de ter relação com a universidade, apesar de ter me aposentado.

PERGUNTA - E o sr. mordeu quem?

ECO - A pessoa que orientou minha tese, Luigi Paris, também Norberto Bobbio... Tenho uma boa lembrança de meus professores. Meu professor de filosofia no instituto era um daqueles que podiam interromper a aula para fazer você ouvir Wagner ou, se você perguntava sobre Freud, deixava de falar de Platão e lhe falava de Freud.

Era realmente um grande professor. Tudo isso está em meus romances, onde sempre há uma relação entre um jovem e um mestre mais velho.

PERGUNTA - Tantos alunos... Quem sabe, ao recordá-los, o sr. encontre uma história da evolução da juventude no último meio século.

ECO - Não se pode dar uma resposta porque o diálogo com os estudantes muda ao longo dos anos. A diferença ideal de idade entre professor e alunos é de 15 anos. Você tem trinta e poucos anos, e o aluno, 20.

Foi precisamente nesse período que tive uma relação mais intensa com meus alunos. Porque, se os alunos são mais jovens que isso, não existe relação, e, se a diferença for maior, já não poderemos ser amigos.

Com os alunos dos anos 1960, saíamos para jantar, dançar. Com os de agora, isso não seria possível. Sentiriam vergonha de sair com você. Em 1968 foi interessante: eu não podia ser como eles, mas não me viam como inimigo. Por isso, havia uma relação às vezes polêmica, às vezes amistosa e contínua.

PERGUNTA - Como está a Itália?

ECO - Está vivendo um dos piores momentos de sua história, com uma classe política velha e que não se renova. Houve um equilíbrio estranho entre a Democracia Cristã e os partidos de esquerda, que durou 50 anos. Agora ele se quebrou.

Cinqüenta por cento dos italianos votam em Silvio Berlusconi [líder da coalizão que venceu as eleições parlamentares do mês passado], o que é indicativo de uma profunda imaturidade política. É um momento extremamente triste, em que os elementos de esperança e entusiasmo são muito poucos. Cada vez mais vem à tona a maldição eterna dos italianos.

PERGUNTA - Qual é essa maldição?

ECO - Uma vez eu estava num táxi em Nova York, e o chofer, que era paquistanês ou indiano, me perguntou de onde eu era. Respondi que era da Itália, e ele quis saber onde ficava esse país.
Eu me dei conta de que ele tinha idéias muito vagas, como se eu estivesse falando de Suriname a um italiano, e continuou a perguntar: "Que idioma o sr. fala?" "O italiano", eu disse, e ele me perguntou: "E qual é seu inimigo?".

Perguntei o que queria dizer, e ele me respondeu que cada país tem um inimigo contra o qual luta há séculos. Respondi que não tínhamos. E ele me olhou com cara feia, porque um povo sem inimigo é pouco viril.

Mas, então, refleti: nosso inimigo é interno. Ao longo de toda nossa história, nos massacramos uns aos outros, e é também essa a nossa maneira de entender a política.

Nossa fragmentação é em 200 mil partidos diferentes, o governo de Romano Prodi [que, sem o apoio do Senado, entregou o cargo de primeiro-ministro em janeiro] caiu pela mão de seus próprios aliados, não pela ação da oposição. Nunca a Itália caiu tanto em sua inimizade interna quanto hoje.

PERGUNTA - E de onde vem isso?

ECO - A Itália se tornou um Estado unitário há 150 anos -antes, não o era. Já a Espanha o é pelo menos desde 1300 -desde El Cid Campeador!-, e França e Inglaterra têm sido unitárias.

A Itália, antes da chegada dos romanos, era uma pluralidade de tribos que falavam línguas diferentes. A Espanha tem os bascos, os catalães e os galegos, mas nós éramos 400. A cada cinco quilômetros havia uma diferença como a que existe entre a Catalunha e a Galícia.

O Império Romano unificou, mas não o suficiente. Além disso, se não tivesse existido a igreja, talvez as cidades italianos tivessem encontrado uma forma de Estado unitário pela qual se regerem.

