sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Quatrocentona, biblioteca dos monges passa por informatização

Nos últimos seis anos, 12 mil dos 100 mil títulos do tradicional Mosteiro de São Bento já foram catalogados

Fonte: Estado

Oásis de repouso, tranqüilidade e oração no meio do caótico e barulhento centro de São Paulo, o Mosteiro de São Bento esconde, dentro de seus domínios, uma rica biblioteca, possivelmente a mais antiga da cidade. São 100 mil títulos, sobretudo dedicados à área de Humanidades, como Religião, Filosofia, Literatura e História. Nos últimos seis anos, esse vasto acervo - recheado de obras raras - passa por um processo de reorganização e informatização. Um trabalho de formiguinha capitaneado por André de Araújo, de 29 anos, bibliotecário profissional contratado pelos monges. Ele conta com a ajuda de um assistente e de alunos-bolsistas da Faculdade de São Bento - atualmente são quatro. Até agora, o grupo deu conta de 12% do total do trabalho. Sim, se continuar nesse ritmo, a catalogação eletrônica completa levará meio século.

O tempo nunca foi problema para os religiosos da Ordem de São Bento, medieval organização religiosa fundada pelo santo católico que viveu entre os anos 480 e 550. As normas da vida monástica foram sistematizadas em um livro de 73 capítulos, de autoria atribuída ao santo e conhecido como Regra de São Bento. No coração de São Paulo, os 42 monges que abraçaram a ordem observam religiosamente, sem trocadilho, esse regimento.

Por isso, desde 1598, quando os beneditinos aqui chegaram, o silêncio da madrugada do claustro é rompido pontualmente às 5h05, quando um deles badala o sino que desperta todos os companheiros. Em 25 minutos, ficam a postos no altar da ainda fechada Basílica de Nossa Senhora da Assunção, a igreja contígua ao mosteiro, para entoar o Ofício Divino, primeira das cinco orações do gênero celebradas diariamente.

Assim como a oração, a leitura também está presente na Regra. O capítulo 48 recomenda que os monges se entreguem diariamente ao trabalho e aos livros. Isso fez com que historicamente todo mosteiro nascesse com uma coleção de obras. “Presume-se que já existisse uma biblioteca, mesmo que pequena, quando o mosteiro foi fundado, em 1598”, afirma o bibliotecário André de Araújo. “Quando, na Idade Média, a cultura letrada praticamente desapareceu no Ocidente, ela sobreviveu na Igreja, graças, principalmente, aos mosteiros”, completa o monge-bibliotecário Carlos Eduardo Uchôa, de 46 anos. O hábito de ler é cultivado até durante as refeições: enquanto os outros, em silêncio absoluto, comem, um monge fica responsável por recitar textos sagrados e trechos de livros de Filosofia ou História.

Na comunidade monástica, cada religioso tem sua incumbência. Há o cozinheiro, o alfaiate, o tesoureiro... Uchôa - ou dom Eduardo, como costuma ser tratado - entrou para o Mosteiro de São Bento há 13 anos. Três anos depois, assumiu a biblioteca. “Como sou historiador e artista plástico, naturalmente tenho uma predileção pelos livros”, justifica ele, que acumula duas outras funções: é reitor do Colégio de São Bento e diretor da faculdade homônima, ambos anexos ao mosteiro.

ACESSO RESTRITO

Desde que os monges decidiram profissionalizar a gestão da biblioteca, dom Eduardo tem atuado como coordenador. É dele a palavra final na compra de novos títulos, por exemplo. “Sempre que precisamos de alguma obra nova, preciso levar o pedido até o dom Eduardo”, confirma Araújo. Mas é o jovem bibliotecário, com seus cabelos longos e dois brincos em cada orelha, que cuida, não apenas do processo de reorganização por que passa a biblioteca, como do dia-a-dia de seu funcionamento.

Formado em Biblioteconomia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), Araújo conheceu dom Eduardo quando estava preparando seu trabalho de conclusão de curso, em 2001. O tema escolhido foi justamente a importância das bibliotecas beneditinas ao redor do mundo. “Aí, quando acabei, vim até o mosteiro trazer uma cópia para presenteá-lo, em agradecimento”, conta. Então decidiram contratá-lo. “Quando comecei a minha atuação, de forma alguma poderia jogar as regras da Biblioteconomia radicalmente aqui. Procurei respeitar o contexto existente e propor uma forma de organização que fosse coerente.”

Como a biblioteca tem um caráter particular - ou seja, é voltada para o uso interno dos monges -, o acervo é fechado. Há duas entradas ao espaço. Uma, interligada ao claustro e de uso exclusivo dos monges, pode ser acessada a qualquer dia, a qualquer horário. “Um monge tem autonomia para retirar livro daqui quando quiser”, explica Araújo. “Pedimos sempre que, quando não estamos trabalhando, eles nos deixem um bilhetinho avisando, para que saibamos onde está o exemplar.” O bibliotecário admite, entretanto, que nem todos cumprem essa norma.

Já pela outra porta são recebidos os visitantes externos. Em geral, alunos do colégio e da faculdade, que podem utilizar os livros dali quando precisam - pesquisadores de fora também são recebidos, sob agendamento prévio. Mas nada de circular entre as estantes. O freqüentador pede o que quer e o bibliotecário - ou alguém de sua equipe - fica encarregado da procura pela obra. “De certa forma, é graças a isso que os livros antigos estão tão bem conservados assim”, acredita Araújo. “É uma biblioteca com baixa circulação de pessoas.”

Por falar em livros antigos, o acervo beneditino conta com 581 títulos publicados entre os séculos 15 e 18. “O cuidado é tanto que, ao catalogarmos essas obras, nem utilizamos etiquetas”, diz o bibliotecário, mostrando uma tirinha de papel colocada entre a capa e a primeira página de um desses exemplares, com as informações que normalmente constam em etiquetas na lombada. O livro, aliás, é a edição de 1676 da Steganographia, do monge Johannis Trithemius, que aparecia no famoso índex de leituras proibidas pela Igreja Católica. “O autor foi muito perseguido”, acrescenta.

