segunda-feira, 30 de março de 2009

Inspiração....

Escrito pelo amigo Duda, em um dia de muita inspiração! (e bota inspiração nisso)

"Nós somos bibliotecários!

e nem por isso deixamos de ser otários

Irmã Iracema com seu escapulário

Eu derrubei suas fitas do armário”

“Nós somos profissionais da informação

Não acreditamos no que está na televisão

Nos informamos por outros meios de comunicação

Pelo porteiro, segurança ou radio-peão

“Nós que mandamos na biblioteca

Enxotamos quem está tirando uma soneca

No arquivo, na estante, mapoteca

Ai meu Deus fiquei sem rima, então vou contar que to ficando careca”

“Nós somos de importância fundamental

Para o futuro em âmbito mundial

Selecionamos o que entra em seu jornal

E censuramos qualquer ato de conjunção carnal (\o/)”

“E no fim dessa prosa / poesia

Da qual vim expor o que sentia

Mando um abraço, em homenagem a esse dia

Para meus amigos da biblioteconomia”

quarta-feira, 18 de março de 2009

O Deus dos palpiteiros

Uma critica muito bem fundamentada principalmente sobre a obra de Richard Dawkins, Deus, um delírio!

Ensaio que saiu hoje no Jornal o Diário do Comercio, que vale aqui um elogio, jornal este muito bem formatado e com gostoso de se ler....

Não quero aqui tomar partido ou fazer alguma apologia sobre a existência ou não de Deus, mas mostrar várias ideias de inúmeros estudiosos sobre o assunto.....

Boa leitura!

O Deus dos palpiteiros

Esse Deus objetivado não existe nem pode existir, pois é logicamente autocontraditório.

Olavo de Carvalho

Se há um Deus onipotente, onisciente e onipresente, é óbvio que não podemos conhecê-Lo como objeto, ou mesmo como sujeito externo, mas apenas como fundamento ativo da nossa própria autoconsciência, maximamente presente como tal no instante mesmo em que esta, tomando posse de si, se pergunta por Ele. Tal é o método de quem entende do assunto, como Platão, Aristóteles, Sto. Agostinho, S. Francisco de Sales, os místicos da Filocalia, Frei Lourenço da Encarnação ou Louis Lavelle.

Quando um Richard Dawkins ou um Daniel Dennett examinam a questão de um “Ser Supremo” que teria “criado o mundo” e chegam naturalmente à conclusão de que esse Ser não existe, eles raciocinam como se estivessem presentes à criação enquanto observadores externos e, pior ainda, observadores externos de cuja constituição íntima o Deus onipresente tivesse tido a amabilidade de ausentar-se por instantes para que pudessem observá-Lo de fora e testemunhar Sua existência ou inexistência.

Esse Deus objetivado não existe nem pode existir, pois é logicamente autocontraditório. Dawkins, Dennett e tutti quanti têm toda a razão em declará-lo inexistente, pois foram eles próprios que o inventaram. E ainda, por uma espécie de astúcia inconsciente, tiveram o cuidado de concebê-lo de tal modo que as provas empíricas da sua inexistência são, a rigor, infinitas, podendo encontrar-se não somente neste universo mas em todos os universos possíveis, de vez que a impossibilidade do autocontraditório é universal em medida máxima e em sentido eminente, não dependendo da constituição física deste ou de qualquer outro universo.

Se você não “acredita” no Deus da Bíblia, isso não faz a mínima diferença lógica ou metodológica na sua tentativa de investigar a existência ou inexistência d’Ele, quando essa tentativa é honesta. Qualquer que seja o caso, você só pode discutir a existência de um objeto previamente definido se o discute conforme a definição dada de início e não mudando a definição no decorrer da conversa, o que equivale a trocar de objeto e discutir outra coisa.

Se Deus é definido como onipotente, onisciente e onipresente, é desse Deus que você tem de demonstrar a inexistência, e não de um outro deus qualquer que você mesmo inventou conforme as conveniências do que pretende provar.

O método dos Dawkins e Dennetts baseia-se num erro lógico tão primário, tão grotesco, que basta não só para desqualificá-los intelectualmente nesse domínio em particular, mas para lançar uma sombra de suspeita sobre o conjunto do que escreveram sobre outros assuntos quaisquer, embora seja possível que pessoas incompetentes numa questão que julgam fundamental para toda a humanidade revelem alguma capacidade no trato de problemas secundários, onde sua sobrecarga emocional é menor.

Longe de poder ser investigado como objeto do mundo exterior, Deus também é definido na Bíblia como uma pessoa, e como uma pessoa sui generis que mantém um diálogo íntimo e secreto com cada ser humano e lhe indica um caminho interior para conhecê-La. Só se você procurar indícios dessa pessoa no íntimo da sua alma e não os encontrar de maneira alguma, mesmo seguindo precisamente as indicações dadas na definição, será lícito você declarar que Deus não existe. Caso contrário você estará proclamando a inexistência de um outro deus, no que a Bíblia concordará com você integralmente, com a única diferença de que você imagina, ou finge imaginar, que esse deus é o da Bíblia.

Quando o inimigo da fé faz um esforço para ater-se à definição bíblica, ele o faz sempre de maneira parcial e caricata, com resultados ainda piores do que no argumento da “criação”. Dawkins argumenta contra a onisciência, perguntando como Deus poderia estar consciente de todos os pensamentos de todos os seres humanos o tempo todo.

A pergunta é aí formulada de maneira absurda, tomando as autoconsciências como objetos que existissem de per si e questionando a possibilidade de conhecer todos ao mesmo tempo ex post facto. Mas a autoconsciência não é um objeto. É um poder vacilante, que se constitui e se conquista a si mesmo na medida em que se pergunta pelo seu próprio fundamento e, não o encontrando dentro de seus próprios limites, é levado a abrir-se para mais e mais consciência, até desembocar numa fonte que transcende o universo da sua experiência e notar que dessa fonte, inatingível em si mesma, provém, de maneira repetidamente comprovável, a sua força de intensificar-se a si próprio.