O único Estado que restou foi a igreja, e o resto foi uma fragmentação de cidades, o que fez com que a Itália não existisse, no sentido de um Estado. Por isso existe a corrupção: porque as pessoas não pagam impostos, porque não existe o sentido de Estado.

PERGUNTA - E por que Berlusconi ganhou?

ECO - Porque ele diz que não será preciso pagar impostos! Ele fomenta a falta de sentido de Estado, porque ele próprio não o possui.

PERGUNTA - O sr. falou de um taxista. Menciono outro, o que me trouxe do aeroporto. Ele disse: "Como se pode eleger para presidente um homem que tem tantos processos pendentes contra ele?".

ECO - Ele dá por efeito aquilo que é a causa. Berlusconi conseguiu instaurar um tipo de poder fundamentado na desconfiança da magistratura e da Justiça, razão pela qual pode governar, apesar de ter processos pendentes.

Berlusconi não é o efeito nesse caso, e sim a causa. Criou algumas leis precisamente para permitir que pessoas que tenham pendências com a Justiça possam chegar ao Parlamento e ataca a magistratura continuamente. Berlusconi conseguiu chegar ao governo atacando as forças da ordem, estimulando os instintos mais baixos do italiano médio.


A relação de um professor com os alunos é canibal: você come as carnes jovens deles, e eles comem sua experiência

PERGUNTA - Quer dizer que o futuro italiano...

ECO - Vai depender de que morram algumas dezenas de pessoas que já são muito velhas. É um dado biológico. E, então, teria que surgir uma nova classe política. Somos o país cuja classe política é a mais velha do mundo.

PERGUNTA - E Veltroni [Walter Veltroni, 52, líder de centro-esquerda]?

ECO - Sim, Veltroni é jovem. Tem 50 anos, mas os demais são muito velhos. Berlusconi tem mais de 70 anos. Na Itália, mesmo que alguém perca as eleições, volta a se candidatar.

É como se Al Gore voltasse a ser candidato [à Presidência dos EUA] ou se Lionel Jospin se candidatasse novamente à Presidência da França. Na Itália, contudo, sempre volta aquele de antes. É o sintoma de uma classe política que não quer renunciar ao poder.

Talvez isso contribua para que as pessoas sempre critiquem a política, para que os jovens a vejam como algo que lhes é alheio.

Os jovens de todas as épocas e de todos os países sempre se entusiasmaram com as grandes idéias de transformação, eram revolucionários, mas se mantinham dentro do famoso esquema "todos nascemos incendiários e morremos bombeiros".

Agora, com a globalização e o fim das ideologias, já não se apresentam tantas possibilidades de transformação, pois esta é planetária, e é preciso esperar as grandes tragédias ecológicas, a morte da Terra.

O grande erro das Brigadas Vermelhas [grupo terrorista de extrema esquerda, que assassinou Aldo Moro, então ex-premiê italiano] foi terem a idéia justa -embora muitos pensassem que fosse delirante- de atacar as multinacionais de todo o mundo.

Outra idéia equivocada foi a de que era preciso fazer terrorismo para criar uma revolução na Itália. Se existe o governo das multinacionais, você não vai mudar isso fazendo a revolução na Itália. O projeto comunista estava condenado ao fracasso. Já havia globalização naquela época, embora não tão intensa quanto hoje.

Agora já não existe possibilidade de transformação planejável, a não ser que ocorra como na época da queda do Império Romano, com o nascimento das ordens monásticas: você se encerrava na montanha, num convento, e tentava salvar o pouco de espiritualidade e de conhecimento enquanto o mundo desmoronava.

Hoje, pode haver jovens que vão ao deserto colocar em prática uma vida ecológica. É o máximo que se pode fazer: não mudar o mundo, mas retirar-se do mundo. Por isso ocorre o desinteresse pela política.

PERGUNTA - O terrorismo acabou na Itália, na Alemanha e na Irlanda, mas permanece na Espanha, além de surgirem outros. Qual é sua opinião sobre os terrorismos que surgiram nos anos 1990?