Entre esses títulos há tesouros raríssimos, como seis incunábulos. São livros rudimentares, dos primórdios da imprensa, que mesclam o manuscrito com os tipos móveis. O mais antigo do acervo, de 1496, traz o Novo Testamento em quatro volumes. Há ainda um exemplar romeno de 1500 com a coleção de sermões de Pelbarti de Themefwar, um pregador húngaro.

Araújo aproveitou bem a oportunidade de vivenciar esse fabuloso universo editorial preservado pelos beneditinos paulistanos. Decidiu transformá-lo em tema para seu mestrado em História, cuja dissertação será defendida amanhã, às 14 horas, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).

Com seus 100 mil títulos, a biblioteca principal não é a única mantida pelo Mosteiro de São Bento. Há uma outra, com 3 mil volumes, para servir ao colégio; uma de cerca de 500 obras à disposição do abade - a autoridade máxima da comunidade; e muitos são os monges que têm coleções particulares em suas celas.

PARA O PAPA LER

Durante as duas noites e os três dias em que esteve na cidade, em maio de 2007, o papa Bento 16 hospedou-se no Mosteiro de São Bento. Tudo foi preparado para que o líder máximo da Igreja Católica se sentisse bem acolhido. “Precisamos ficar atentos para qualquer coisa que ele precisasse. Fizemos plantão”, lembra Araújo. “Mas o papa não chegou a vir para a biblioteca”, conta.

Com a ajuda dos monges, o bibliotecário preparou uma seleção de 30 títulos que ficaram na cela que acomodou o papa. “Em caráter museológico, estão lá até hoje”, revela. O acervo foi pensado como uma miscelânea de obras religiosas, culturais, artísticas, literárias e históricas. A maioria procurava mostrar ao líder católico um pouco do panorama brasileiro. Bento 16 pôde ler, por exemplo, os sermões completos de Padre Antônio Vieira em alemão. Ou se divertir com a prosa de Machado de Assis, com os livros Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Ressurreição e A Mão e A Luva. Mas deixou de conhecer a beleza da biblioteca dos monges paulistanos.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

'A CRISE'

Para se pensar!

Fonte: Revista Brasileiros

Um homem vivia à beira de uma estrada e vendia cachorros quentes. Ele não tinha rádio, televisão e nem lia jornais, mas produzia e vendia bons cachorros quentes.

Ele se preocupava com a divulgação do seu negócio e colocava cartazes pela estrada, oferecia o seu produto em voz alta e o povo comprava. As vendas foram aumentando e, cada vez mais ele comprava o melhor pão e a melhor salsicha.

Foi necessário também adquirir um fogão maior para atender uma grande quantidade de consumidores, e o negócio prosperava. Seu cachorro quente era o melhor de toda região! Vencedor, ele conseguiu pagar uma boa escola ao filho.

O menino cresceu, e foi estudar economia numa das melhores faculdades do país. Finalmente, o filho já formado, voltou para casa, notou que o pai continuava com a vidinha de sempre e teve uma séria conversa com ele:

- Pai, então você não ouve rádio? Você não vê televisão e não lê os jornais? Há uma grande crise no mundo. A situação do nosso país é crítica. Está tudo ruim. O Brasil vai quebrar.

Depois de ouvir as considerações do filho doutor, o pai pensou: 'Bem, se meu filho que estudou economia, lê jornais, vê televisão, acha isto então só pode estar com a razão'.

Com medo da crise, o pai procurou um fornecedor de pão mais barato (e

é claro, pior) e começou a comprar salsichas mais barata (que era, também, a pior).

Para economizar, parou de fazer cartazes de propaganda na estrada. Abatido pela notícia da crise já não oferecia o seu produto em voz alta.

Tomadas essas 'providências', as vendas começaram a cair e foram caindo, caindo e chegaram a níveis insuportáveis e o negócio de cachorro quente do velho, que antes gerava recursos até para fazer o filho estudar economia na melhor escola, quebrou.

O pai, triste, então falou para o filho:

- Você estava certo, meu filho, nós estamos no meio de uma grande crise.

E comentou com os amigos, orgulhoso:

- Bendita a hora em que eu fiz meu filho estudar economia, ele me avisou da crise.

Aprendemos uma grande lição:

Vivemos em um mundo contaminado de más notícias e se não tomarmos o devido cuidado, essas más notícias nos influenciarão a ponto de roubar a prosperidade de nossas vidas.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

"Não precisei ler o Paulo Coelho", diz Saramago em SP

Fonte: Folha

Único prêmio Nobel de Literatura da língua portuguesa, José Saramago, 86, disse que não precisou ler a obra de Paulo Coelho para ficar mais sereno. A afirmação foi nesta terça-feira em São Paulo.

"Não precisei ler o Paulo Coelho. Uma boa doença vale por toda obra do Paulo Coelho", disse em tom de brincadeira.

A serenidade veio após o período em que ficou muito doente e que o obrigou a interromper o livro que veio lançar no Brasil, "A Viagem do Elefante".

Totalmente recuperado, Saramago está em São Paulo também para promover a exposição "A Consistência dos Sonhos", que também tem uma versão em livro, uma cronobiografia assinada por Fernando Gómez Aguilera.

Saramago ainda participa de sabatina da Folha na próxima sexta-feira (28), no teatro Folha (av. Higienópolis, 618, 2º piso, São Paulo). As inscrições para o evento estão encerradas.

Sobre o novo livro, Saramago afirmou que o inusitado é que a dosagem de humor que colocou na obra. Ele também afirmou que fez uma certa "garimpagem" espontânea de vocabulário ao usar espontaneamente palavras de sua adolescência e infância.

"Usei palavras que tinham ficado enterradas no passado, somos compostos de sedimentos lingüísticos", afirmou o escritor português.