Dez linhas de Louis Lavelle sobre este assunto, ou o parágrafo em que Aristóteles define Deus como noesis noeseos, a autoconsciência da autoconsciência, valem mais do que todas as obras que Dawkins e Dennett poderiam escrever ao longo de infinitas existências terrestres. Um Deus que desde fora “observasse” todas as consciências é um personagem de história da carochinha, especialmente inventado para provar sua própria inexistência. Em vez de perguntar como esse deus seria possível, sabendo de antemão que é impossível, o filósofo habilitado parte da pergunta contrária: como é possível a autoconsciência?

Deus não conhece a autoconsciência como observador externo, mas como fundamento transcendente da sua possibilidade de existência. Mas você só percebe isso se, em vez de brincar de lógica com conceitos inventados, investiga a coisa seriamente desde a sua própria experiência interior, com a maturidade de um filósofo bem formado e um extenso conhecimento do status quaestionis.

O que mata a filosofia no mundo de hoje é o amadorismo, a intromissão de palpiteiros que, ignorando a formulação mesma das questões que discutem, se deleitam num achismo inconsequente e pueril, ainda mais ridículo quando se adorna de um verniz de “ciência”.

Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de Filosofia

segunda-feira, 16 de março de 2009

Mário de Andrade deve reabrir no 2º semestre deste ano

Mário de Andrade deve reabrir no 2º semestre deste ano

Biblioteca está fechada para reforma e restauro desde setembro de 2007; obras vão custar R$ 25 milhões

Todo o acervo em risco (210 mil exemplares) foi levado a uma câmara de extermínio de insetos, em um galpão na zona sul de São Paulo

Fonte: Folha

"Os Demônios", do russo Fiódor Dostoievski, está de fato possuído por forças destrutivas. O livro é um dos cerca de 60 mil exemplares da biblioteca municipal Mário de Andrade, no centro de São Paulo, carcomidos por insetos. Outros 150 mil também estão sob risco. "A biblioteca chegou ao fundo do poço", afirma o secretário municipal da Cultura, Carlos Augusto Calil.

Fechada para reforma e restauro desde setembro de 2007 e com reabertura prevista para o segundo semestre deste ano, a biblioteca abrigava seus livros em salas sem ar-condicionado e com janelas abertas. Por ali, entraram cupins e brocas -espécie de besouro que perfura volumes de uma mesma prateleira, criando túnel contínuo.

Segundo o secretário, a biblioteca, projetada pelo francês Jacques Pilon, erguida em 1942 e hoje tombada, já demandava melhorias desde os anos 50. A demora, diz, ocorreu por conta de questões políticas e de falta de verba -a obra atual, no valor de R$ 25 milhões, está sendo paga com recursos da prefeitura e do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

Os insetos são atraídos pelas edições antigas, que usavam menos material químico e mais orgânico -eles se alimentam de amido, encontrado na cola de capas e lombadas, e de celulose, presente no papel.

De acordo com Stephan Schäfer, responsável pelo processo de desinfestação, a maior parte do acervo foi corroída por brocas, mais difíceis de combater. Segundo ele, diferentemente do cupim, as brocas não formam colônias concentradas, mas se espalham de forma difusa. A solução então foi levar todo o acervo em risco -210 mil exemplares, o equivalente a 10 km de livros enfileirados- para uma câmara de extermínio de insetos, em um galpão em Santo Amaro, zona sul.

O serviço tem início ainda na biblioteca, onde funcionárias espanam com pincéis página por página, livro por livro, retirando o pó e os insetos -que, às vezes, escondidos nos buracos que formam, são extraídos com pinça. Depois os volumes são embalados um a um, encaixotados e levados ao galpão.

O primeiro lote, de 70 mil volumes, já está guardado em uma espécie de bolha com baixa concentração de oxigênio, para que os bichos sejam asfixiados. Depois disso, mais dois lotes passarão pelo mesmo processo. Cada um deles fica reservado por cerca de um mês.

"Não é só uma desinfestação, é algo que ocorre no bojo de um processo de revitalização geral", afirma Calil, citando restauro, reforma e instalação do acervo em um prédio anexo.

O primeiro lote limpo, previsto para regressar à biblioteca em meados de abril, irá inaugurar o anexo, uma torre de 22 andares. Segundo Rafaela Bernardes, responsável pela obra, as salas terão ar-condicionado, janelas vedadas e com insulfilme, para proteger do sol.

Brasil tem uma biblioteca para cada 33 mil habitantes

Brasil tem uma biblioteca para cada 33 mil habitantes

90% das 5.796 bibliotecas públicas registradas não têm acervo adequado, diz presidente de conselho de biblioteconomia

França tem 13 vezes mais bibliotecas por habitante, proporcionalmente, do que o Brasil; Amazonas é Estado com situação mais grave

Fonte: Folha

O Brasil tem apenas uma biblioteca pública para cada 33 mil habitantes. São hoje 5.796 bibliotecas públicas cadastradas ou em processo de implantação. Os números são resultado de um levantamento feito pela Fundação Biblioteca Nacional a pedido da Folha.

Na Argentina, a média é de uma biblioteca para cada 17 mil pessoas. Segundo o CFB (Conselho Federal de Biblioteconomia), a proporção na França é de uma instituição para cada 2.500 pessoas.

Anteontem foi celebrado o Dia do Bibliotecário no Brasil, onde cerca de 6,5% municípios (361) não possuem uma biblioteca. A meta do governo federal é zerar o número de cidades sem esses espaços até 2010.

Para a presidente do CFB, Nêmora Arlindo Rodrigues, o índice de bibliotecas por habitante no país é "tragicamente insuficiente". "Reconhecemos as iniciativas do Ministério da Cultura, que são um avanço, mas estamos longe do ideal."

Segundo Rodrigues, cerca de 90% das bibliotecas não têm acervo adequado, não atendem às demandas nem possuem profissionais capacitados. "Somos pouco mais de 30 mil bibliotecários e a maioria trabalha em outros locais", diz.