ECO - O desejo de "revolução", entre aspas, permanece sempre. Inclusive ali onde não se pode fazê-la, tenta-se... Em países onde existem grupos étnicos e há território suficiente para que se produzam insurreições. Na Itália, esses enfrentamentos se converteram em embates futebolísticos. E em outros territórios acontecem violência, fanatismo, superstição. Quando isso é levado ao terreno da política, já se sabe como vai terminar.

PERGUNTA - O terrorismo da Al Qaeda é a celebração do mal?

ECO - É preciso diferenciar os terrorismos. O fato de que se utilizem métodos semelhantes não os torna iguais. Os terrorismos internos não empregam formas suicidas.

O terrorismo da Al Qaeda é um fenômeno bélico. Trata-se de um grupo fundamentalista que se sente em guerra contra o mundo ocidental e que, por não poder usar os instrumentos da guerra tradicional -não haveria exércitos suficientes-, emprega o terrorismo suicida.

Isso não quer dizer que haja um enfrentamento entre o mundo ocidental e o mundo islâmico, mas existe sem dúvida uma parte do mundo islâmico que se sente em situação de inferioridade e está em guerra.


A memória é nossa identidade, nossa alma; se você perde a memória hoje, já não existe alma; você é um animal

PERGUNTA - O 11 de Setembro mudou o estado de ânimo do mundo. Somos menos felizes hoje.

ECO - O 11 de Setembro criou um estado de medo, mas antes já houve atentados, entraram e saíram assassinos, tivemos guerras civis.

No caso dos EUA, porém, foi a primeira vez que o país sentiu um ataque assim em sua própria carne. Os americanos não digeriram o que aconteceu e por isso vêm tendo reações irracionais, como a Guerra do Iraque, que gerou mais terrorismo do que havia.

É exatamente a reação de alguém que não estava acostumado à guerra em seu próprio território.

PERGUNTA - Existe alguma saída para esse mal-estar universal?

ECO - No momento, não. E, se eu tivesse a receita, a venderia ao presidente dos EUA por alguns bilhões de dólares!

PERGUNTA - Com certeza. E quem será ele?

ECO - E que sei eu? Os escritores não somos Nostradamus.

PERGUNTA - O que é certo é que alguns anos atrás o sr. disse que viveríamos de modo rapidíssimo, e agora vivemos em velocidades supersônicas.

ECO - E tudo o que existe agora será obsoleto dentro de pouco tempo. Até o e-mail será obsoleto, porque tudo será feito com o celular.

Talvez as novas gerações se acostumem a isso, mas existe uma velocidade do processo que é de tal calibre que a psicologia humana talvez não consiga adaptar-se. Estamos em velocidade tão grande que não existe nenhuma bibliografia científica americana que cite livros de mais de cinco anos atrás.

O que foi escrito antes já não conta, e isso é uma perda também quanto à relação com o passado.

PERGUNTA - A fé cega na internet, por outro lado, cria monstros.

ECO - Sim, parece que tudo é certo, que você dispõe de toda a informação, mas não sabe qual é confiável e qual é equivocada. Essa velocidade vai provocar a perda de memória.

E isso já acontece com as gerações jovens, que já não recordam nem quem foram Franco ou Mussolini! A abundância de informações sobre o presente não lhe permite refletir sobre o passado. Quando eu era criança, chegavam à livraria talvez três livros novos por mês; hoje chegam mil. E você já não sabe que livro importante foi publicado há seis meses. Isso também é uma perda de memória. A abundância de informações sobre o presente é uma perda, e não um ganho.

PERGUNTA - A memória é o esquecimento, como diria [o escritor uruguaio] Mario Benedetti.

ECO - É a história de "Funes, o Memorioso", de Borges: aquele que tem toda a memória é um estúpido.

PERGUNTA - Tanta informação faz com que os jornais pareçam irrelevantes.

ECO - Esse é um de nossos problemas contemporâneos. A abundância de informação irrelevante, a dificuldade em selecioná-la e a perda de memória do passado -e não digo nem sequer da memória histórica. A memória é nossa identidade, nossa alma. Se você perde a memória hoje, já não existe alma; você é um animal.