"A Viagem do Elefante" tem lançamento pela Companhia das Letras e custa R$ 42. A exposição será inaugurada na próxima sexta-feira no Instituto Tomie Ohtake (av. Faria Lima, 201, Pinheiros, tel. 0/xx/11/2245-1900), em São Paulo, e permanece até 15 de fevereiro de 2009.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Borges no Brasil: bibliotecas sem livros

Fonte: Folha

Em 1941, o bruxo argentino Jorge Luis Borges escreveu "A Biblioteca de Babel" e contou o mistério do "Livro Total". Seria "o compêndio perfeito de todos os demais", receptáculo de todo o conhecimento humano. O tesouro estaria perdido.

Pobre Borges. Não viveu o suficiente para ver que são inesgotáveis as horríveis imaginações da mente. Em Brasília e Goiânia existem bibliotecas muito mais cerebrinas. Burocratas da cultura, associados a empreiteiros e governantes letrado$, criaram as bibliotecas sem livros, um desafio para filósofos e delegados de polícia.

Os dois templos do nada foram projetados por Oscar Niemeyer e inaugurados em 2006 (ano eleitoral). Deveriam custar algo mais que R$ 40 milhões cada uma. A Biblioteca Nacional de Brasília fica a 500 metros da catedral. Tem cinco andares e 14 funcionários, mas está fechada. Seu acervo 50 mil livros ainda não foi catalogado. Os donatários esclarecem que o prédio tem capacidade para 250 mil volumes.

A biblioteca irmã tem três pisos, 1.200 m2 e fica em Goiânia, no Centro Cultural Oscar Niemeyer. Está fechada porque o governo não pagou ao empreiteiro que, por sua vez, apresentou contas que somam R$ 65 milhões. Ao contrário do que sucedeu em Brasília, tem acervo, mas os livros estão encaixotados, pois a instituição não tem funcionários.

Talvez o "Livro Total" de Borges e a imaginação de Umberto Eco esclareçam o mistério. Tendo absorvido toda a sabedoria humana, o monge cego Jorge de Burgos, de "O Nome da Rosa", percebeu a irrelevância do conhecimento e organizou bibliotecas sem livros.

Seriam a prova do compromisso dos governantes com a inteligência, sem dispersar esforços com objetos obsoletos. Burgos já fez isso na Bibliotheca Alexandrina, no Egito, que precisará de 80 anos para encher seu prédio de US$ 65 milhões, e na Megabiblioteca do México, inaugurada e fechada por defeitos na construção. Os empreiteiros ganharam seu dinheirinho, os governantes fizeram festas, os edifícios deslumbraram os transeuntes e, mais uma vez, a patuléia fez papel de boba.

Há 17 anos.....

a voz de Fred Mercury de calava.....

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Legado precioso

Sabe aqueles livros em que vc começa a ler e passa um tempo e vc vê que não tinha com o mínimo de preparo....bom este foi um dos (OS IRMÃOS KARAMAZOV)......pra falar a verdade, ler Dostoiévski não é uma tarefa das mais fáceis de se fazer....mas, junto à Machado de Assis e Nietzsche, Dostoiévski tem um lugarzinho especial em minha estante.....recomendação.....

Legado precioso

Em Os irmãos Karamázov, estão reunidas as principais vertentes da obra de Dostoiévski

Fonte: Revista Cult

Ao se ler hoje a obra de um grande autor, vem imediato a pergunta do quanto dela ficou, o quanto permanece válida em nossos dias que se vêem continuamente desapossados de tantos dos valores do passado. De Fiódor Dostoievski (1821-1881), fica o estilo mais que atual, pois, como se sabe, não apenas escrevia de forma muito ágil - inicialmente para se manter dentro dos prazos dos editores, pois dependia dos adiantamentos para sobreviver, e depois por hábito - mas, uma vez esboçados, ele costumava ditar seus textos que, muitas vezes, nem pareciam revisados. Além disso, tal como Tchekhov, em alguns de seus contos, ele mimava a maneira de se expressar característica de cada personagem. O tradutor de Os irmãos Karamázov, Paulo Bezerra, comentou as suas dificuldades com a fala do irmão ilegítimo Smerdiákov, cheia de artimanhas, de modo que o resultado era uma linguagem muito viva, e o é agora, felizmente, sem aquela homogeneização a que era submetida via traduções indiretas. Fica a engenhosidade dos romances: neste, o último, iniciado dois anos antes da morte do autor, ele conseguiu reunir todas as vertentes de sua arte. "É um romance policial psicológico, como Crime e castigo; é, quanto a Dmítri, a história de um idealista mal julgado, como O idiota; é, quanto a Ivan, o romance dos intelectuais ateus, como Os demônios; é, quanto a Aliocha, a história da formação de um (homem) novo, como O adolescente" (Otto Maria Carpeaux , prefácio à edição da Ediouro, com tradução de Natália Nunes e Oscar Mendes).

"Permanece a inteligência da urdidura, a universalidade dos temas, o gigantesco das personagens" (Joseph Frank, O manto do profeta - Edusp 2008), mas permanece também a pergunta, por sinal reforçada por Freud em Dostoiévski e o parricídio, de 1928: "Como é que o primeiro Dostoiévski, o de Gente pobre, exaltado pelo crítico populista Bielínski e condenado à morte (depois comutada) pelo czar por seu socialismo utópico (a crença num mundo melhor, nessa terra), se transforma no último Dostoiévski, submisso a esse mesmo czar, amigo do seu temível conselheiro K. P. Pobedonóstsev, invocando a fé não apenas nos valores morais cristãos, mas nos seus pressupostos sobrenaturais, como os proclamados por Aliocha na última página do romance "a única coisa que podia dar um sustentáculo seguro?". A resposta de Freud, que não vamos comentar aqui e que implica sado-masoquismo e sentimento de culpa, é - como a grande maioria das suas grandes respostas - brilhante, apesar dos pequenos deslizes que o tempo revelou (não há certeza de que tenham sido os servos revoltados a matar o pai de Dostoiévski, como não era o abutre, mas sim o milhafre, a ave simbólica de Uma lembrança infantil de Leonardo da Vinci).