O ideal seria que uma biblioteca com 201 livros tivesse ao menos um profissional em biblioteconomia, diz Regina Céli de Sousa, ex-presidente do CRB (Conselho Regional de Biblioteconomia) de São Paulo.

O Estado com a situação mais grave é o Amazonas, onde há 19 bibliotecas para 3,2 milhões de habitantes - uma para cada quase 170 mil pessoas.

Sharles Silva da Costa, diretor de bibliotecas do Amazonas, diz que o levantamento não leva em conta o número dessas instituições em Manaus - ele não informa quantas são.

Mesmo assim, diz, quase dois terços dos municípios no Estado não têm bibliotecas. Já o Tocantins, com 144 bibliotecas e 1,2 milhão de habitantes, tem o melhor índice do país: 10 mil pessoas por biblioteca. Cada espaço, segundo o governo local, tem ao menos 3.000 itens em seu acervo.

São Paulo, com 714 e dez cursos de biblioteconomia, tem o melhor acervo e estrutura, afirma o conselho. Só a capital tem um acervo com cerca de 2 milhões de livros. Mas no ranking "biblioteca por habitante", o Estado é o sexto pior.

Segundo o Instituto Pró-Livro, cerca 73% dos brasileiros não frequentam bibliotecas.

Além das instituições públicas, o país tem 52.634 bibliotecas escolares, 2.165 universitárias e cerca de 10 mil comunitárias.

sexta-feira, 13 de março de 2009

quinta-feira, 12 de março de 2009

O caso Battisti, continuação

Itália insulta o Brasil no caso Battisti, diz filósofo italiano Toni Negri

Fonte: Thiago Scarelli , do UOL Notícias

A Itália adota uma postura "insultante" com o Brasil no conflito em torno do ex-ativista Cesare Battisti, porque não se trata de um país desenvolvido, e mente quando diz que vivia um Estado de Direito nos anos 70. A análise é do filósofo italiano Antonio Negri, que passou mais de dez anos preso por seu envolvimento com a militância de esquerda na Itália.

Negri é co-autor, com Michael Hardt, do livro "Império", publicado no Brasil em 2001 e umas das obras mais importantes e polêmicas sobre o processo de globalização. Com Giuseppe Cocco, publicou "Global - Biopoder e Luta em uma América Latina Globalizada", em 2005.

Leia abaixo a entrevista completa, concedida por Negri via telefone desde Veneza.

UOL - Como o senhor vê a posição da Itália no caso Battisti?

Antonio Negri - A posição italiana é uma posição muito complexa. Como se sabe, o governo italiano é um governo de direita e é um governo que, depois de 30 anos, retomou a perseguição das pessoas que se refugiaram no exterior depois do final dos anos 70, depois do final dos anos nos quais na Itália houve um forte movimento de transformação, de rebelião. E, portanto, o governo italiano retoma hoje uma campanha pela recuperação destas pessoas. Em particular, tentou fazê-lo com a França, para conseguir a extradição de Marina Petrella [condenada por subversão pela justiça italiana] e não conseguiu porque o governo francês, a presidência francesa [Nicolas Sarkozy], impediu. Neste ponto, aparece em um momento exemplar o caso Battisti.

UOL - O que o senhor quer dizer com perseguição? É perigoso neste momento para Battisti retornar à Itália?

Negri - Eu não sei se é perigoso. Mas é certo que ele foi condenado à prisão perpétua e seria para ele uma situação muito grave.

UOL - Um dos motivos que o Brasil cita para manter o refúgio político é a ameaça de perseguição política contra Battisti...

Negri - Mas seguramente ele seria alvo de uma perseguição política e midiática.

UOL - Trata-se, portanto, de um temor com fundamento?

Negri - Veja bem, o governo italiano, depois de 30 anos, quer recuperar, para fazer um exemplo, as pessoas que se refugiaram no exterior. E que se refugiaram no exterior porque na Itália havia uma condição de Justiça que era impossível de aguentar.

UOL - O que significa esse "exemplo"? A punição de Battisti resolveria a questão da violência na Itália nos anos 70?

Negri - Precisamente. Resolveria em dois sentidos: por um lado, se recupera aquilo que eles chamam 'um assassino'; e por outro se esquece aquele que foi um Estado de Exceção, que permitiu a detenção e a prisão preventiva de milhares de pessoas durante estes anos. É necessário recordar que nos anos 70 o limite jurídico da prisão preventiva era fixado em 12 anos. É necessário recordar o uso da tortura e de processos sumários inteiramente construídos sob a palavra de presos aos quais era prometida a liberdade em troca de confissões. Este foi o clima dos anos 70. E não nos esqueçamos que nos anos 70 houve 36 mil detenções, seis mil pessoas foram condenadas e milhares se refugiaram no exterior. E se há quem duvide desses números, e que quer continuar duvidando, basta que deem uma olhada nos relatórios da Anistia Internacional naqueles anos. Portanto, essa é uma questão muito séria. O caso Battisti é, na verdade, um pobre exemplo de uma estrutura, de um sistema no qual a perseguição, insisto na palavra 'perseguição', era acompanhada por enormes escândalos na estrutura política e militar italiana. Houve uma construção, principalmente por meio de uma loja maçônica chamada P2, de uma série de atentados dos quais ainda hoje ninguém sabe quem foram os autores, atentados que deixaram milhares de mortos, por parte da direita. E o governo italiano nunca pediu, por exemplo, que o único condenado por estes atentados seja extraditado do Japão, onde se refugiou. Existe uma desigualdade nas relações que o governo italiano mantém com todos os outros condenados e refugiados de direitas que é maluca. O governo italiano é um governo quase fascista.

UOL - Se houvesse um governo de esquerda na Itália o caso seria o mesmo? [O líder da oposição de centro-esquerda] Romano Prodi faria o mesmo?

Negri - Eu não acredito que Prodi faria o mesmo, mas parte da esquerda faria o mesmo, isso é verdade.

UOL - Como o senhor vê hoje o PAC [Proletários Armados pelo Comunismo, grupo do qual Battisti fazia parte]?

