segunda-feira, 29 de junho de 2009

Terras do Nunca

Terras do Nunca

de Lisboa, Folha Online

Pobre Michael Jackson. O homem morre como todos morremos. Radicalmente só. Com o coração a despedir-se prosaicamente do corpo. O mundo, em choro e transe, não acredita. Um mito não morre assim. Porque assim morremos nós, anônimos e mortais, mergulhados na nossa própria miséria. Os mitos só morrem por acidente ou conspiração invejosa de terceiros, que não aguentam o brilho incandescente da estrela.

John Kennedy não foi abatido pelo fracassado Lee Oswald numa manhã funesta de Dallas. Kennedy foi assassinado pela CIA, pelos cubanos, pelos soviéticos, pela máfia, eventualmente pelos extraterrestres.

O mesmo para a "Princesa do Povo", Diana Spencer. Uma vítima de um motorista alcoolizado e irresponsável numa noite de Paris? Não, mil vezes não. Diana foi vítima da Família Real inglesa, que a desprezava para lá do tolerável. Para dar mais requinte ao episódio, há quem garanta que Diana estava grávida. A autópsia não confirmou. Mas quem se prende a pormenores? Eu, por mim, aposto que eram gêmeos.

E, agora, Michael Jackson: ele não morreu por excessos vários e loucuras evidentes. Foi o médico; foi a empregada; foi o Rato Mickey quem acabou com o cantor.

Deixemos as teorias da conspiração para as mentes conspiratórias. No meio do sentimentalismo vulgar, e quase religioso, com que o planeta chora a morte de Jackson, a única declaração vagamente sensata foi dita pelo próprio presidente americano. E que nos disse Obama?

Para começar, que Jackson foi um músico de talento. Difícil discordar, embora o Jackson que eu aprecio morreu no dia em que nasceu o Jackson que grande parte do mundo aprecia, ou seja, em 1979 com "Off the Wall". O single prodigioso que os Jackson Five editaram dez anos antes, "I Want You Back", é incomparável com qualquer obra posterior. Opinião pessoal. Do Michael Jackson a solo, admiro apenas o bailarino. Brinco? Não brinco. Fred Astaire também não brincava quando dizia, na década de 80, que Jackson nascera demasiado tarde. Tivesse ele vivido nos anos 30 ou 40 e teria feito as delícias de Busby Berkeley ou Vincent Minelli. Quem aprecia musicais sabe do que falo.

Mas Obama não elogiou apenas o talento. Obama foi corajoso e lamentou a figura profundamente trágica de Michael Jackson. Nos próximos anos, saberemos mais sobre essa tragédia. Mas aposto que a origem dela está num homem que, para usar as palavras de um francês célebre, alimentou uma "nausea-de-si-próprio" (acho aqui uma referência ao J. P. Sartre, A Náusea)" ao longo da vida: uma náusea da sua própria negritude e, talvez mais importante, uma náusea da sua própria humanidade, por definição mutável e perecível. Não admira que, ano após ano, ele tenha tentado golpear essa humanidade, perseguindo um ideal estético que era, aos olhos do mundo, caricatural e infantil. E, aos olhos dele, eterno e pós-humano.

Disse anteriormente, citando Fred Astaire, que Michael Jackson não viveu nas décadas de 30 e 40 para inscrever o seu nome na tradição dos grandes musicais. Mas é possível recuar mais um pouco e lamentar que Jackson não tenha nascido e vivido em finais do século 19, inícios do 20. E que não tenha conhecido uma alma gêmea como J.M. Barrie, o escritor para quem a infância era, simultaneamente, o melhor e o pior dos mundos. O melhor, pelo encantamento permanente que lemos em "Peter Pan" ou no injustamente esquecido "The Little White Bird". Mas também o pior dos mundos, porque capaz de antecipar a corrupção futura: a maturidade, o envelhecimento, a perda da inocência.

Não sei se Jackson leu Barrie. Provavelmente. Mas sei que lhe roubou o nome para o seu rancho, "Neverland", essa "Terra do Nunca" onde os rapazes não crescem. Tivesse Michael Jackson lido "Peter Pan" com atenção e saberia que, mesmo na "Terra do Nunca", os rapazes não crescem mas também morrem.

João Pereira Coutinho, 32, é colunista da Folha. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Record). Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.

domingo, 28 de junho de 2009

As Aventuras de Oséas....

Uma vez eu ouvi....uma vez estagiário, sempre estagiário.....sabe que as vezes eu acho que a frase tem algum sentido....

Fonte: Blog dos Quadrinhos

Sacanagem.....

Eu sei que é sacanagem, mas faze o que né....

Abaixo 3 charges publicadas Blog dos Quadrinhos, que vi neste domingo à noite, depois de todos os especiais possíveis e imagináveis sobre a carreira do Michael Jackson.

Ps. Ainda bem que teve a final da Copa das Confederações neste domingo, senão não sei o que seria de meu final de semana.....ufaaaaaaa......um dia a mais sem tomar meu prozac.


O primeiro é simplesmente fantástico.....

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Obra-prima, "Thriller" custou a vida de Michael

Obra-prima, "Thriller" custou a vida de Michael

Tudo o que Michael Jackson fez depois deixou a desejar

PAULO RICARDO, ESPECIAL PARA A FOLHA

ABC, easy as 1,2,3, a NBC confirma, a CNN não confirma, mas segundo a TMZ... nesse festival de siglas, intrigas e mistérios, a dura e nua verdade é que Michael Jackson já estava morto há muito tempo.

Da mesma forma metafórica que Elvis morreu quando entrou para o Exército, segundo os puristas do rock"n"roll, aquele negro querubim que conquistou corações e mentes de todo o mundo, de certa forma foi se deteriorando como um antigo fax, à medida em que perdia a cor. Talvez Michael esteja agora em alguma cidade fantasma imaginária conversando com Elvis e Hitler.

Contudo, esta informação ainda não está confirmada!

Meu primeiro contato com Mr. M foi por meio do desenho animado que ele e seus irmãos do Jackson 5 estrelaram no começo dos anos 70. E eu me perguntava qual seria o efeito, na cabeça de uma criança, ao assistir seu desenho favorito... o de si mesmo. Devastador, mostrariam os capítulos seguintes.

Aquela miniatura de James Brown, com voz de Diana Ross, estava só no começo de sua escalada até se intitular King of Pop.

Mas não sei se vocês, leitores, sentiram a estupefação que senti ao vê-lo fantasiado de Billy Idol, com sua voz de contratenor gritando "I"m bad", enquanto segurava suas partes num gesto quase obsceno.

O que se seguiu foi um festival de delírios totalitários fascistas, trajes reais, salpicados de cristais Swarowski, e muita, muita bizarrice enquanto Michael tentava se metamorfosear em Elizabeth Taylor. Tudo isso servido com uma suave redução de pedofilia light.

Mas paralelamente, sua música deixava cada vez mais a desejar. Até porque qualquer novo trabalho de Jacko Wacko seria impiedosamente julgado pelo mais cruel dos parâmetros: a inigualável obra-prima "Thriller".

Disco mais vendido da história da humanidade, este trabalho revolucionou o entretenimento de uma maneira sem igual, Fred Astaire, Beatles, Stones, MTV, Walt Disney, Quincy Jones, Eddie Van Halen, enfim, uma síntese sem precedentes para um sucesso mortal, e que praticamente custou a vida de seu artífice.

Os fãs de hoje são os linchadores de amanhã, já dizia Millôr. Nunca me senti atraído por essas imolações em praça pública da recente cultura de celebridades. Sentia sim, muita falta daquele jovem negro lindo de black-tie na capa de "Off the Wall", daquele R & B melódico, dançante, daquela voz sem igual. Agora vamos nos sentar e nos preparar para o macabro espetáculo midiático que se seguirá à morte de Michael.

Só nos resta refletir que, talvez, um pouco como Jesus Cristo, um pouco como John Kennedy, como disse Mick Jagger, quem matou Michael Jackson, it was you and me.