A resposta que dá o contemporâneo e, num certo sentido, rival, Lev Tolstói, (sete anos mais jovem que Dostoiévski, mas que morreu 29 anos mais tarde), ao escritor Maksím Gorki que o visita, já ancião, na Criméia (3 Russos- Martins-Martins Fontes, 2006) é seca e contundente: "Ele escreve sobre algo em que não acredita".

Já Otto Maria Carpeaux propõe uma interpretação (aristotelicamente) dialética: "O romance Os irmãos Karamázov passa-se em dois níveis diferentes. Embaixo, a Rússia dos Karamázov, envolvida nas névoas da paixão sexual desenfreada, das bebedeiras e orgias, do crime mascarado e da justiça cega, das filosofias subversivas e das visões satânicas; o diabo aparece em pessoa para conversar com Ivan, que, por sua vez, dirige a mão do parricida. Em cima, o convento, luminoso como um reflexo de glória celeste. Essa dicotomia representa a visão dostoievskiana do futuro: o cristianismo salvará a Rússia (não o da Igreja de Roma, porém); e a Rússia fará o cristianismo vencer no mundo. Eis a mensagem de Dostoiévski, que ele lança contra a mensagem escondida na filosofia de Ivan e de todos os Ivans que esperam que a revolução salvará a Rússia e que a Rússia salvará o mundo. Pelo seu romance, afirma Dostoiévski que a primeira tese, a sua, é evangélica e que a outra é satânica. Mas não escapa à inteligência insubornável do escritor o fato de que as duas teses são, no fundo, idênticas: basta trocar um substantivo para transformar uma na outra". Outros críticos e filósofos chegaram a uma descoberta próxima. Em Dostoiévski e a consciência cristã, hoje (1971), Pierre Pascal pergunta: "Mas este paraíso na terra, que Dostoiévski não define de outra forma, será ele cristão?

Os autores que trataram dessa noção em Dostoiévski vêem nela uma sobrevivência do antigo entusiasmo dele pelo "socialismo utópico". Bem, dentro da polifonia dos romances dostoievskianos, a fala que mais impressiona o leitor, no livro, é a do "herético" Ivan Karamazóv, embora - quem sabe - a fala do autor se escondesse atrás das palavras do puro Aliocha. Aí, como provou Bakhtin, está a revolução literária do autor Dostoievski - não é a voz dele a que necessariamente se impõe. Ivan das torturas infligidas às crianças, Ivan que recusa o bilhete desse mundo de Deus, Ivan que compõe A lenda do grande inquisidor. Ainda mais paradoxal, as sementes de trigo da epígrafe produziram fruto sim, mas curiosamente, no sentido oposto ao que Dostoiévski esperava. O "nosso pobre povo" quer o Milagre, o Mistério e a Autoridade em que se apoiar, enquanto o deus Capitalismo - o que o narrador execrava na figura do velho pai hedonista, Fiódor Pávlovitch Karamázov - continua regendo os destinos do mundo, até sua utópica derrocada.

Aurora F. Bernardini é professora de pós-graduação em Literatura Russa da USP

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Fábrica de hits do pântano chega aos 40

Seis álbuns originais do famoso grupo de rock caipira Creedence Clearwater Revival são lançados com extras e encartes

Fonte: Folha

Existem duas curiosidades sobre o Creedence Clearwater Revival que ajudam a definir a banda.

A primeira diz respeito ao som propriamente dito. Ele evoca, tanto as letras quanto as músicas, um som rural, interiorano, de uma América profunda. "Born on the Bayou", "Green River", "Lodi", "Who'll Stop the Rain", "Cotton Fields" são clássicos que falam com um otimismo irreal das belezas e vantagens da vida no campo, em detrimento do buzinaço e da maldade das cidades.

Isso é óbvio para quem escuta o Creedence já na primeira vez. A curiosidade vem agora: os guitarristas John e Tom Fogerty, o baixista Stu Cook e o baterista Doug Clifford não são do sul dos Estados Unidos, não nasceram nos pântanos da Louisiana, não foram criados à margem de rios nem cresceram correndo por líricos campos de algodão.

Os quatro são de San Francisco e John Fogerty, o compositor de tantos clássicos, inspirou-se no que via no cinema e na TV ou ouvia nos rádios para montar essa persona caipira com quem viria a se confundir.

Essa é uma das histórias contadas pelo jornalista Ben Fong-Torres, famoso por seu trabalho na revista "Rolling Stone" nos anos 60 e 70, no encarte do primeiro disco da banda.

O relançamento dos seis discos originais, agora com músicas extras, fotos e novos textos, marca o aniversário de 40 anos do Creedence, cujo primeiro disco saiu em julho de 1968 (confira quadros à esq. e à dir.).

A segunda curiosidade referente ao CCR tem a ver com sua quase inacreditável velocidade em fabricar hits. Está certo que era uma época em que Beatles, Rolling Stones e Kinks lançavam um clássico atrás do outro, mas o Creedence exagerou.

Em 1969 e 1970, lançou cinco álbuns, todos eles figurando no top ten. A esses cinco, soma-se a estréia em 1968 e um disco temporão em 1972, "Mardi Gras", que apesar de ostentar o nome da banda na capa, já não era mais o CCR original.

Tom Fogerty tinha abandonado o barco e seu irmão John, a principal força criativa do grupo, estava livre para exercer sua ditadura. Assim, obrigou o baixista e o baterista a comporem canções nas quais se recusava a colaborar de qualquer maneira além de fazer uma guitarrinha base. Uma única canção restou dessa fase esquecível: "Sweet Hitch-Hiker", de John Fogerty.

Já os extras sonoros dos seis álbuns trazem takes descartados, canções ao vivo -principalmente gravadas na Europa, para onde a banda excursionou em 1971, já sem Tom- e uma única música inédita em CD: "Call it Pretending", lado B do primeiro single do Creedence, ainda sob o nome The Golliwogs. O lado A, "Porterville", saiu no primeiro disco do CCR.

Número dois

Uma última curiosidade, esta apenas curiosa: apesar de emplacar tantos hits e lançar tantos álbuns campeões de vendagem, o CCR jamais colocou uma canção em primeiro lugar nos Estados Unidos.