Negri - O PAC era um grupo muito marginal, mas isso não significa que não estivesse dentro do grande movimento pela autonomia. Mas ouça, o problema é esse: eu acho que as coisas das quais foi acusado Battisti são coisas muito graves, mas - e isso me parece importante dizer - estas são responsabilidades compartilhadas por toda a esquerda verdadeira. Não se trata de um caso específico. O Supremo Tribunal Federal do Brasil construiu uma jurisprudência pela qual foram acolhidos outros italianos nas mesmas condições que Battisti.

UOL - E como a Itália deve solucionar esta dívida com o passado?

Negri - Isso deveria ser feito por uma anistia, mas o governo italiano nunca quis caminhar por este terreno. Talvez tudo isso tenha determinado tremendas conseqüências no sistema político italiano, porque foi retirada da história da Itália uma geração ou duas, que poderiam ter conseguido determinar uma retomada política. É uma situação muito dramática. E gostaria de acrescentar uma coisa: o a postura da Itália no confronto com o Brasil a respeito deste tema é uma postura muito insultante.

UOL - Por quê?

Negri - Trata-se de uma pressão feita sobre o Brasil, enquanto um país fraco, depois que os franceses não extraditaram à Itália Marina Petrella. Psicologicamente, trata-se de uma operação política e midiática muito pesada contra o Brasil, na tentativa de restituir a dignidade da Itália, no âmbito da busca de restituir os exilados.

UOL - O senhor acha que as autoridades italianas se sentem especialmente ofendidas pelo fato de a decisão em favor de Battisti vir de um país em desenvolvimento, antiga colônia de um país europeu?

Negri - Seguramente, porque se trata de pobres que reagem contra os ricos, contra os capitalistas.

UOL - O senhor também esteve preso?

Negri - Eu fui detido em 1979 e fiquei na cadeia até 1983, em prisão preventiva, sem processo. Em 1983, houve um eleição parlamentar e eu saí da cadeia porque fui eleito deputado, porque não era ainda condenado. Fiquei preso quatro anos e meio - e poderia ter ficado até 12. Ou seja, quando os italianos dizem que nos anos 70 foi mantido o Estado de Direito, eles mentem. E isso eu digo com absoluta precisão, com base no meu próprio exemplo: fiquei quatro anos e meio em uma prisão de alta segurança, prisão especial, fui massacrado e torturado. Pude deixar a prisão apenas porque fui eleito deputado - do contrário, eu poderia ter ficado na prisão por 12 anos, sem processo. Durante os anos que fiquei na França, exilado, eu fui processado e condenado a 17 anos de prisão, mas que foram reduzidos porque havia uma pressão pública forte em meu favor. Quando voltei para a Itália, fiquei outros seis anos presos e encerrei a questão.

UOL - Quais eram as acusações?

Negri - Associação criminosa, gerenciamento de manifestações que eram violentas nos anos 70, em Milão, em Roma, em toda Itália. Mas a primeira acusação que sofri não era de agitador político, por escrever jornais etc., mas de chefiar as Brigadas Vermelhas, o que não é verdadeiro, e de ter assassinado [Aldo] Moro, acusações das quais fui absolvido depois. Entende? Na Itália se busca desesperadamente fazer valer uma mitologia dos anos 70, que é falsa. E a direita no poder hoje busca a qualquer custo restaurar um clima de falsidade e de intimidação para não permitir que a história seja contada como foi.

UOL - Existem aí semelhanças com o governo militar no Brasil?

Negri - Isso eu não sei, porque acho que os governos militares na América Latina foram particularmente violentos. Mas o problema é outro: a questão é que a liberdade, o Estado de Direito e as regras da democracia não podem ser infringidos ou falsificados em nenhuma situação.

Quem é Antonio Negri

Antonio Negri, 75, é um filósofo italiano, professor da Universidade de Pádua (Itália) e do Colégio Internacional de Paris (França). Entre os anos 50 e 70, participou dos movimentos de esquerda na Itália, condenando tanto a direita quanto o stalinismo. Esteve preso entre 1979 e 1983, depois se exilou na França por 14 anos. Condenado por subversão, o filósofo voltou para a Itália em 1997 e cumpriu pena até 2003. Atualmente, divide seu tempo entre Veneza e Paris, cidades onde desenvolve atividades acadêmicas

O bibliotecário e a era do conhecimento

Hoje na seção TENDENCIAS E DEBATES da Folha de São Paulo

VERA STEFANOV e LEVI BUCALEM FERRARI*

“Hoje, no Dia do Bibliotecário,

esse profissional clama pelo reconhecimento social que,

todavia, ainda não lhe faz justiça plena aqui no Brasil”

AS CIVILIZAÇÕES têm como marco inicial a palavra escrita, testemunho mais eloquente de qualquer cultura. Na Antiguidade, bibliotecas foram símbolo do prestígio das cidades que as abrigavam.

Zelar por elas era tarefa das mais importantes, atribuída a um segmento nobiliárquico competente. Ainda não se distinguiam os papéis do escriba e os do bibliotecário, como os entendemos hoje, mas o fato é que esses profissionais gozavam de prestígio e respondiam diretamente ao soberano.

A partir da invenção da prensa móvel por Gutenberg, aumenta exponencialmente o número de exemplares por livro e surgem os jornais, os fascículos, as revistas. Logo, as bibliotecas demandaram profissionais especializados, na moderna figura do bibliotecário -que desenvolveram sistemas mais eficazes de catalogação, disposição, conservação etc.

No Brasil, esse marco foi estabelecido pelo engenheiro, bibliotecário, escritor e poeta Manuel Bastos Tigre.

A importância de sua contribuição é reconhecida também pela legislação, que apontou a data de seu nasci- mento -12 de março- como o Dia do Bibliotecário no Brasil.

Em 1906, Bastos Tigre viajou para os Estados Unidos, onde conheceu Melvil Dewey, que já havia instituído o sistema de classificação decimal.

A partir de 1945, trabalhou na Biblioteca Nacional e, depois, assumiu a direção da Biblioteca Central da Universidade do Brasil.