Se você bate a cabeça em algum lugar e perde a memória, converte-se num vegetal. Se a memória é a alma, diminuir muito a memória é diminuir muito a alma.

PERGUNTA - Qual seria hoje o papel da informação?

ECO - Creio que perdemos muito tempo nos formulando essas perguntas, enquanto as gerações mais jovens simplesmente deixaram de ler jornais e se comunicam por meio de mensagens de texto.

Eu não posso me desligar dos jornais. Para mim, sua leitura é a oração matinal do homem moderno. Não posso tomar o café da manhã se não tiver pelo menos dois jornais para ler.

Mas talvez sejamos os resquícios de uma civilização, porque os jornais têm muitas páginas, mas não muita informação. Sobre o mesmo tema há quatro artigos que talvez digam a mesma coisa... Existe abundância de informação, mas também abundância da mesma informação.

Não sei se você se lembra de minha teoria sobre o "Fiji Journal". Eu estava em Fiji coletando informações sobre os corais para meu livro "A Ilha do Dia Anterior" [ed. Record], e em meu hotel chegava todas as manhãs o "Fiji Journal", que tinha oito páginas -seis de anúncios, uma de notícias locais e outra de notícias internacionais.

No mês que passei ali, a primeira Guerra do Golfo estava prestes a estourar, e, na Itália, o primeiro governo de Berlusconi tinha caído. Inteirei-me de tudo porque em uma única página de notícias internacionais, em três ou quatro linhas, davam-me as notícias mais importantes.

PERGUNTA - Como a internet.

ECO - Vamos à internet para tomar conhecimento das notícias mais importantes. A informação dos jornais será cada vez mais irrelevante, mais diversão que informação. Já não nos dizem o que decidiu o governo francês, mas nos dão quatro páginas de fofocas sobre Carla Bruni e Sarkozy [atual presidente da França].

Os jornais se parecem cada vez mais com as revistas que havia para ler na barbearia ou na sala de espera do dentista.

PERGUNTA - Voltemos ao princípio, professor. O que o faz feliz?

ECO - Não sei. Eu já disse que não acredito nisso, mas, enfim, fico feliz quando encontro um livro que estava procurando havia muito tempo.

Quando o compro e o tenho, olho para ele e me sinto feliz. Mas a sensação acaba ali. Enquanto a infelicidade é o que me provoca o fato de não ter este ou aquele livro. A verdadeira felicidade é a inquietude. É sair à caça, não matar o pássaro.

PERGUNTA - É raro: um espanhol e um italiano, uma hora e meia de conversa, e a palavra "igreja" só foi pronunciada três vezes.

ECO - Está ocorrendo um retrocesso ao século 19, quando havia um confronto entre o Estado liberal e a igreja. De quem é a responsabilidade por isso? Não é por acaso que esse confronto tenha se acirrado com a chegada de Ratzinger [o papa Bento 16]; portanto, talvez se deva à política clerical do novo pontífice.

Sua luta contra a cultura moderna, o chamado relativismo, voltou aos grandes temas da igreja do século 19, que falava contra a revolução e contra a ciência moderna.

Hoje, emergem muitas posições anticlericais, e muitas pessoas se declaram atéias. Ninguém estava pensando nisso antes. Subiu ao trono um papa que pensa como um papa do século 19.

PERGUNTA - O sr. escreveu que Napoleão viveu apenas a Revolução Francesa...

ECO - ... E eu vivi a Segunda Guerra Mundial, a queda do fascismo, a guerra "partigiana", a bomba em Hiroshima, a queda da União Soviética e a Guerra Civil Espanhola. Há uma maldição chinesa que diz: "Espero que vivas numa época interessante". Há gerações jovens que viveram apenas épocas tranqüilas, como a da Guerra Fria.

O que eu disse sobre Napoleão com certeza está errado, porque ele não apenas viveu a Revolução Francesa como também a história de Napoleão. Rarará!


A íntegra desta entrevista saiu no "El País". Tradução de Clara Allain .