Meteu, isso sim, cinco em segundo lugar: "Proud Mary", "Bad Moon Rising", "Green River", "Travellin" Band" e "Lookin" Out My Back Door".

Outros top ten foram "Down on the Corner" (3º lugar), "Up Around the Bend" (4º), "Have You Ever Seen the Rain" (8º) e "Sweet Hitch-Hiker" (6º).

"Proud Mary", hoje provavelmente a canção mais conhecida do Creedence, conseguiu manter a segunda posição por três semanas, mas não chegou lá no topo. Bob Dylan, por outro lado, declarou ser esta sua canção preferida de 1969. O que já é mais que suficiente.

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DISCOS DO CREEDENCE

Gravadora: Universal

Quanto: R$ 44,90, cada

Avaliação: ótimo

DISCOGRAFIA

Os três primeiros

"Creedence Clearwater Revival"

Lançamento: julho de 1968

Posição na Billboard: 52º

Clássicos: "Suzie Q", "I Put a Spell on You"

Principal extra: "Before You Accuse Me", que seria regravada em versão melhor e mais rápida no quinto disco, "Cosmo's Factory"

"Bayou Country"

Lançamento: janeiro de 1969

Posição na Billboard:

Clássicos: "Born on the Bayou", "Good Golly Miss Molly", "Proud Mary"

Principais extras: versões ao vivo de "Born on the Bayou", em Londres, e "Proud Mary", em Estocolmo, da turnê de 1971

"Green River"

Lançamento: agosto de 1969

Posição na Billboard: 1º

Clássicos: "Green River", "Bad Moon Rising", "Lodi"

Principais extras: duas músicas inacabadas, sem vocal, "Broken Spoke Shuffle" e "Glory Be"

Os três últimos

"Willy and the Poor Boys"

Lançamento: novembro de 1969

Posição na Billboard:

Clássicos: "Down on the Corner", "Cotton Fields", "Fortunate Son"

Principal extra: versão bem mais pesada que a original de "It Came Out of the Sky", ao vivo em Berlim

"Cosmo's Factory"

Lançamento: julho de 1970

Posição na Billboard: 1º

Clássicos: "Travellin" Band", "Lookin" Out My Back Door", "Run Through the Jungle", "Who'll Stop the Rain" "I Heard it Through the Grapevine"

Principal extra: jam session com a banda de soul Booker T. & the M.G.'s, tocando "Born on the Bayou"

Pendulum

Lançamento: dezembro de 1970

Posição na Billboard: 5º

Clássicos: "Hey Tonight", "Have You Ever Seen the Rain"

Principal extra: esquisitíssimo single promocional "45 Revolutions Per Minute (Parts 1 & 2)", uma colagem de entrevistas, barulhos e sons, na esteira de "Revolution 9", dos Beatles

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

O favorito

“A dúvida é se Luxemburgo não seguiu a Buenos Aires por amor ao clube ou se ficou por vaidade estrelada"

 

XICO SÁ

AMIGO TORCEDOR , amigo secador, você liga a tevê, ali em uma quarta sem grandes atrações ludopédicas, e vê o treinador de sua equipe como comentarista de um jogo também do seu time.

Como você não está muito concentrado e sua mulher parece cada vez mais encantadora, você aumenta o volume e reconhece a voz. Duas bolas foras depois, não tem dúvida: o técnico do seu time comenta os erros de posicionamento dos seus bravos atletas e ainda tenta repará-los; vezes telepaticamente, vezes pelo celular ou rádio, algo do gênero.

Sim, amigo, tudo bem, o certame em jogo era a Sul-Americana, taça que os brasileiros ainda desprezam, como passaram toda uma vida esnobando também a Libertadores -do contrário o Santos e o Botafogo teriam um balaio de títulos, que pena! Sim, amigo, que lição de envolvimento com os atletas que viajaram, que aula de compromisso passional com o clube, não acha? Enfim, que belo exemplo!, como disse o Sócrates no programa "Cartão Verde".

Fica uma dúvida, posta à sombra moral de quem não escreve certezas absolutas, mas tem o direito à desconfiança inata do bicho homem que pensa: o técnico não seguiu com o time para ficar concentrado no Brasileiro ou fez opção pelo convite ao palco iluminado da Globo? Não que ele precise de tal expediente, afinal é o favorito e já pisa no chão de estrelas, é "o bom", como na autodefinição preferida, noves fora a tentação pecaminosa da soberba.

Para além do bem e do mal, todo cidadão tem direito a uma dúvida à moda Tostines por semana. Eis aí a deste secador pé-de-chinelo: não seguiu a Buenos Aires por amor ao clube ou ficou por vaidade estrelada? Se o time que treina for campeão nacional, nem um torcedor lembrará da ocorrência. Terá a mesma validade desta crônica: embrulhar o peixe da feira. Mas se não triunfa, sendo ele favorito, pois treina uma rara equipe com investimentos milionários em solo pátrio, a memória de quarta lhe custará uma fortuna.

Ainda durante o jogo em que o nosso personagem viveu a experiência de teletreinador, um amigo exclamava: "No Corinthians, isso seria impossível, a torcida não perdoaria, mesmo que a gente estivesse na Terceirona!" Não sei se vem ao caso, fica mais uma dúvida para o debate no café da firma ou à noite no boteco.

"E o cara ainda fica comentando sobre o São Paulo e sobre o Grêmio, vai cuidar do seu time, rapaz", berrou outro exaltado telespectador que viu comigo o embate de quarta.

É, amigo, o que seria uma modorrenta noite de futebol, acabou, por causa do técnico comentarista, tendo a sua graça. Para completar o realismo-fantástico da Sul-Americana, o André Luiz, do Botafogo, desclassificado pelo Estudiantes, deu cartão amarelo para o árbitro do jogo.