Fiéis ao espírito pioneiro de seu patrono e aos inúmeros serviços que prestou ao país e ao livro, bibliotecários brasileiros clamam na data de hoje pelo reconhecimento social que, todavia, ainda não lhes faz justiça plena.

De fato, predomina, entre nós, muito amadorismo na questão. Enquanto o bibliotecário é visto como luxo dispensável, não raro outros profissionais são chamados para quebrar o galho, comprometendo a conservação de acervos importantes, sua disposição racional e sua acessibilidade.

Nas escolas a situação é de calamidade pública. Muitas nem sequer possuem bibliotecas. Não raro, é algum professor que se encarrega de organizar o acervo. Em outras, os livros se atulham sob escadas, corredores ou salas inadequadas. O impacto é extremamente negativo na formação dos alunos. Na idade em que a leitura precisa ser valorizada para que seu hábito se cristalize, o estudante vê livros tratados como entulho. Nada o convencerá mais tarde do contrário: o livro permanecerá entulho, e sua leitura, um ato despido de sentido.

Quanto ao ensino superior, as informações não são melhores. Boa parte dos grandes complexos educacionais privados costuma adquirir muitos livros. Mas, quantos? Uma centena de exemplares pode impressionar o leigo, mas está longe da suficiência se o número de alunos por curso passa da casa do milhar. Se isso é válido para uma política hipócrita em relação ao livro, imaginemos as proporções bibliotecário/usuário nessas instituições. Seu número é quase sempre insuficiente, como são precárias suas condições de trabalho.

No momento em que governo e sociedade no Brasil se dão conta de nossos vergonhosos níveis de leitura e se mobilizam para superá-los por meio de programas de incentivo, não é mais possível aceitarmos esses descalabros. É o momento de convocar o bibliotecário para -ao lado do educador, do escritor, do editor e de outros- traçar os rumos de uma política eficaz e duradoura para os livros e para as bibliotecas.

Entre os novos desafios, o maior vem da tecnologia da informação, que cresce exponencialmente. Ajudar o pesquisador, o profissional e o cidadão a pinçar, entre uma infinidade de informações, aquelas que realmente lhe interessam e que são confiáveis é apenas a ponta do iceberg. De fato, a possibilidade de acesso mais democrático à informação, à literatura e à cultura em geral não permitirá que o bibliotecário se aliene em relação a desafios que trazem em seu bojo a histórica oportunidade de aliança entre cultura e consciência crítica, entre informação e emancipação.

Inicialmente, ele terá de interagir em equipes multidisciplinares, em processos de mútuo aprendizado. Aos poucos, sua formação específica haverá de impor-se como peça-chave de funções socialmente tão relevantes. O bibliotecário se mostrará, assim, indispensável. Quando isso ocorrer, a forma como esse profissional for tratado por empregadores de quaisquer tipos, pela sociedade e pelo legislador representará indicador do grau de civilização que poderemos projetar para nós mesmos.

________________________________________

VERA LUCIA STEFANOV, 56, bibliotecária documentalista, é presidente do SinBiesp (Sindicato dos Bibliotecários do Estado de São Paulo).

LEVI BUCALEM FERRARI, 63, cientista político, é presidente da UBE (União Brasileira de Escritores).

quarta-feira, 11 de março de 2009

E porque não....

Amartya Sen defende o “velho capitalismo”

por Marcos Guterman, em http://blog.estadao.com.br/blog/guterman

Diante da enormidade da crise econômica mundial, já houve quem dissesse que o capitalismo acabou, ou então que era preciso reinventá-lo. O indiano Amartya Sen, Prêmio Nobel de Economia que se notabilizou por suas idéias na luta contra a pobreza, sugere, no entanto, que a saída está num retorno ao velho capitalismo.

Por “velho capitalismo” Sen entende as concepções de Adam Smith, o pai do pensamento econômico moderno, que, curiosamente, nunca usou a palavra capitalismo. Smith não defendia a predominância absoluta do capital e do mercado, diz Sen, em artigo no Financial Times. Para ele, o mais importante eram os valores, como “humanidade, justiça, generosidade e espírito público”.

Smith dizia que o capitalismo é impulsionado pelo interesse pessoal, que motiva o empreendedor a entrar no mercado. Mas é preciso que haja confiança mútua para que o mecanismo funcione. A questão, diz Sen, é que a confiança não é algo natural no mercado – muito parecido com a civilização em si, que, como diz Norbert Elias, deve ser defendida todos os dias da tentação da barbárie. A confiança é algo que se constrói, e é frágil num mercado agora tão entranhado de subdivisões, com seus derivativos e outros gêneros de investimentos complexos, objetos do desejo da busca desenfreada do lucro sem regulação estatal.

Sen afirma que reconstruir o mercado não passa necessariamente pela invenção do “novo capitalismo”, como querem alguns. Passa simplesmente, referindo-se a Adam Smith, pela “compreensão das velhas idéias acerca dos limites da economia de mercado”, e um bom começo é perceber que só a conjunção entre mercado e Estado poderá liquidar a crise e criar um “mundo econômico mais decente”.

terça-feira, 10 de março de 2009

As lições de vida e morte dos grandes filósofos

Muito tem se tentado discutir nesse espaço, questões p0líticas, econômicas, coisas da área de biblioteconomia, coisas da área de filosofia, enfim assuntos diversos que fazem parte de um contexto chamado dia a dia (nem sei mais se tem hifen ou não).

O texto que apresento hoje, é sobre um assunto que quase todos se esquivão, a MORTE, uma questão que vários filósofos chegaram a dialogar em seus textos, de Socrates, passando por Nietzsche a chegar a Sartre

No livro
The Book of Dead Philosophers, ainda sem tradução para o português, se não me engano, o autor nos traz uma retrospectiva, que vem desde os socrásticos, passando pelos Iluministas até chegar aos filósofos do séculos 20, os mais curiosos casos de morte (Sócrates foi condenado a beber cicuta à Walter Benjamim, este um dos expoentes da Escola de Frankfurt que cometeu suicídio).

Um texto delicioso de ser ler. Boa Leitura!