PAULO RICARDO é cantor e compositor.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Atos secretos envolveram 37 senadores desde 1995

Atos secretos envolveram 37 senadores desde 1995      

·         Relação inclui beneficiários e os que assinaram os papéis

·         Prática é associada também a grupo de 24 ex-senadores

·         Lista traz os nomes de filiados de nove partidos políticos

Blog do Josias

É grande o rol de senadores envolvidos, direta ou indiretamente, no escândalo da burocracia clandestina do Senado.

Notícia levada nesta terça-feira (23) às páginas do Estadão pelos repórteres Leandro Colon e Rosa Costa informa:

Desde 1995, pelo menos 37 senadores figuram como beneficiários ou signatários de atos secretos do Senado. Freqüentam a relação também 24 ex-senadores.

O escândalo é pluripartidário. Encontram-se no caldeirão de malfeitos políticos filiados a nove legendas: PT, DEM, PMDB, PSDB, PDT, PSB, PRB, PTB e PR. 

Os nomes emergem de atos administrativos antigos. Documentos que permaneciam à sombra e foram publicados, com data da retroativa, nos últimos 30 dias.

Nesta terça, a Mesa diretora do Senado recebe o relatório da comissão constituição em 28 de maio para esquadrinhar os atos editados em segredo.

Detectaram-se cerca de 650 papéis sonegados à Opinião Pública. A prática foi coonestada por todos os presidentes e primeiros-secretários dos últimos 14 anos.

José Sarney, que diz desconhecer os atos secretos, é signatário de alguns deles. Heráclito Fortes, que encomendou o levantamento, também.

Eis alguns exemplos colecionados pelos repórteres:

1. Em março de 2007, Lia Raquel Vaz de Souza foi transferida secretamente do gabinete de Demóstenes Torres para o de Delcídio Amaral.

Lia é parente de Valdeque Vaz de Souza, um dos principais assessores de Agaciel Maia, ex-diretor-geral. Delcídio e Demóstenes afirmam que nem a conhecem.

2. Documento secreto de 6 de dezembro de 1996, trata do controle de frequência dos servidores lotados nos gabinetes dos senadores.

Traz a assinatura do presidente de então, José Sarney. É rubricado também pelos integrantes da Mesa da época, entre eles Renan Calheiros.

3. Em 1998, toda a Mesa presidida por Antonio Carlos Magalhães, morto em 2007 assinou a criação sigilosa de oito cargos de confiança.

4. Cinco anos mais tarde, sob Sarney, criaram-se mais 25 cargos por meio de ato administrativo secreto.

5. Em 21 de fevereiro de 2005, sob a presidência de Renan Calheiros, o Senado dotou os gabinetes dos 81 senadores de sete novos cargos de confiança.

Gente que entrou pela janela, sem concurso, com vencimentos mensais de R$ 9,9 mil. Tudo em segredo.

6. Senadores licenciados, os ministros Edison Lobão (Minas e Energia) e Hélio Costa (Comunicações) valeram-se de atos secretos para nomear parentes e amigos.

Os senadores que figuram como beneficiários de atos secretos, com ou sem o consentimento pessoal, são os seguinte:

- Aldemir Santana (DEM-DF)

- Antonio Carlos Júnior (DEM-BA)

- Augusto Botelho (PT-RR)

- Cristovam Buarque (PDT-DF)

- Delcídio Amaral (PT-MS)

- Demóstenes Torres (DEM-GO)

- Edison Lobão (PMDB-MA)

- Efraim Moraes (DEM-PB)

- Epitácio Cafeteira (PTB-MA)

- Fernando Collor (PTB-AL)

- Geraldo Mesquita (PMDB-AC)

- Gilvam Borges (PMDB-AP)

- Hélio Costa (PMDB-MG) licenciado (ministro)

- João Tenório (PSDB-AL)

- José Sarney (PMDB-AP)

- Lobão Filho (PMDB-MA)

- Lúcia Vania (PSDB-GO)

- Magno Malta (PR-ES)

- Marcelo Crivella (PRB-RJ)

- Maria do Carmo (DEM-SE)

- Papaléo Paes (PSDB-AP)

- Pedro Simon (PMDB-RS)

- Renan Calheiros (PMDB-AL)

- Roseana Sarney (PMDB-MA, hoje governadora do MA)

- Sérgio Zambiasi (PTB-RS)

- Serys Slhessarenko (PT-MT)

- Valdir Raupp (PMDB-RO)licenciado (ministro)

- Wellington Salgado (PMDB-MG)

Os senadores que freqüentam a lista por ter assinado, consciente ou inconscientemente, atos secretos como integrantes da Mesa diretora são:

- Antonio C. Valadares (PSB-SE)

- César Borges (PR-BA)

- Eduardo Suplicy (PT-SP)

- Garibaldi Alves (PMDB-RN)

- Heráclito Fortes (DEM-PI)

- Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR)

- Paulo Paim (PT-RS)

- Romeu Tuma (PTB-SP)

- Tião Viana (PT-AC)

Levado ao pelourinho, o ex-diretor-geral Agaciel Maia dissera que os senadores não ignoravam a existência de atos não publicados.

A julgar pelo tamanho da lista, parece mesmo improvável que todo o Senado ignorasse a prática.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Lições da Revolução

Lições da Revolução

Francesa Obras de Alexis de Tocqueville e Mona Ozouf se debruçam sobre o movimento

Daniel Piza, Estado, 21 jun. 2009

Fica difícil exigir de qualquer autor que tenha escrito mais que A Democracia na América, livro que em 1835 antecipou as mudanças que a sociedade americana traria ao mundo, o que o século seguinte se cansou de testemunhar. Mas Alexis de Tocqueville escreveu ainda O Antigo Regime e a Revolução, publicado em 1856 e que estava indisponível em tradução brasileira há muito tempo. Com a excelente tradução de Rosemary Costhek Abílio, a editora Martins Fontes traz de volta ao leitor uma obra-prima de história e pensamento. Tocqueville deixou dois clássicos para a modernidade que não podem ser ignorados.

Nascido em 1805, o aristocrata francês formado em Direito escreveu sobre a democracia dos EUA depois de viajar por seu território e perceber que instituições mais descentralizadas e horizontais fortaleciam o modelo republicano, ao contrário do que se dizia. Embora o tenha escrito aos 30 anos, o livro é um primor de pesquisa e estilo. Em seu trabalho de maturidade, do qual deixou apenas o primeiro volume antes de morrer em 1859, as mesmas características se repetem e, em alguns momentos, se superam. O Antigo Regime e a Revolução é extraordinariamente bem escrito e fundamentado.

Olhe que o desafio não era menor. Embora analisando um evento ocorrido 67 anos antes, e não um processo ainda em progresso como a democracia americana (Tocqueville ainda foi capaz de prever que uma guerra civil poderia acontecer nele, como de fato aconteceu em 1861), ele enxergou a complexidade da Revolução Francesa como ninguém até então. Sem sua obra não haveria hoje, por exemplo, livros como outro que acaba de ser lançado no Brasil, Varennes, de Mona Ozouf, com tradução de Rosa Freire d?Aguiar. A historiadora que foi parceira de François Furet - grande estudioso de Tocqueville - no Dicionário Crítico da Revolução Francesa se debruça na sequência de eventos de 21 de junho de 1791, "a morte da realeza", com os mesmos tipos de nuance e abrangência que Tocqueville ensinou.

Rediscutir a Revolução Francesa, 220 anos depois, soaria pouco útil se não fosse por esse olhar de Tocqueville, tão atual numa época em que, apesar da hegemonia da democracia, ela continua a sofrer assaltos dos conservadores que a veem apenas como subproduto das necessidades do mercado e também dos nostálgicos que, a cada crise do capitalismo, clamam por intervenções burocráticas que asfixiam a liberdade da qual ela se nutre em essência. E em países com democracias imaturas, como o Brasil, apesar das juras tucano-petistas em contrário, ele deveria ser leitura obrigatória em universidades e redações. Um ciclo de apenas 25 anos não tem como constituir uma república verdadeiramente democrática. Tocqueville explica.