No Canindé

Melancólico qual uma boa letra de fado, Edgar, o corvo, adotou a Lusa na reta final do Brasileiro. Assim como fez no Maracanã, contra o Flamengo, amanhã estará no Canindé para secar o São Paulo. "Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal/ Ainda vai tornar-se um imenso Portugal", grasna a maldita ave, com a música de Chico Buarque e Ruy Guerra. É a sua melô do infortúnio e da desgraça.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Telefônica Trio Tons Especial

Um espetáculo gratuito que reunirá, em 9 de novembro, no Parque Villa-Lobos, 10 grandes nomes da música brasileira: Paralamas do Sucesso, Daniela Mercury, Toni Garrido, Roberta Sá, Celso Fonseca, Diogo Nogueira, Paula Lima, Nando Reis, Ana Cañas e o Grupo Sinfônico Arte Viva, regido pelo Maestro Amilson Godoy. O evento faz parte das comemorações dos 10 anos da Telefônica no Brasil.

Agrupados em duplas – Roberta Sá & Celso Fonseca, Paula Lima & Diogo Nogueira, Ana Cañas & Nando Reis, acompanhados pela orquestra -, os artistas apresentarão músicas de suas carreiras, além de canções consagradas. Perto do final do espetáculo subirão ao palco os Paralamas, Daniela Mercury e Toni Garrido interpretando seus maiores sucessos. O grande encerramento reunirá todos os artistas celebrando uma festa musical para o público presente.

A megaestrutura que será montada no Parque Villa-Lobos para o evento inclui um palco de 13 m de altura, 50 m de largura e 22m de comprimento, ladeado por dois telões LED de 5m x 4m no lado externo e um grande telão de led dentro do palco, transmitindo o show para o público com imagens em alta definição. Outros números impressionantes: 450 mil watts de som, 900 mil watts de luz, 600 profissionais envolvidos na produção e realização do espetáculo.

Telefônica Trio Tons

Horário: Domingo (9), às 16h

Preço: Grátis

Data: de: 09/11/2008

Local: Parque Villa-Lobos

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A esperança continua!

Não queria ser chato, mas já o estou sendo...

Volto outra vez a este espaço para deixar mais uma opinião, desta vez do jornalista Vitor Hugo, publicado no Blog do NoBlat, sobre o resultado das eleições do Rio de Janeiro e a derrota de Fernando Gabeira, vale a reflexão....e fica a pergunta, porque não????

Gabeira presidente

Depois das 19h, as urnas do Rio de Janeiro já não permitiam dúvidas ou ilusões sobre a escolha do peemedebista Eduardo Paes para prefeito da cidade. Uma das redes nacionais de TV começa a transmitir sons e imagens do salão de conferências de um hotel da Zona Sul, à espera da entrevista coletiva do verde Fernando Gabeira, para reconhecimento da derrota. Mesmo na agitação geral da entrada do candidato, dá para ouvir o grito do fundo da sala, captado com nitidez pelo microfone em cima da mesa: "Gabeira Presidente!".

Na Bahia, de onde acompanhava o anticlímax da eleição carioca, deu para ver também o ar de sobressalto exibido por Gabeira, diante da palavra de ordem. Reação, aparentemente, causada pela descarga de eletricidade que costuma percorrer a espinha em momentos assim. O impacto é visível igualmente no rosto de alguns integrantes do grupo de aliados e amigos que acompanhavam o candidato, naquele momento dos mais complicados para qualquer político, por mais sereno e sem ambição que ele seja.

Mais tarde comento com alguns colegas de profissão e amigos mais próximos, em Salvador, o episódio do grito "Gabeira presidente", que passou batido nas perguntas da coletiva. Até onde sei, não mereceu também referência específica nos noticiários daquela noite nas rádios e tevês, nem nas matérias sobre o "day after" da votação, nos jornais impressos de segunda-feira. Ouvi de alguns: "este fato é irrelevante". Outros completaram: ninguém "de bom senso" pode imaginar Gabeira aventurando-se em disputa presidencial, pois ele acaba de sair das urnas com a sua eleição de Senador praticamente garantida, pelo Rio de Janeiro. E, se forçar um pouco, de governador em 2010.

Ainda assim fiquei "meio encucado", para usar expressão tão cara e familiar aos sobreviventes dos anos 60. Só senti algum alívio quando deparei esta semana com uma enquete no Blog do Noblat e, principalmente , ao ler o artigo "O voto que não dei", assinado por Carlos Heitor Cony, na edição da Folha de S. Paulo, dois dias depois da apuração do mais empolgante pleito municipal de 2008.

Cony revela não ter comparecido à sua secção eleitoral para cumprir o chamado "dever cívico" de votar, no último domingo. Tudo bem. Caetano Veloso, um dos mais destacados cabos eleitorais de Gabeira na campanha, também não votou no segundo turno - a constatação coube ao incansável repórter do CQC, Felipe Andreolli, que passou horas de plantão sob um sol de ferver miolos, na frente do prédio onde vota o artista, até o derradeiro votante, e o autor de "Sem lenço nem documento" não apareceu. Estava na Itália cumprindo compromisso profissional, como se saberia depois.

No texto primoroso de seu espaço na página de Opinião da Folha, Cony dá justificativa mais prosaica para a sua ausência. Disse que votaria nos dois candidatos que se apresentaram ao eleitorado carioca, mas a lei proíbe esse gesto de solidariedade e reconhecimento, e seu voto seria anulado. "Queimando etapas, preferi ficar em casa", explica.

O escritor e jornalista, apesar da abstenção, exalta a mensagem positiva dada mais uma vez ao Brasil pelo eleitorado do Rio de Janeiro, "ao escolher um prefeito tradicional em termos políticos, jovem, preparado administrativamente para o dia-a-dia inglório de uma cidade cheia de encantos mil, mas de problemas também mil. Em seguida, o justo reconhecimento de que a grande novidade mesmo foi o candidato derrotado, que trouxe uma idéia nova em termos eleitorais.

"Sem experiência de executivo, pensador em horário integral", Gabeira, segundo o autor de "O Ato e o Fato", um dos livros de textos básicos da minha formação profissional, explicitou uma proposta conceitual para o debate político. "Perdeu eleitoralmente, mas ganhou politicamente", constata com precisão o articulista.