As lições de vida e morte dos grandes filósofos

Professor dos EUA produz lista divertida sobre a causa mortis dos pensadores

Sérgio Augusto, Caderno Cultura 2, Estado de São Paulo

Os filósofos costumam durar mais que a gente ou é apenas impressão?

Mais que a maioria dos tiranos eles duram, e isso é um consolo. Sêneca, por exemplo, morreu com 71 anos, idade avançadíssima para a época (século 1 d.C.), ao passo que seu algoz, Nero, não foi além dos 32. Tales de Mileto, o primeiro filósofo ocidental, e Sócrates também chegaram aos 70. Demócrito atingiu o recorde de 109 anos, nove a mais que o pitagórico e místico ambulante Apolônio de Tiana. Pitágoras, Solon e Platão viveram até os 80, feito mais notável antes da Era Cristã do que os 92 alcançados pelo hermeneuta francês Paul Ricoeur em 2005. Claude Lévi-Strauss, não custa lembrar, continua vivo - e, desde novembro, centenário.

Se não foi apenas uma figura lendária, como muitos acreditam, o cretense Epimenides logrou atravessar quase dois séculos de vida, um quarto dos quais teria passado dormindo numa caverna, como um Rip van Winkle do século 6 a.C. Desconsiderem-no, portanto. Mas mantenham Calígula (que não passou dos 28) e os demais césares. Napoleão? Morreu cinquentão.

Vez por outra, alguém se interroga sobre a proverbial longevidade dos filósofos; geralmente na Inglaterra, onde também é grande o interesse em torno da maneira trágica como a maioria dos filósofos costuma partir desta para melhor. "Todos os filósofos eminentes dos últimos dois séculos ou foram assassinados ou disso escaparam por pouco", notou Thomas de Quincey, em meados do século 19.

Inspirado por essa observação, o emérito professor de filosofia D.H. Mellor, da Universidade de Cambridge, produziu uma lista de não sei quantos filósofos com sua respectiva "causa mortis"; não a verdadeira, visando dar sustentação à tese de De Quincey, mas a que o seu senso de humor, inspirado nas idéias de cada um deles, logo, só para os iniciados, ditou. Segundo Mellor, Leibniz teria (ou deveria ter) morrido de "monadanucleose"; Marx, de "causas materiais"; Henri Bergson, de "élan mortal"; Maquiavel, vitimado por uma "intriga"; e Lutero, por uma "dieta de vermes" (no original, Diet of Worms, referência à Dieta de Worms, a cimeira de 1521 na cidade alemã de Worms, em que Lutero se recusou a baixar a crista para o Vaticano).

Recentemente, outro professor de filosofia britânico, Simon Critchley, há tempos dando aula na New School for Social Research, em Nova York, investigou a suspeita firmada por De Quincey e descobriu que os grandes filósofos, vida longa à parte, não só costumam sofrer muito antes de morrer como, desde a Antiguidade, preocupam-se à beça com a questão da "boa morte".

A maioria dos 190 exemplos por ele arrolados, sob a forma de verbetes, em The Book of Dead Philosophers (O Livro dos Filósofos Mortos), editado pela Grantas na Inglaterra e pela Vintage nos Estados Unidos, comprova essa tendência. A lista começa com os pré-socráticos e vem até o século 20. Ou seja, de Tales de Mileto (que morreu de desidratação enquanto assistia a uma prova de atletismo) a Michel Foucault (que morreu de aids) e Guy Debord (que se matou).

Sócrates foi condenado a beber cicuta. Aristóteles ingeriu uma ranunculácea venenosa. Heráclito sufocou-se em estrume de vaca. Empédocles jogou-se no vulcão Vesúvio. Diógenes ou prendeu o fôlego além da conta ou intoxicou-se com um polvo cru. Diderot engasgou-se com um damasco. Uma indigestão de patê trufado levou ao túmulo o reputado médico-filósofo do século 18 Julien Offray de la Mettrie. O poeta latino Lucrécio só morreu relativamente jovem (43 anos) porque se suicidou, no século 1 a.C. Maquiavel terminou seus dias na miséria. Karl Max tinha o corpo coberto de carbúnculos quando a morte o pegou dormindo numa poltrona. Nietzsche demorou uns 10 anos sendo consumido pela sífilis e a loucura. Roland Barthes foi atropelado por uma ambulância. Pouco antes de enfartar, Hannah Arendt caiu num bueiro ao sair de um táxi em frente ao prédio onde morava, em Manhattan. Francis Bacon meteu-se a refrigerar um frango com um punhado de neve de uma rua londrina, pegou friagem e...

De todos esses terríveis epílogos, o do filósofo e dramaturgo Sêneca foi o que mais me impressionou. Conselheiro de Nero e por este condenado ao suicídio, em 65 d.C., lembramo-nos dele na célebre pintura de Rubens (circa 1601), que nem de longe retrata as agruras por que passou antes de tomar aquele fatal banho de tacho. O estoico romano primeiro cortou os pulsos. Perdeu rios de sangue, mas continuou vivo. Aí pediu veneno (acônito, o mesmo que teria matado Aristóteles), e nada. Metido por seus serviçais num tacho de água quente, ali, finalmente, desencarnou, provavelmente sufocado pelo intenso vapor do banho.

Albert Camus só ganhou espaço no livro de Critchley por ter qualificado a morte em acidente de carro como a "mais absurda" de todas. Se Camus teve uma morte absurda, as de Periander, Pitágoras e Tycho Brahe foram patéticas, beirando o ridículo.

Periander de Corinto, um dos sete sábios da Grécia, ao lado de Tales, Solon e Chilon, tanto tramou para que seu túmulo jamais fosse encontrado, que acabou assassinado por um dos participantes da trama. Pitágoras não teria sido degolado onde hoje fica a Calábria, na Itália, se tivesse escapulido por uma plantação de feijão. (O autor do mais famoso dos teoremas detestava tanto a leguminosa que se recusava até a olhar um feijoeiro, quanto mais esgueirar-se no meio de um feijoal.) Tycho Brahe, o desnarigado astrônomo dinamarquês do século 16, grande revisor do universo ptolomaico, poderia ter chegado aos 60 anos, ou ido além disso, se não tivesse deixado para fazer xixi depois de um banquete que durou horas - e culminou com o estouro da bexiga do astrônomo.