Um ponto fundamental na interpretação dele fica explícito quando rebate os argumentos de Edmund Burke, o ensaísta inglês, outro grande estilista da prosa, que em suas Reflexões sobre a Revolução na França (clássico a ser reeditado pela Topbooks em setembro) criticou a Revolução por sua lógica cruel, por ter culminado na violência do Terror que era, ela mesma, uma negação dos valores mais libertários do Iluminismo, como os direitos humanos. Muitos conservadores que hoje tentam se apropriar de vertentes da tradição liberal fazem confusão entre Tocqueville e Burke. No entanto, Tocqueville em nenhum momento trata a Revolução Francesa como um erro, uma ruptura radical com tradições que poderiam ter sido renovadas de modo moderado.

Tocqueville não cai nessa. Ele vê os episódios que se iniciam em 1789, com a tomada jacobina da Bastilha, como o resultado "súbito e violento" de uma "obra na qual dez gerações de homens haviam trabalhado". Mesmo que em muitos aspectos a ordem feudal da Europa já vinha sendo desfeita pelo avanço das cidades, das classes médias e das novas relações comerciais, o "antigo regime" ou a "antiga lei comum" continuava no substrato social. Essa obra de dez gerações precisava substituir as instituições feudais por "uma ordem social e política mais uniforme e mais simples, que tinha como base a igualdade de condições". Privilégios de sangue e casta não acabariam por diplomacia; e novos princípios como a liberdade de imprensa eram antimedievais.

O que Tocqueville descreve é como essa criação de uma ordem mais uniforme e simples se traduziu em centralização administrativa, e o que descreveria no segundo volume seria como essa centralização foi levada a tal extremo, em nome da "estabilidade", que terminou sendo um retrocesso do qual a América nasceria livre. "A Revolução Francesa foi ao mesmo tempo seu flagelo e sua professora", resume. Ao longo do século 18, os governos municipais tinham "degenerado em pequenas oligarquias", que por sua vez se tornavam refratárias ao avanço liberal, aos direitos de cidadania, com a pulverização de autoridades e tributos (soa familiar?). A Revolução foi uma expressão da insustentabilidade da situação. Que tenha criado outra ordem que mais tarde também se tornaria insustentável por seu teor tirânico não tira a importância do marco.

A narrativa esperta da fuga do rei Luís XVI por Mona Ozouf também demonstra isso. Curiosamente, ela dá mais destaque às interpretações dos romancistas que às dos historiadores, pois autores como Stendhal e Dumas percebiam melhor o peso dos acasos e das simbologias no curso da história. A tentativa de escape da realeza foi um golpe final em sua própria imagem, ao confirmar a noção crescente entre o povo de que a corte era supérflua, de que a unidade nacional já não dependia de seus ritos rococós. No vaivém dos atos, na indecisão frívola de Luís e Maria Antonieta, a autora projeta as armadilhas em que a própria monarquia se ajudou a cair - o que significa que caiu não por uma espécie de destino histórico, e sim por uma conjunção de variáveis. Por se achar indissociável da pátria, o rei não viu que a pátria tinha mudado.

O Antigo Regime e a Revolução

Alexis de Tocqueville

Martins Fontes

296 págs., R$ 44,50

Varennes - A Morte Da Realeza,

21 De Junho De 1791

Mona Ozouf

Cia. das Letras, 352 págs., R$ 53

Acontece que...

Acontece que...

Marcelo Rubens Paiva, Estado, 20 jun. 2009

O que acontece? Quando ainda estão no carro, voltando de um jantar com amigos, já aparecem os comentários: "Bebi muito"; "Deu um sono"; "Amanhã tenho um dia tão difícil..." E nem deu meia-noite. É o código. Hoje não rola. Como ontem, como antes...

Cruzam a garagem rapidamente, atacados pela corrente de vento gelado. Nem encaram o porteiro. No elevador, cada um num canto. Ele quem aperta o botão do andar. Sempre é ele quem aperta, ela reparou. Ele que comanda. Gosta de. Ele quem dirige, atende ao interfone, pega o jornal às manhãs, decide as férias, se está frio, se devem trocar de carro, de aparelhos de tevê, DVD, MP3.

Não estão nada bêbados. Poucas taças. Entram em casa e se separam. Cada um tem o seu ritual de dispersão, encerrar o dia, organizar, recolocar. Ela checa os emails e a ração para os gatos. Ele lista os afazeres da empregada, fica pouco tempo no banheiro, se joga na cama e liga a tevê.

Ela ainda toma um banho. Gasta alguns minutos se lambuzando com cremes. Checa cutículas indesejáveis, passeia os olhos pelo espelho de corpo inteiro: a frente e as costas, os cotovelos e as pernas. Seca o cabelo com um secador barulhento - o síndico irá reclamar um dia.

Entra no quarto. Ele dorme com o controle remoto na mão. Ela desliga apertando o botão da própria tevê, desliga o abajur, vai para o seu lado da cama e se deita no escuro. Coloca um travesseiro entre as pernas. Escuta um caminhão ao longe. Amanhã tem feira. A criança do vizinho chora, e um alarme dispara.

Um está de costas para o outro. Dorme? Não, porque ele ainda diz: "Boa noite." Ela responde com um grunhido simpático, fica ainda um bom tempo de olhos abertos. E se pergunta: O que acontece?

Acontece que, estranhamente, ela precisa de colo. Que ela não sente mais aquele frisson quando cruza a garagem do prédio. Porque não o provoca mais no elevador, ignorando a câmera, desabotoando a camisa dele, esfregando o joelho nele, apalpando-o, assim que ele aperta o botão. Acontece que eles não se beijam mais quando entram em casa, não escutam uma música no escuro, que ela não senta no colo dele diante do computador, nem tomam banhos juntos. Acontece que ela não olha mais para o espelho para checar o que irá mostrar daqui a pouco, nem planeja como entrar no quarto, para se oferecer enrolada numa toalha, engatinhar pela cama, roçar o nariz na perna dele, lamber do umbigo até a boca, deitar sobre ele como um cobertor, morder o seu pescoço, sua nuca, seu ombro. Acontece que ela não apagaria aquela tevê, nem a luz, nem a noite. E ele nem diria boa noite, mas bem-vinda. E depois de tudo, sim, dormiriam pesadamente; nenhum alarme, criança ou caminhão seriam notados.

Acontece que ela acordaria, e ele estaria ainda na cama. Acontece que ele não comenta mais a cor da sua calcinha, do seu esmalte, dos seus olhos. Acontece que ele não a elogia mais, não surpreende, não desafia, nem provoca, não confunde as palavras, nem engasga quando ela aparece de toalha, não corre mais atrás dela, não a acorda em cima dela, como uma manta, não abraça como uma toalha, não abriga como água quente.

Acontece que ele já saiu, quando ela se levantou da cama de manhã. Nenhum post está fixado, com algum carinho escrito. Nem rascunho de bilhete existe. Ele não irá mandar um torpedo do trabalho, nem um email. Hoje em dia, quando viaja, não liga para dizer se houve turbulência, se o hotel é legal, se está nevando ou um sol de rachar.

Acontece que há tempos não repartem um cigarro, não se perdem por uma estrada de terra, não discutem se o que veem é um disco voador ou um satélite espião russo. Acontece que ele não a espia mais pelo buraco da fechadura, não tira fotos dela se enxugando no espelho, não dá sustos quando ela tem soluços, não beija os seus pés, não conta as suas pintinhas, não canta em voz alta pela casa, não a acorda lambendo a orelha dela.

Acontece que há muito não saem os dois sozinhos, e entram num filme sem saber o que a crítica achou. Sem lerem os créditos, sentados na última fileira, se tocando, se beijando. Acontece que eles não repartem mais a pipoca, o refrigerante zero, o drops. Acontece que o diferente virou eventual, a rotina, habitual. Que todo desconhecido já se revelou, que a surpresa é predita, que o consumado é fato, o previsível, farto, e o pressuposto, preposto.