Mas onde eu quero chegar mesmo é em outra conclusão emblemática do texto publicado na Folha. O autor confessa que se fosse obrigado a votar domingo passado, com uma arma nas costas, teria votado em Paes para prefeito, mas guardaria Gabeira - "prefeito ele seria um desperdício" - para votar na próxima sucessão presidencial. "Não estaria votando num candidato, muito menos num partido ou ideologia. Estaria votando numa visão nova de encarar a sociedade e o Estado".

Na mosca, Cony! "Gabeira Presidente!" A esperança continua!

Crise? Compre um livro e se divirta

Há especialistas que garantem: a crise da economia mundial e o aperto no consumo não afetarão saúde do mercado editorial

Fonte: O Estado

Quando a economia vai bem, sempre aparece alguém para anunciar a “morte do livro”. Com a economia mundial na maior sinuca desde a Depressão, era de se esperar que até nos precisassem a data do enterro. Mas, apesar da recessão à vista e da alta dos custos de papel e impressão, a mais recente profecia sobre o futuro do livro não fala em morte, e sim em ressurreição. “Os livros podem recuperar o terreno supostamente perdido para outras formas mais dispendiosas de entretenimento”, previu há dias o britânico Laurence Orbach, há 32 anos à frente da editora Quarto.

Armado de números, Orbach minimiza os efeitos do aperto no consumo (“as vendas de títulos publicados continuam firmes e até subiram em algumas categorias”) e antevê um horizonte cor-de-rosa para quem se dispuser a investir em seu ramo de negócios: “Livros não dependem de publicidade, ao contrário das empresas de comunicação.” Também ganham na relação custo-benefício. Nos primeiros nove meses deste ano, as vendas da Quarto subiram 17% e seu lucro em operações paralelas foi de 15%. Qual o segredo? Livros de catálogo, relevantes por longo tempo, chova ou faça sol.

Foram livros de catálogo que asseguraram o “muito bom ano” que a Companhia das Letras viveu até agora, segundo Luiz Schwarcz. Cauteloso, mas otimista, Schwarcz acredita que as editoras e o comércio de livros possam de fato ser menos atingidos pela crise. “Livros são relativamente baratos, custam em média entre R$ 20 e R$ 40, e sua venda não depende de financiamento ao consumidor, como no caso dos eletrodomésticos”, acrescenta Roberto Feith, da Objetiva. “As vendas de automóveis já foram afetadas, as de livros, não”, ressalta Feith. Sem triunfalismo, pois sabe que o movimento nas livrarias depende, basicamente, do poder de compra da classe média, e há uma retração econômica agendada para 2009. “Este ano foi muito bom e penso que o Natal ainda será, mas 2009 deve ser mais difícil.”

Mais cético, Paulo Roberto Pires, diretor editorial da Agir, receia que ao menos uma marola do tsunami econômico-financeiro nos atinja. “Em nosso laguinho editorial, uma marola já faz um estrago danado”, salienta, fazendo questão de acentuar a excepcionalidade da editora de Orbach: “A Quarto faz packaging, isto é, vende livros prontos, com direitos zerados, para serem impressos para diversos países ao mesmo tempo, um modelo no qual a também inglesa DK é mestre.”

Na segunda-feira, a Doubleday Publishing Group, divisão da Random House que engloba quatro selos editoriais, dispensou 16 funcionários ou 10% de sua equipe. Era mais um sinal de que, ao contrário das estimativas de Orbach, a indústria de livros não vai bem das pernas. Ao menos nos EUA, epicentro da atual crise econômica, não vai. As vendas das cinco maiores editoras americanas subiram 0,5% na primeira metade de 2008, mas o movimento nas livrarias declinou em junho e deverá cair mais até o fim do ano, confirmando as ominosas avaliações de uma reportagem de Boris Kachka, publicada em 14 de setembro pela New York Magazine, com o lacônico título de “The end” (o fim). Oculto por elipse, o complemento “of publishing”.

O “fim da indústria editorial” tal como a conhecemos já estaria se processando a pleno vapor, espreitada de perto (perto até demais) pelo Kindle, o livro eletrônico da Amazon. Embora desencadeado antes das recentes turbulências no mercado financeiro, estas só contribuíram para dar razão aos seus oráculos. Wall Street ainda parecia navegar em águas plácidas quando as vendas de livros começaram a estagnar e uma expiação em regra teve início. Cabeças coroadas rolaram pelas mais cobiçadas portas das editoras, autores VIP foram avisados de que contratos milionários e generosos adiantamentos sobre hipotéticas estimativas de retorno tornaram-se coisa do passado - de um passado bonançoso, que, acredita-se, não volta mais.

Como os bancos e as financeiras que andaram quebrando nas últimas semanas, os conglomerados que se apossaram da indústria de livros foram vítimas de executivos desmedidamente ambiciosos e da insaciável ganância de seus acionistas. Buscar superávits de dois dígitos num ramo de negócios acostumado a 5% de lucratividade média revelou-se uma colossal insensatez. Absorvidas pelas cinco grandes corporações do ramo, pequenas editoras abriram mão de sua política editorial, ampliando a mesmice e contribuindo para um empobrecimento generalizado.

“O mercado teve suas opções drasticamente reduzidas”, analisou um poderoso agente literário. “A concorrência estreitou-se, escravizando as editoras a best sellers e à pilantragem retórica dos marqueteiros. Mas nem esta está dando mais certo. Até memórias de celebridades televisivas já não vendem tanto quanto algum tempo atrás, e é possível que os livros sobre cães e gatos, a coqueluche do momento, já estejam na linha de tiro. Ninguém sabe o que fazer. Resenhas favoráveis, jabás e recomendações na contracapa perderam seu condão combustivo. Ninguém sabe mais onde estão os leitores, nem como cativá-los.”

Em 1993 o escritor Philip Roth estimou a existência, nos EUA, de uns 120 mil “leitores sérios” (aqueles que lêem todas as noites), número que, a seu ver, cairia pela metade em 10 anos, e assim sucessivamente. Se procedente o cálculo, só cerca de 45 mil americanos vão para a cama com um livro todas as noites, atualmente. Suponho que a média brasileira não seja apenas bem inferior, mas descomunalmente inferior. Pena, porque a leitura, para cunhar uma frase original, só nos enriquece. Independentemente de gêneros.