"Morte? Não penso nisso", vangloriava-se Jean-Paul Sartre. Foi uma exceção à regra. Cícero, citado na introdução de O Livro dos Filósofos Mortos, achava que "filosofar é aprender a morrer", acrescentando: "O medo da morte é o que define a vida humana neste canto do planeta, no momento presente." Montaigne recomendava que aqueles que ensinam as pessoas a viver, isto é, os filósofos, deveriam ensiná-las também a morrer.

Num dos quatro diálogos que Platão lhe dedicou, Sócrates comenta (para Símias) que "os verdadeiros filósofos exercitam-se para morrer", daí seu pouco ou nenhum temor da morte. "Eu destoaria, se, na minha idade, me agastasse por ter de morrer em breve", diz ao igualmente velho Critão, numa cela de Atenas, às vésperas de sua "execução".

Para Epicuro, o medo da morte e o anseio da imortalidade são os sentimentos que mais arruínam nossa passagem por este mundo. Viver bem e morrer bem tinham, para ele, o mesmo peso. Se a vida deve ser entendida como uma prática ou uma preparação para a morte ("Do ponto de vista da morte, a vida nada mais é que a produção de um cadáver", escreveu Walter Benjamin, que, aliás, se suicidou em 1942), o contentamento da alma é muito mais que um vão desejo, é uma obrigação.

Contrastando com pitagoreanos, platônicos e estoicos, Epicuro via a morte como uma extinção completa e a alma, como apenas um amálgama temporário de partículas atômicas. O pai do epicurismo morreu sete anos depois de Platão. Sempre adoentado, não resistiu às dores de uma cólica renal, mas despediu-se sorrindo, afiançando a amigos e discípulos que seu sofrimento fora sempre contrabalançado pela alegria proporcionada pelos exercícios do raciocínio.

Quase dois mil anos mais tarde, o empirista escocês David Hume se despediria dos vivos na maior euforia, apesar das fisgadas que lhe pungiam o abdome. Talvez porque, segundo inconfidência de James Boswell, o maior ateu de Edimburgo passara a acreditar na possibilidade de vida depois da morte. Até Sócrates, com o pé na cova, reconsiderou seu ceticismo. "Tenho uma boa esperança de que alguma coisa espere os mortos e, segundo velha tradição, seja muito melhor para os bons do que para os maus", revelou numa conversa com Fédon e Equécrates. E sorveu em paz sua cicuta.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Teses para um recomeço

Fernando Gabeira

O domínio do Congresso brasileiro pelo PMDB e seus aliados significa uma possibilidade de afastamento maior entre a instituição e a opinião pública. Como resultado, a democracia estará sempre em perigo e as eleições parlamentares devem se tornar irrelevantes;

É necessário organizar a resistência contra a corrupção, entendendo-a, grosso modo, como duas modalidades: a corrupção que já se consumou e a que deve se consumar no futuro. Minha proposta é a de concentrar na segunda, a corrupção que pode acontecer, através da luta intensa pela transparência;

Isto não significa indiferença em relação à corrupção já consumada e à apuração rigorosa dos escândalos, utilizando, quando necessário, o instrumento da Comissão Parlamentar de Inquérito;

Tanto uma como outra atividade demandam agenda. O primeiro ponto da agenda, no campo da transparência, é exigir a votação em segundo turno do voto aberto, algo que já nos deu uma vitória no passado. Os líderes precisam aceitar a colocação do tema na agenda, ainda que nos derrotem em plenário. A proibição de levar o tema à votação aberta é autoritária;

Outros importantes tópicos ligados à transparência e luta contra a corrupção devem ser encaminhados, destacando-se a crítica ao foro privilegiado que não só encobre crimes de políticos como atrai, pela sua comodidade, criminosos para a política;

Embora claramente minoritários no Colégio de Líderes e no Conselho de Ética, precisamos marcar nossa presença cada vez que um tema de nosso interesse é discutido para fortalecer os líderes que concordam conosco e os membros do Conselho que tentam fazer justiça.

Nossos instrumentos de luta devem incluir também a participação da imprensa e, em casos especiais, a da própria justiça, como no episódio do aumento salarial indevido que conseguimos sustar com um mandado de segurança;

A Frente será pequena no princípio mas a experiência histórica mostra que nossa força se amplifica na medida em que se aproximam as lutas eleitorais. Mesmo os deputados que dependem de estruturas administrativas, sindicais ou partidárias, não querem confronto aberto com a opinião pública no período eleitoral. Daí, a necessidade de planejar o trabalho para que vá num crescendo e alcance seu nível máximo em 2010.

Essas são as primeiras contribuições para o trabalho que, tenho certeza, vai ser desenvolvido. Os pontos onde devemos concentrar nossa vigilância serão mencionados diretamente para que não haja escaramuças do adversário. A tática deles têm sido esperar o auge da indignação popular, conceder alguma coisa, esperar o refluxo e anular as concessões. Daí a necessidade de pensarmos numa pressão continuada, o que é muito difícil pois depende também de fatores que não controlamos.

Mais uma vez repito: o fato de sermos poucos deputados e senadores não invalida nosso trabalho. Mesmo se fossemos apenas três, a resistência seria legítima e necessária.

Abaixo postagem de Josias de Souza e entrevista de Fernando Gabeira para o Blog Bastidores do Poder

Frente parlamentar ‘anticorrupção’ faz a 1ª reunião

Será na noite desta terça (3) a primeira reunião da frente parlamentar de combate à corrupção.

 “Estamos constituindo um grupo de resistência”, afirmou Fernando Gabeira (PV-RJ), em entrevista ao blog.

O movimento nasce nas pegadas da entrevista em que Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) disse: “Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção”.

Leia abaixo o que disse Gabeira:

- Onde será o encontro?

No apartamento do [deputado] Arnaldo Jardim (PPS-SP), terça-feira à noite.

- Quantas pessoas participam?