O que acontece é que ela sente falta de ser notada e elogiada dentro de casa. De ter calafrios. De sentir a pele esquentar. Acontece que ultimamente ela se veste para ninguém. Que ela nem liga mais rádio do carro. Que não a comove o xaveco no elevador do escritório. Que só troca emails de trabalho. Que ela almoça massa, se entope de pão e ainda se delicia com sorvete com caldas. E agora costuma pedir chantilly no café.

O que acontece com ela, que nem tinge mais o cabelo, falta à natação, não corre com as amigas, não compra sapatos, não troca a lente dos óculos riscada, não recebe mensagens românticas pelo celular?

Acontece que o incêndio se acomodou. Ela não se pergunta se é assim que tem que ser. Acontece. É cíclico, ouviu dizer. Pode ser que melhore. Por que perder o fôlego toda vez que o encontra? Já passou. Viva outra fase. Afaste essa vaidade. Não seja carente. Encare os fatos. A vida é assim. É?

Leia também o blog de Marcelo Rubens Paiva em http://blog.estadao.com.br/blog/marcelorubenspaiva

Brasiliana

Fonte: Rede Globo

Site da USP disponibiliza 3.000 livros

Site da USP disponibiliza 3.000 livros

Fonte: Folha

Reitoria da USP lançou nesta semana um site que disponibiliza 3.000 livros para download

As obras estão no endereço www.brasiliana.usp.br.

Entre os títulos, estão livros raros, documentos históricos, manuscritos e imagens que são parte do acervo da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, doada à universidade.

Há planos de aumentar o catálogo para 25 mil títulos e incluir primeiras edições de Machado de Assis e de Hans Staden.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

RESSACA

RESSACA

por Marcelo Paiva

a maçaneta da porta emperrou

colocaram fogo no elevador

fumo sem parar

bebo sem parar

hoje eu queria que ontem não existisse

é

eles têm razão

beba com moderação

nem cantar consigo

minha música é um zumbido

minha língua estala

dancei a noite toda

tudo dói

por que a gente é assim?

não quero escrever

quero só esquecer

não quero ler

hoje podia ser logo amanhã

para meus olhos voltarem a ver

o que hoje é transparente

incolor

o mundo podia parar de girar

só hoje

até eu curar

essa puta ressaca

não me paguem mais bebida

helena, por que você me deu aquela garrafa ontem?

marião, porra, precisamos maneirar

você vulgarizou a palavra amor

pé na bunda rima com uísque de segunda?

paula, chegou bem em casa?

a gente quase rola pela calçada

voltei escutando billy paul no talo

como na minha adolescência

ainda bem que não tinha blitz

e que não matei ninguém

alguém esqueceu algo no meu carro?

dói olhar

dói escutar

dói pensar

hoje não quero nada

não penso em nada

não sinto fome

não quero ser beijado

nem tesão eu tenho

o vento agride

o sol cega

vou acender mais 1

rsrsrsrsrsrsrsrs

não me telefonem

só hoje

amanhã recomeçamos

o que parece não ter fim

essa vida plugada na tomada

220 volts

por que a gente é assim?

serafim?

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Com a palavra...

USP: diálogo ou monólogo?

CAIO VASCONCELLOS e ILAN LAPYDA

A reitoria fechou os canais de negociação. Isso expressa seu caráter autoritário e é coerente com a estrutura de poder da USP, infelizmente

APÓS MAIS de uma semana de presença da Polícia Militar no campus da USP, a política repressiva da reitora Suely Vilela culminou na batalha campal de 9 de junho.

O conflito que se deu depois do fim da manifestação pela retirada da PM não se limitou ao portão principal, mas se estendeu até a parte central do campus, algo que não se via desde a ditadura militar: bombas de gás e de concussão, balas de borracha, prisões e um saldo de policiais, estudantes, professores e funcionários agredidos e feridos. É fundamental, pois, avançarmos no debate sobre a questão.

A reitoria fechou os canais de negociação com os movimentos da USP, deslegitimando a política como esfera de solução de conflitos e recorrendo a uma força externa de repressão.

Essa opção, que expressa seu caráter autoritário, infelizmente coerente com a estrutura de poder da USP, possui a especificidade de ser uma reação às atuais pressões externas e internas por democracia.

A USP tem enorme concentração de poder: apenas os professores titulares são elegíveis ao cargo de reitor, e este é eleito praticamente só por professores titulares. O colégio eleitoral do segundo turno, que de fato elege o reitor, restringe-se a cerca de 300 membros, dos quais 85% são professores (desses, mais de 90% são titulares), menos de 15% estudantes e apenas 1% funcionários.

Além disso, os membros do Conselho Universitário, instância máxima de decisão da USP e presidido pelo reitor, são em sua maioria professores titulares (cerca de 75%), muitos dos quais diretores de unidade -e, portanto, escolhidos pela reitoria.

As decisões mais importantes da universidade ficam concentradas nas mãos desses professores, que, segundo dados da USP, somam menos de 1% da comunidade universitária.

São números que relativizam as críticas de quem questiona a legitimidade das assembleias da Adusp (Associação dos Docentes da USP), do Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP) e do movimento estudantil para se furtar ao debate político.

Além do fator estrutural, há um movimento crescente de autoritarismo que torna mais opacas as decisões políticas na USP.

Desde maio de 2008, as reuniões do Conselho Universitário não têm ocorrido em seu devido local, no prédio da reitoria, mas no Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares), área com proteção militar e não pertencente à USP.

Ao todo, cinco reuniões foram realizadas no Ipen. Em duas delas, os representantes estudantis e dos funcionários não foram avisados da mudança de local, o que resultou na aprovação do orçamento para 2009 e na reforma do estatuto da USP sem as suas presenças, além de outros graves problemas procedimentais na votação.

Tais ilegalidades estão sendo contestadas na Justiça, por meio de um mandado de segurança articulado pela Associação dos Pós-Graduandos da USP-Capital e impetrado por alguns representantes discentes (processo 053.09.012697-4). Ou seja, estamos "explorando a legislação vigente", ao contrário do que sugeriu o professor José Arthur Giannotti neste espaço na última quinta-feira.

Fatos dessa gravidade, aliados a outras formas de obstrução da já reduzida participação dos representantes discentes (RDs) nos conselhos decisórios, explicitam o que são as "vias institucionais" da USP.

Além de dispensar tratamento de segunda classe aos RDs, a Secretaria-Geral da USP, desde o início do ano e após seis pedidos formais de homologação, recusa-se a empossar os representantes da pós-graduação, baseando-se em uma nova interpretação "sui generis" e descabida do regimento interno da universidade.

Assim, depreende-se facilmente a falácia do conceito da reitora de "diálogo" e "convivência social pacífica".

Não seria a reitora, bem como o grupo do Conselho Universitário que legitima suas medidas por meio de "resoluções", o pivô da violência e da violação -das instituições, da democracia e da política-, ao se esconder em área militarizada e militarizando o campus para não se abrir ao debate?

Como a reitora, com a conivência da maior parte do Conselho Universitário, orquestra votação de temas fundamentais impedindo a presença da representação estudantil?

O atual clima de horror é incompatível com as funções de reflexão crítica e produção científica independente. A USP deveria ser o espaço do diálogo efetivo, e é ele que deve mediar os legítimos conflitos políticos.

Se a democracia está travada e a violência parte da reitoria, ao se furtar ao debate e recorrer à repressão policial, fica claro que Suely Vilela não possui condições nem competência de se manter no cargo e que a atual estrutura de poder tem de ser radicalmente transformada.

CAIO VASCONCELLOS, 27, e ILAN LAPYDA, 25, formados em ciências sociais, são mestrandos em sociologia na USP e coordenadores da Associação de Pós-Graduandos da USP-Capital, que ratifica este texto.

Eu sabia....a culpa é do Pedro Simon

Senado 'reage' a Sarney com covardia corporativa

Submetidos a um discurso em que José Sarney não anunciou uma mísera providência prática, os senadores reagiram com heróica passividade.

Fonte: Blog do Josias

A maioria dos colegas que se pronunciou nas pegadas da fala de Sarney se permitiu dar um voto de confiança ao nada.

Ao dar crédito ao inacreditável, os senadores como que autorizaram a platéia a crer na crença de descrer.