A ficção é mais enriquecedora, defende o crítico James Wood, que publicou este ano um dos melhores ensaios da década: How Fiction Works. A ficção nos liberta, alardeia Russell A. Berman. Concordo, mas não pelos motivos arrolados por ele em Fiction Sets You Free, um dos livros mais tendenciosos dos últimos tempos, um clássico do determinismo econômico, furadíssimo se olharmos para o passado e pateticamente datado se nos fixarmos no caos presente. Publicado em 2007, despertou polêmicas periféricas em redutos que ainda levam a sério a salmodia neoconservadora, mergulhando em seguida no buraco negro do esquecimento, até ser exumado no Times Literary Supplement da semana passada, onde levou um merecido corretivo.

Berman é um autêntico oxímoro: um materialista dialético de direita. Sem, no entanto, a inteligência, o brilho, e muito menos a obra, do maluco-beleza Ezra Pound. Como o mais doutrinário ideólogo marxista, não consegue dissociar a literatura das condições econômicas sob as quais é produzida. Mas para concluir que a literatura melhor prospera - e mais libertária e enriquecedora resulta - quando produzida em países onde triunfou a economia de mercado. E todas aquelas obras-primas surgidas em regimes feudais e ditatoriais? Dostoievski não viveu no tempo dos czares?

Há quatro anos, Berman publicou uma catilinária bushista contra o antiamericanismo europeu, com base nos clichês habituais (os europeus têm uma “arraigada inveja moral” dos americanos, não toparam invadir o Iraque porque “negligenciam o genocídio”, apegam-se a idéias sócio-econômicas retrógradas, etc), de que Fiction Sets You Free é uma continuação. Para ele, ser contra os EUA, ainda que pontualmente, é ser contra o capitalismo e, por conseguinte, o humanismo, a imaginação, o empreendedorismo, a própria literatura. Toda obra ficcional, a seu ver, “cultiva a proeza imaginativa da visão empresarial”. E quem desaprova o comercialismo na literatura “está, no fundo, hostilizando os mecanismos do mercado”, assumindo uma “postura elitista”, o pejorativo da moda. Nem Ayn Rand, creio, foi tão longe na defesa de idéias recém-pervertidas pelos Gordon Gekkos de Wall Street.

A vida até parece uma festa

Nando Reis, Estado de São Paulo

Talvez soe repetido isso que vou falar, talvez seja a continuidade do que comecei na semana passada - sem perceber que antecipava o que viria a acontecer. Mas quem disse que alguém, além de mim, se lembra do que escrevi sete dias atrás? Ou se tudo o que é dito, no fundo, não é apenas continuação do que foi ouvido ou lido antes, peça preparatória do que virá mais cedo ou mais tarde? O fato é que ontem fui assistir ao filme A Vida até Parece uma Festa, de Branco Mello e Oscar Rodrigues Alves, documentário sobre a história dos Titãs. Emocionante. Brilhante na sua maneira de costurar as imagens, apresentar as músicas e, de uma forma incomum e fluente, contar o impossível: como um grupo de amigos de colégio monta uma banda e cria uma coleção surpreendente de sucessos, pérolas inacreditáveis de tão originais. Sem falsa modéstia, que puta banda é os Titãs! Claro que tem gente que não gosta e não concorda com o que acabo de dizer. Ainda bem: unanimidade não combina com arte.

Não vou contar aqui mais sobre o filme, até mesmo por que a partir de 16 de janeiro ele estará em cartaz pra quem se interessar a ver. Mas uma coisa eu quero aproveitar como assunto desse artigo. Não existe nada mais poderoso do que certas combinações complementares. Os Titãs são um excelente exemplo.

A princípio 9, depois 8, 7, 6, 5 e, ainda assim, a força da compreensão sobre o que é o outro, sobre quem são os outros, e o que juntos podem fazer pessoas que se dispõem a misturar sua disposição e criatividade. Trabalhar em grupo é se permitir a não ser você o centro as atenções o tempo todo. Deslocar o eixo do seu interesse e de sua atração para outro pensamento, outra forma de comunicação e, a partir dela, através dela, formular uma nova expressão própria, resultante da informação adquirida. Assim, numa espécie de corrente, de fluxo e sucessão de entendimento/desentendimento, aceitação e recusa, compreensão e incomunicabilidade, vai sendo criada uma linguagem comum, a voz que traduz o pensamento que não é particular, mas diz e fala sobre todos. Não é fácil, nem sempre é bom, mas, como tudo aquilo em que acredito que seja verdadeiro e humano, se torna poderoso quando é transformador.

Durante os 20 anos em que fiz parte da banda, vivi todos os lados desse balaio. Fui núcleo e periferia, gozei de prestígio e fui marginalizado, contribui e boicotei, joguei limpo e sujo, admirei, invejei, ouvi, falei, gritei, barbarizei, gargalhei, ri e chorei intensamente. Não saberia dizer a quantidade de shows que fizemos, não importa, foram muitos, milhares. De todos os tipos: pra ninguém, para 100 mil no Maracanã, com performances inspiradas, outras completamente alcoolizadas, algumas mecânicas, mas a maioria com a alma entregue para ser sangrada e esfarrapada. De todas, saí diferente de como entrei. De algumas, não sei como saí vivo.

Trabalhar com um bando de amigos é um privilégio. Poder desentender-se sabendo que há um vínculo amoroso que predominará e fará a reconciliação, é uma dádiva. Mas um grupo é sempre um mistério. Por mais que você tenha a intimidade da convivência, nunca desvenda o que habita uma mente e um coração que não seja o seu. Eis o segredo, a magia - e também a desgraça. Gosto assim. Sem risco a vida não vale a pena. Assistindo ao filme, pensei naquilo que é o aspecto que sempre fez a música se parecer com o futebol: certas escalações se tornam clássicas. É o caso dos Titãs.