Nesse primeiro encontro, creio que teremos entre 15 e 20 parlamentares.

- Não é pouco para um Congresso com 594 parlamentares?

Nesse caso, a qualidade vale mais do que a quantidade. Ainda que fossemos apenas três, essa resistência teria de ser feita. Experiências anteriores mostraram que podemos contar com cerca de 30 pessoas. Com o tempo esse número deve aumentar. Talvez tenhamos até que selecionar.

- Aonde pretende chegar esse grupo?

Vamos chegar a 2010.

- Fala da sucessão presidencial?

Falo da sobrevivência do Congresso. Em 2010 teremos também eleições legislativas. E a manutenção desse esquema de cooptação de apoio parlamentar pelo Executivo torna o Congresso irrelevante. No limite, põe em risco a própria democracia. É preciso fixar um contraponto à hegemonia do PMDB no Congresso.

- Porque a supremacia do PMDB é ruinosa?

No Senado, tivemos aquela crise dramática envolvendo o Renan [Calheiros]. Agora, montou-se um esquema que representa a volta de tudo aquilo. Na Câmara, a ascensão do PMDB, numa parceria com o PT, representa o continuísmo sem nenhuma perspectiva de melhoria. A combinação desses elementos afasta ainda mais o Congresso da opinião pública.

- O que fará o grupo?

A tarefa principal é organizar a resistência contra a corrupção. Há dois tipos de corrupção: a que já se consumou e a que ainda vai se consumar. Minha tese é a de que, sem negligenciar os escândalos conhecidos, temos de priorizar a corrupção que está por vir.

- Como fazer?

O primeiro passo é abrir uma luta intensa pela transparência. De saída, queremos votar o projeto que institui o voto aberto no Legislativo. Foi aprovado em primeiro turno. E os líderes não permitem que a votação se conclua. Podemos ser derrotados, mas é preciso votar. Impedir a votação é um gesto autoritário.   

- Voto aberto ajuda a cassar transgressores, mas como impedir as transgressões?

Primeiro, vamos defender o fim do foro privilegiado. É uma distorção que, além de limitar a punição de crimes, atrai para a política os criminosos em busca de proteção. No mais é insistir na transparência.

- Como assim?

A partir de um tropeço da maioria, tivemos um avanço na Câmara.

- Qual foi o tropeço e o avanço?

Eles erraram ao eleger o Edmar Moreira [suspenso do DEM] para a Corregedoria. Ele teve 354 votos. E não ouvi ninguém dizer no microfone: ‘Eu me equivoquei’. Verificou-se que 80% da verba de gabinete do Edmar [R$ 15 mil por mês] se referiam a notas fiscais de serviço de segurança, área de atuação das empresas dele. Decidiu-se abrir todos os gastos na internet. O que vai coibir a repetição desse tipo de procedimento. Agora, precisamos exigir que o Senado faça o mesmo.

- E quanto ao Executivo?

Podemos atuar pontualmente também em relação ao Executivo. Veja o caso do ministério das Minas e Energia. O ministro [Edison Lobão, do PMDB] disse que há ‘bandidagem’ no Real Grandeza, o fundo de pensão de Furnas. O pessoal do fundo diz que o PMDB do Rio manobra para controlar o caixa. Nada impede que os dois lados sejam convocados para dar explicações no Congresso.

- A frente, por suprapartidária, defende alternativas diferentes para a sucessão de Lula. Não receia que isso envenene a ação conjunta?

O que vai nos unir é a ação parlamentar. Estamos falando da sobrevivência do Congresso e da importância das eleições legislativas. Creio que a frente, que vai começar pequena, tende a ganhar força com a proximidade das eleições.

- Por que?

A experiência mostra o seguinte: em períodos eleitorais, mesmo os parlamentares que atuam na base de uma relação promíscua com estruturas do Estado, preferem evitar o confronto aberto com a opinião pública. Daí a importância de planejarmos o movimento de tal modo que ele ganhe intensidade máxima em 2010.

- Quais são as chances de êxito do grupo?

Embora sejamos minoria, creio que é possível obter avanços. Sobretudo se conseguirmos estabelecer uma conexão com um movimento de pressão da opinião pública. Aí entra a participação da imprensa. Não significa que vamos condicionar a nossa pauta à pauta dos jornais. Mas não devemos ficar alheios a ela.

- A opinião pública está conectada com esse tema?

Alguma conexão há. O problema é saber até que ponto a opinião pública vai se interessar pelo processo. Não há nada garantido. Mas se permitirmos que prevaleça o vácuo, a maioria sobrevive e impõe esses métodos que queremos combater. Veja a reação do PMDB à entrevista do Jarbas Vasconcelos. Soltaram uma nota dizendo que não iriam responder. Apostam no esquecimento. Nosso papel é organizar uma pressão que evite o esquecimento.

- FHC fez, em artigo, uma analogia com o e-mail. Disse que a caixa de mensagens da sociedade, já repleta de mensagens como a contida na entrevista de Jarbas, faz ouvidos moucos. Seria necessário mudar a forma de comunicação. Concorda?

É preciso diferenciar a comunicação de campanha da atuação parlamentar. Dificilmente encontraremos uma forma diferente de abordar o problema no Parlamento. E não creio que a sociedade reaja como o e-mail com a caixa de mensagens cheia.  O Jarbas deu a entrevista dele e, na semana seguinte, teve uma comprovação: a investida do PMDB no fundo Real Grandeza. As pessoas ligaram uma coisa a outra. E o discurso teve sobrevida.

- Essa sobrevida levará a mudanças práticas?      

Nada está assegurado. Mas seria inadmissível a indiferença. Em outros momentos, tivemos avanços. No caso dos Sanguessugas, conseguimos dizimar a bancada evangélica. De uns 30, só voltaram quatro ou cinco. Barramos na Justiça um aumento de 95% no salário dos deputados. Aprovamos em primeiro turno a emenda do voto aberto. É possível avançar. O movimento tende a ganhar consistência ainda maior em 2010. Ali, vai se recolocar a pergunta: Que tipo de Congresso nós queremos?