De resto, quem acredita piamente no que não merece crédito se descredencia para piar depois.

Nada mais deletério do que a lamentação depois do fato.

Entre todos os que levaram os lábios ao microfone só Demóstenes Torres (DEM-GO) permitiu-se chamar a encrenca pelo nome correto.

“Temos problemas não só de vícios. Temos a prática clara de delitos aqui dentro [...]. Se há crimes, tem que ir para a cadeia quem cometeu os crimes”.

Demóstenes apontou o caminho das pedras: “O Ministério Público tem que ser chamado. A Polícia Federal tem que ser chamada”.

Mas mesmo Demóstenes soou condescendente ao se referir a Sarney. Deu-lhe um imerecido crédito de confiança:

“Vi com satisfação o discuso do presidente Sarney. Estou no aguardo das providênciais que vai tomar. Por quê?...”

“...Um homem com mais de 50 anos de vida pública, ex-presidente da República, só no Senado presidente três vezes, não pode compactuar com o erro, com o crime”.

Ora, Sarney não se limitou a coonestar os erros. Ajudou a criá-los. Beneficiou-se deles. Afastou Agaciel Maia por pressão, não por obrigação. Protege-o.

Sérgio Guerra, presidente do PSDB, também tratou Sarney como parte da solução, não do problema.

Disse que o Senado não está livre da “corrupção”. Ostenta uma estrutura inchada e inadequada. A certa altura, pronunciou a frase fatídica:

“Já falei sobre a crise com o presidente Sarney, que faz enorme esforço de superá-la”.

Afirmou também: “Não gosto de demissão de diretores. Eles não decidem nada sozinhos. Alguém decidiu com eles. Tem que ser punido também”.

Em seguida, o grãotucano se desdisse: “Mas não estou no capítulo da punição, do retorno ao passado. Estou preocupado com a construção de um Senado novo”.

Acrescentou: “Não dá para andar na rua e não poder dizer que é senador sem ser respeitado”.

Ora, como respeitar um Senado que deseja construir o novo sobre alicerces podres? Como olhar para o futuro sem punir o passado bandalho?

Aloizio Mercadante, líder do PT, falou do milagre –os 14 anos de Agaciel Maia— sem mencionar os santos –Sarney e Renan Calheiros, padrinhos do ex-diretor-geral.

Repisou uma proposta sensata: a imposição de um mandato para os superdiretores do Senado. Dois anos, renováveis por mais dois.

Dirigindo-se a Sarney, Arthur Virgílio, líder do PSDB, disse: “Não o julgarei pela nomeação de um neto”. Por que não?

Depois, concordou com Mercadante. Fustigou Agaciel Maia, um personagem incontornável. E tirou uma casquinha de Sarney. Coisa leve:

“No dia da sua eleição, quando admitiu que manteria o diretor-geral e o manteve, eu disse que não era adequado. E ficou provado que não havia condições de manter”.

Enxergou no discurso de Sarney uma certa anormalidade: “Não dá para entendermos como normal, que o presidente da Casa tenha de prestar contas”.

Mas viu no pronunciamento algo que a platéia talvez não tenha enxergado. Para Virgílio, Sarney “agiu de maneira presidencial”.

“Espero sinceramente que estejamos no caminho de encerrar a crise”.

Informou a Sarney que a bancada do PSDB apresentará um projeto fixando o mandato do diretor-geral. Sarney, que ouvia do plenário, aquiesceu: “Eu concordo”.

Numa evidência de que o PSDB é um aglomerado de amigos integralmente composto de inimigos, o tucano Papaleo Paes (AP) tratou de desdizer o seu “líder”.

Virgílio dissera: “Temos que colocar na cabeça que tem uma crise grave no Senado, que tem de ser enfrentada”.

Para o liderado Papaleo a crise não passa de invenção da imprensa: “Dizem que tem atos secretos. Por que denominaram assim?...”

“...Não existe nenhnum ato secreto. Pode haver falha técnica de funcionários. Todos esses cargos existem na Casa. As nomeações são corretas...”

“...Não há corrupção, malfeitoria de administradores. Eles falharam. Se alguém precisa ser punido. Que seja punido”.

Sarney tem responsabilidade? Claro que não. Trata-se de um “grande político, intelectual, homem que tem inteligência muito acima do normal”.

Pedro Simon, que em privado falava até da renúncia de Sarney, na tribuna apenas soprou: “A imprensa está cobrando...”

“...As manchetes batem no Sarney, na Mesa, atiram pedras. Não estou preoupado com isso hoje. Estou preocupado em mudar a imagem dessa Casa”.

O que fazer? Para Simon, basta que os atos da Mesa diretora passem a ser submetidos ao penário. Mas já não são? Sim, mas ninguém sabe o que está votando.

“O presidente Sarney diz que a culpa não é dele, é de todo o Senado. Eu digo: a culpa é minha. Os erros acontecem pela nossa ação ou pela nossa omissão. Eu sou coresponsável”.

Ficamos entendidos assim: Sarney não tem culpas a purgar. O responsável é Pedro Simon, um réu confesso! E todos os que, como ele, incorrem no pecado da omissão.

USP - Reflexões

“A ação imediata é apenas um episódio, o importante são as redefinições a partir disso”

“Atuem, exagerem, sejam justos e injustos. Aproximem a faculdade da realidade social. Essa é uma luta constante, para transformar a sociedade.”

Antonio Candido

O "Ser Clássico" e o "Ser Contemporâneo"

Segue abaixo dois textos do filosofo Antonio Cicero, ambos saíram na Folha (salvo engano com a diferença de 14 dia de uma para outro....um é do dia 28 de maio e o outro do dia 13 de junho) falando sobre “o ser contemporâneo” “e ser clássico”. Dois assunto que assumo, viajei um pouco quando fazia minha Pós Graduação em Ética e Filosofia na Metodista e que de um tempo pra cá me vem sempre em meus pensamento, minhas reflexões. O que vem a ser essa filosofia clasica, o que vem a ser essa filosofia contemporânea....bom acho que o Antonio Cicero pode nos ajudar.

Boa leitura!

Ps. vejam o blog do Antonio Cicero, é maravilhoso!

O desejo do contemporâneo

Antonio Cicero, Ilustrada, 28 maio de 2009

O FILÓSOFO Gilles Deleuze diz que "uma boa maneira de ler, hoje em dia, seria tratar um livro assim como se escuta um disco, assim como se vê um filme ou um programa de televisão, assim como se acolhe uma canção: qualquer tratamento do livro que exija para ele um respeito, uma atenção especial, corresponde a outra época e condena definitivamente o livro".

Por mim, cada qual que leia o que quiser da maneira que lhe aprouver. Contudo, quando leio, por exemplo, as bobagens ou trivialidades que são cotidianamente escritas sobre Nietzsche por alguns dos seus fãs, tenho a impressão de que hoje praticamente todo o mundo já adotou a maneira de ler recomendada pelo autor de "Diferença e Repetição". E então tendo a achar que Heidegger é que estava certo, quando recomendava aos seus alunos que adiassem a leitura de Nietzsche para depois que estudassem Aristóteles durante uns dez ou 15 anos.

Deleuze jamais concordaria com isso, pois considerava repressiva a história da filosofia. Segundo ele, as pessoas não se sentem no direito de pensar antes de terem lido Platão, Descartes, Kant e Heidegger. Talvez. Mas eu diria antes que quem não quer pensar sempre acha uma desculpa para tal. Se, na França, é a história da filosofia, no Brasil é a filosofia contemporânea que tem esse papel. Tradicionalmente o brasileiro, tendendo a considerar-se atrasado em relação ao que se discute no Primeiro Mundo, não se dá o direito a pensar antes de estar a par do "dernier cri" europeu ou norte-americano. Ora, mal se conhece o "dernier cri" e ele já deixou de o ser, de modo que, correndo-se atrás do próximo, deixa-se para pensar por conta própria mais tarde.

Além disso, quem só deseja estar "up to date" acaba por jamais ler os clássicos. A leitura dos contemporâneos toma-lhe todo o tempo. Tal pessoa espera que os autores da moda lhe indiquem quais dos autores do passado ainda devem ser respeitados (por exemplo, Spinoza e Nietzsche) e quais devem ser desprezados (por exemplo, Descartes e Hegel). E, no mais das vezes, como aquilo que os contemporâneos escrevem sobre os autores que recomendam é considerado justamente o supra-sumo destes, torna-se supérflua a leitura dos originais.

Pensemos no significado desse desejo de ser contemporâneo. "Contemporâneo" quer dizer "do mesmo tempo" ou "do mesmo tempo que". Quando dizemos, por exemplo, "Mário e Oswald foram contemporâneos", queremos dizer: "Mário e Oswald foram do mesmo tempo"; e quando dizemos "Leonardo foi contemporâneo de Michelangelo", queremos dizer: "Leonardo foi do mesmo tempo que Michelangelo".

Quando, por outro lado, digo que uma coisa ou pessoa é contemporânea, sem explicitar de quê ou de quem, fica sempre implícito que essa coisa ou pessoa é contemporânea de mim, que estou a dizê-lo. Se digo, por exemplo, "Giorgio Agamben é um filósofo contemporâneo", quero dizer que ele é meu contemporâneo: o que poderia ser dito pelas palavras "Giorgio Agamben é um filósofo do mesmo tempo que eu". Ou seja, o que quer que seja contemporâneo, sem mais, é contemporâneo de mim (seja quem eu for). É claro que, como a contemporaneidade consiste em uma relação comutativa, não posso deixar de, reflexivamente, me reconhecer contemporâneo das coisas ou pessoas que me são contemporâneas.

Isso significa que não tem sentido que eu – seja quem eu for – me diga contemporâneo, sem mais. "Eu sou contemporâneo" significa apenas: "Eu sou do mesmo tempo que eu". Assim também, não tem sentido desejar ser contemporâneo, sem mais, pois "desejo ser contemporâneo" significa apenas: "Desejo ser do mesmo tempo que eu". Finalmente, não tem sentido desejar ser contemporâneo de alguma coisa ou pessoa contemporânea, uma vez que eu já sou, evidentemente, contemporâneo de quem me é contemporâneo.

Assim, o desejo do contemporâneo não passa de sintoma de um agudo provincianismo temporal. Quando se manifesta no campo da filosofia, talvez o melhor antídoto para ele seja exatamente a leitura cuidadosa dos clássicos.

E, de volta a Deleuze, devo dizer que, no lugar de tratar um livro como normalmente se escuta uma canção, acho mais proveitoso, de vez em quando, escutar algumas canções com o respeito e a atenção especial que o bom leitor jamais deixará de dedicar aos bons livros.

O clássico e o contemporâneo

Antonio Cicero, Ilustrada, 13. jun de 2009

ATRAVÉS DE e-mails e comentários no meu blog, alguns leitores atacaram aquilo que consideraram ser o conservadorismo do artigo "O desejo do contemporâneo", publicado aqui, em 28 de maio.

Em primeiro lugar, há os que supõem conservadora a minha crítica à obsessão de grande parte dos intelectuais brasileiros pelo "dernier cri" europeu ou americano. "Mal se conhece o "dernier cri'", eu dizia, "e ele já deixou de o ser, de modo que, correndo-se atrás do próximo, deixa-se para pensar por conta própria mais tarde". Observei, ademais, que "quem só deseja estar "up to date" acaba por jamais ler os clássicos". Também essa implícita defesa da leitura dos clássicos foi tida por conservadora.

Ora, "um clássico é um clássico", como afirma o poeta Ezra Pound, "não porque se conforme a certas regras estruturais ou se enquadre em certas definições (das quais o seu autor provavelmente nunca ouviu falar), mas porque possui certo eterno e irreprimível frescor". É clássica a obra que permanece sempre nova.

No caso da filosofia, isso ocorre quando, independentemente de concordarmos ou não com as teses defendidas por uma obra, ela nos solicita a questionar e a pensar de modo mais claro e mais profundo aquilo que realmente pensamos. É assim que podemos, à primeira vista, não concordar em nada com "A República", de Platão, ou com "Ser e Tempo", de Heidegger, por exemplo; entretanto, a leitura de tais livros enriquece o nosso modo de pensar. Nenhuma paráfrase, explicação ou interpretação de tais obras jamais seria capaz de substituir a leitura delas. Além disso, é a partir de semelhantes leituras que sabemos o que é ou o que deve ser a filosofia.

É claro que, quando consideramos determinado problema filosófico hoje, devemos conhecer o "status quaestionis", isto é, o estado em que se encontra a discussão sobre esse problema, e isso significa que é preciso saber o que pensam sobre ele também os nossos contemporâneos. Estes, ademais, exatamente por serem nossos contemporâneos, são capazes de levar em conta certas preocupações que só se tenham manifestado ou tornado prementes exatamente na nossa época. Por isso, no meu artigo anterior não critiquei o interesse, mas a obsessão que os brasileiros demonstram ter pelos contemporâneos. E o fiz porque observo que ela chega ao ponto de ter como contrapartida o desprezo pelos clássicos.

Essa obsessão pelos contemporâneos corresponde, é claro, ao desejo de superação do provincianismo. Sentido-se "atrasados", os brasileiros se esforçam por se livrar do passado, de modo a alcançar o tempo presente, que imaginam pertencer aos outros. Em tal esforço, dado que a tradição filosófica lhes parece pertencer ao passado, os brasileiros a alienam. É assim que perdem a posse direta dos clássicos que, por direito, é tanto deles quanto de qualquer outro povo contemporâneo. Fugindo do provincianismo espacial, caem no provincianismo temporal.

Mas meu artigo foi considerado conservador também por outra razão. É que a referência que nele fiz às "bobagens ou trivialidades que são cotidianamente escritas sobre Nietzsche por alguns dos seus fãs" foi tida como um ataque a Nietzsche. Associando esse pretenso ataque ao autor de "Genealogia da Moral" com a crítica que eu havia feito, no artigo anterior, a certas teses de Foucault, houve quem pensasse detectar uma mudança para o conservadorismo na minha orientação filosófica, sintetizada do seguinte modo: "Antes Nietzsche e Foucault; agora Hegel e Aristóteles".

Na verdade, nem antes fui discípulo dos primeiros nem sou agora dos segundos; além do que há dúvidas sobre se os segundos são mais conservadores do que os primeiros. Em Foucault, critiquei sua defesa incondicional do regime reacionário instaurado pelo aiatolá Khomeini, bem como o relativismo cultural com o qual racionalizou essa defesa.

Quanto a Nietzsche, longe de atacá-lo, cheguei a emulá-lo. No ensaio "Sobre o Uso e o Abuso da História para a Vida", ele mesmo acusa os seus contemporâneos de "adaptarem o passado às trivialidades contemporâneas". É o que penso que alguns dos meus contemporâneos fazem com o próprio Nietzsche. Este, aliás, não tinha admiração nenhuma pelos seus contemporâneos, de modo que se considerava, sobretudo, extemporâneo. "Ao procurar biografias", aconselhava ele, "não queiram as que tragam o refrão "Fulano de Tal e o seu tempo", mas as que na página de título tenham que dizer "Um lutador contra o seu tempo'".

PM na USP é atentado, diz Antonio Candido

"Estou aqui por uma simples razão: para fazer um protesto veemente contra a intervenção da força policial no campus universitário. [Isso] é um atentado aos direitos mais sagrados que as pessoas têm de discutir, debater e agir sem nenhuma pressão do poder público."

Antonio Candido, 90

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Dos idos de 63!

PM neles!

Fonte: Elio Gaspari, Folha de São Paulo, ontem

O governador José Serra e seus sábios tucanos, bem como a reitora da USP, Suely Vilela, deveriam conversar com o professor Aloisio Teixeira, reitor da UFRJ. Ele recebeu uma universidade conflagrada, pacificou professores e estudantes e deixou a polícia de fora.

Serra e a doutora Suely fazem o caminho oposto. Militarizam a controvérsia e jogam os moderados no colo dos aparelhos.

Pode ser que haja na USP garotos (e professores) convencidos de que a democracia representativa é uma "máscara para acobertar a submissão do Brasil ao imperialismo". É besteira, mas é besteira velha, dita em 1963 pelo governador que acionou a PM, quando assumiu a presidência da UNE.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Conflito na USP - 1

Mais duas opiniões sobre o Conflitos na USP. A primeiro do Professor Vladimir Safatle, que foi publicada hoje na Folha de São Paulo, Tendências e Debates (e digo de antemão, muito bem escrito) e outra, uma pequena entrevista do professor emérito da USP, Chico de Oliveira comentando o porque a reitora deve renunciar, depois do ocorrido.

A universidade não é caso de polícia

VLADIMIR SAFATLE

“Em vez de estigmatizar os alunos e tratá-los como delinquentes, talvez seja o caso de se perguntar contra o que eles se manifestam”

AS CENAS de batalha campal que vimos nesta semana na USP ficarão na memória daqueles que dedicam sua vida a essa instituição. Vários professores, como eu, que nunca participaram de movimento sindical, que nem sequer foram alguma vez a uma assembleia, veem com estarrecimento a disseminação da crença de que conflitos trabalhistas devem ser resolvidos apelando sistematicamente à polícia.

Diz-se que a polícia era necessária para evitar piquetes e degradações. No entanto, tudo o que ela conseguiu foi acirrar os ânimos e aumentar exponencialmente os dois.

Vale a pena lembrar que, por mais que sejam práticas problemáticas que precisam certamente ser revistas, os piquetes estão longe de se configurarem como ações criminosas. A história das sociedades democráticas demonstra como eles foram, em muitos casos, peças necessárias de um processo de ampliação de direitos. Cabe a nós provar que esse tempo passou e que, devido à capacidade de diálogo, tais práticas não têm mais lugar.

No entanto, quando se tenta reduzir manifestantes que procuram melhorias em suas condições de trabalho a tresloucados patológicos que nada têm a dizer, que não têm nenhuma racionalidade em suas demandas, dificilmente alguma forma de diálogo conseguirá se impor.

Melhor seria começar explicando qual racionalidade justifica que a universidade mais importante do país, responsável por parte significativa da pesquisa nacional, tenha salários menores que os de uma universidade federal em qualquer Estado brasileiro.

Por outro lado, há algo incompreensível na crença de que a polícia possa ser chamada para mediar conflitos com alunos e funcionários públicos. Muitos acreditam que ligarão para o 190 e receberão uma espécie de "polícia inglesa" capaz de agir de maneira minimamente adequada diante de cidadãos que se manifestam.

Contudo, o que vimos até agora foi uma polícia que entrou pela primeira vez no campus armada com metralhadoras, quando a ação padrão deveria ser, nessas situações, agir desarmada. Quem tem uma metralhadora nas mãos imagina que porventura poderá usá-la. Mas contra quem? Contra nossos alunos? E quem decidirá o momento de usá-la?

Como se isso não bastasse, uma polícia bem preparada não responde a provocações de gritos e latas com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha usadas na frente da Escola de Aplicação e de uma faculdade em que, normalmente, há crianças e adolescentes. O que aconteceria se uma bala de borracha atingisse uma criança, ampliando um pouco mais o enorme contingente de balas perdidas disparadas pela polícia?

Antes de ligar para a Polícia Militar, valeria a pena levar em conta seu despreparo manifesto em intervenções em conflitos sociais, histórico catastrófico mundialmente criticado por órgãos internacionais.

Nenhum leitor terá dificuldade de se lembrar de situações de conflito social nas quais policiais que se sentiram acuados reagiram de maneira descontrolada, provocando tragédias.

Por fim, contrariamente a certa ideia que um anti-intelectualismo militante gosta de veicular nestes momentos, vários alunos alvos de balas de borracha são extremamente dedicados em seus cursos, participam sistematicamente de colóquios e programas de pesquisa, apresentam "papers" em congressos e podem ser constantemente encontrados em nossas bibliotecas.

Sendo certo que vêm de todas as faculdades de nossa universidade (e não apenas da área de humanas, como alguns querem fazer acreditar), é inaceitável tratá-los como delinquentes potenciais. Dentre os 2.000 estudantes que se manifestaram nesta semana estão alguns de nossos melhores alunos.

Em vez de estigmatizá-los, talvez seja o caso de se perguntar contra o que eles se manifestam, já que, é sempre bom lembrar, antes da entrada da polícia, nem professores nem alunos estavam em greve. A greve restringia-se a funcionários.

Há um mês, em uma pequena cidade francesa, a polícia recebeu um chamado de possível furto. Em uma atuação "exemplar", ela estava em alguns minutos no local do crime. No entanto, o local era uma escola, o objeto furtado, uma bicicleta, e o possível ladrão, uma criança de dez anos. Sem pestanejar, a polícia retirou a criança da escola na frente de seus colegas, levou-a à delegacia, colheu seu depoimento e a fichou.

Possivelmente, foi contra esse modelo social baseado na incapacidade de resolver conflitos sem apelar à mais crassa brutalidade securitária que hoje nossos alunos se manifestam. Cabe a nós mostrar a eles que a história da USP é outra.

VLADIMIR SAFATLE, 36, é professor do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo.

Reitora deve renunciar, diz Chico de Oliveira

Fonte: Folha de São Paulo, ontem

O confronto entre PMs e alunos na USP foi causado por uma crise estrutural que vem se agravando e por inabilidade da reitora Suely Vilela, afirma o professor emérito da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) Chico de Oliveira. Oliveira, que é sociólogo, defende que a reitora renuncie ao cargo.

FOLHA - Como o sr. analisa a situação na USP?

CHICO DE OLIVEIRA - O confronto é sinal de decadência das instituições. Uma reitora que chama a polícia, que não sabe administrar conflito de interesses, é mau sinal. A universidade é muito complexa, com uma reitora que acha que solucionar os problemas é fácil. Ela não sabe exatamente o que é a Universidade de São Paulo. Passou a vida num campus no interior [Ribeirão Preto]. Sem nenhum tom depreciativo, mas é um campus restrito. Isso seria relevado se houvesse instituições mais capacitadas na USP. Mas não há, é uma crise geral de representatividade, o sindicato dos professores, por exemplo, é fraco. Não há com quem negociar. O que os funcionários e alunos estavam fazendo que justificaria a presença da polícia? Era um conflito elementar, que vai ocorrer permanentemente. Se o único remédio é chamar a polícia, já cria um destacamento especial dentro da USP. O que estavam fazendo dois helicópteros da PM em cima da Cidade Universitária [no dia do confronto]? É uma grande decadência institucional.

FOLHA - Mas não há uma questão legal? A reitora não tem de zelar pelo patrimônio?

OLIVEIRA - Isso é piada. O que havia era grevista fazendo piquete. É um direito. Acho que a reitora deveria renunciar. É a segunda grande crise, num mandato de quatro anos.

FOLHA - Como o sr. avalia o movimento grevista?

OLIVEIRA - É basicamente de funcionários. Os professores foram quase obrigados a entrar depois dos atos da reitora [após a entrada da polícia na Cidade Universitária].

FOLHA - Como fica a imagem da USP após o confronto?

OLIVEIRA - A universidade passa uma imagem de desleixo, de despreparo. O que não é verdade. A estatística mostra que cresce o número de doutores no país, por meio do trabalho das universidades, inclusive a USP.

Isso mesmo com a falta de condições. A ciências sociais, por exemplo, não tem um auditório decente. E é uma área que vive da palavra.

Conflitos na USP

Um pitaquinho sobre o que esta acontecendo com a USP. Primeiro, a USP a muito tempo deixo de ser um centro de excelência no que diz respeito ao ensino, infelizmente. Segundo o direito à GREVE nos é garantida por lei, só que isso não quer dizer que podemos aceitar o que os manifestantes estão fazendo....esta onda de se invadir reitorias e ficar por lá acampados (algo que se todo até que certo ponto rotineiro), cá entre nos é uma babaquice imensa. Reitero que, concordo com a pauta de negociações dos grevistas, mas que seja usada a inteligência e não a força bruta.

Abaixo dois textos que saiu no caderno Tendências e Debates da Folha de São Paulo, no dia de ontem, o primeiro assinado pela professora Suely Vilela, reitona da USP e o segundo assinado pelo professor Jose Arthur Giannoti no qual eles dão as suas versões do ocorrido.

Conflitos na USP: nem tudo são flores

SUELY VILELA

"A defesa dos princípios democráticos não exclui, ao contrário, impõe a manutenção da lei e da ordem na universidade"

A COMUNIDADE universitária e a opinião pública têm acompanhado os acontecimentos recentes na Universidade de São Paulo.

A USP, nos seus 75 anos de existência, evoluiu significativamente no ensino, na pesquisa e nas atividades de cultura e extensão, mas ainda há muito por fazer para melhorar o desempenho da universidade.

Quero reconhecer, publicamente, que a maioria dos docentes, funcionários e estudantes demonstra seu comprometimento em corresponder às expectativas da sociedade, o que se pode constatar, também, no presente conflito. A quase totalidade da nossa comunidade acadêmica mantém suas atividades regulares, a despeito das tensões e dos constrangimentos a que vem sendo submetida, além das agressões aos órgãos da administração central.

Lamentavelmente, minorias radicais pretendem manter a universidade refém de suas ideias e métodos de ação política, fazendo uso sistemático da violência para alcançar seus fins.

Há 20 anos um mesmo grupo de militantes políticos profissionais domina alguns movimentos na USP.

Durante esse período, tais militantes têm atuado sistematicamente do mesmo modo. Fazem-no mediante script conhecidíssimo e que se repete a cada período anual de negociações salariais.

O enredo se inicia com uma pauta imensa de reivindicações e, em seguida, mobiliza-se em torno dela reduzido, mas aguerrido, grupo de colegas -preferencialmente nos órgãos de apoio da reitoria -, para então decidir entre eles mesmos por greve, não raro deflagrada antes mesmo do início das negociações.

Piquetes nas portas dos edifícios e até seu fechamento com correntes e cadeados, sem falar nas depredações do patrimônio público, compõem o cenário com o qual a USP é confrontada nessas oportunidades. Organizações sindicais, movimentos reivindicatórios e o direito à greve para servidores públicos compõem, ao lado de outras instituições e formas de manifestação, a cena política típica das sociedades democráticas e, por isso, é imperativo que sejam reconhecidos e protegidos pela Constituição Federal e respeitados em nosso ambiente universitário.

Porém, o que quero destacar no presente episódio é o repúdio da ampla maioria a comportamentos que, rotineiramente, configuram a violação de preceitos fundamentais de sociedades democráticas, tais como a tolerância, o diálogo e a convivência social pacífica, além do respeito aos direitos individuais e coletivos, como o livre acesso aos locais de trabalho.

O fato é que devemos reconhecer que ainda não encontramos os meios adequados para enfrentar esse grave problema. Alguns de nós se dedicam ao estudo da crescente violência na sociedade brasileira atual e avançamos muito na compreensão desse fenômeno.

Tudo indica, entretanto, que, de modo geral, intelectuais e cientistas têm dificuldades em lidar com a violência quando esta se expressa no âmbito dos conflitos políticos e, especialmente, em eventos nos quais estamos diretamente envolvidos.

Há tempos que diversas manifestações do público externo e, sobretudo, da comunidade uspiana expressam claramente o desejo de que a reitoria adote providências enérgicas visando coibir esse comportamento das minorias radicais da universidade.

Por essa razão, solicitei, e foi deferida na Justiça, a reintegração de posse dos edifícios com acessos bloqueados. O descumprimento dessa decisão judicial motivou a presença da Polícia Militar nesses locais.

A persistência dos piquetes exigiu, por parte das forças policiais, a continuidade das suas ações, visando a assegurar o livre trânsito e a integridade das pessoas e do patrimônio público.

Esse ambiente de crescente tensão culminou nos lamentáveis episódios da última terça-feira, quando reduzido grupo de ativistas presentes na manifestação, que se desenvolvia pacificamente, decidiu partir para provocações seguidas do confronto físico com os policiais.

As medidas recentes adotadas pela reitoria para enfrentar o problema representam clara inflexão diante de experiências anteriores, pois procuram combinar adequadamente o respeito aos direitos constituídos e o rigor na aplicação do arcabouço legal de que dispõem as autoridades universitárias para atuar nesses casos.

Enfim, quero reafirmar que a defesa dos princípios democráticos -e, nesse caso, a nossa disposição para o diálogo e a negociação- não exclui, ao contrário, impõe a manutenção da lei e da ordem na nossa universidade.

SUELY VILELA , 55, é reitora da USP e professora titular da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto.

USP: faz de conta e violência

JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI

“Nos últimos anos, cresceu a violência nas universidades, assim como o descrédito das lideranças. O que fazer para evitar o desastre?“

MESMO QUANDO um professor chama a polícia para combater alunos desordeiros, ele simplesmente abdica de sua tarefa de professor; trata-os como se fossem transgressores, esquecendo que precisam ser educados.

Porém, tendo os estudantes se associado a grupos baderneiros, não cabia à reitora chamar a polícia para garantir o patrimônio público?

Se, entretanto, a reitora pode ter razão nesse ponto, cabe examinar como se chegou a essa crise em que ela deixa de ser professora para vestir o uniforme da repressão.

Na tarde de terça-feira, estudantes, funcionários e professores se manifestavam contra a presença da polícia no campus. Alguns extravasaram os limites do bom senso, acuando a polícia, que, reforçada, reagiu com violência. Felizmente só houve feridos.

Fora os esquentados de sempre, sobretudo o pessoal da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais) e da ECA (Escola de Comunicações e Artes), o resto da universidade funcionava normalmente, mantendo o curso das atividades costumeiras. Total esquizofrenia. Como todos não se mobilizaram para impedir a barbaridade do conflito?

É evidente que as lideranças atuais perderam qualquer legitimidade. Reiteradamente no mês de maio começam as negociações para reposição salarial e outras reivindicações.

O orçamento das três universidades paulistas está bloqueado, sobretudo porque, durante a negociação da autonomia universitária, não se criou um fundo de pensão responsável pelo pagamento dos aposentados. Hoje, eles representam por volta de 30% do orçamento da USP, que, segundo última informação, teria chegado a gastar 85% com pessoal. Obviamente o restante não basta para tocar uma universidade. A USP estaria falida se não fosse a Fapesp.

A falta de recursos disponíveis leva ao impasse. O sindicato de funcionários decreta a greve, algumas unidades diminuem suas atividades, a biblioteca, o "bandejão", a creche e os ônibus circulares param (a greve parece ser contra os estudantes pobres).

A maioria, no entanto, continua trabalhando como se nada estivesse acontecendo.

Em geral, as lideranças dos professores e dos alunos acabam aderindo.

Na base de reivindicações abstratas, a greve se resume a uma triste encenação. Depois de algumas escaramuças, as partes cedem, obviamente sem ônus para os grevistas. Terminada a greve, eles fazem de conta que repõem as atividades retidas.

A repetição desse ritual não causaria grandes danos se não abrisse cunhas para a violência. Durante a greve, prédios são ocupados, o patrimônio passa a ser depredado e grupos entram em choque. Até onde vai esse apodrecimento?

A indiferença da maioria dos atores termina criando espaço para os ditos "radicais". São aqueles que acreditam piamente que, dado o caráter repressor do aparelho do Estado, devem mudar, mediante violência, a universidade e o país.

Em vez de explorarem as ambiguidades da legislação vigente para mobilizar a sociedade civil visando forçar mudanças nas leis pelas leis, simplesmente se tomam como agentes sem compromissos com a legalidade. Consideram legítima sua violência e espúria qualquer reação.

Já que a maioria dos universitários não embarca nesses enganos -eles não se confundem com a sociedade nem acreditam que, no mundo de hoje, uma crise no Estado de Direito pode aprofundar a democracia-, os ditos radicais se isolam de seus representados, transformando uma possível violência política numa simples ação criminosa.

Nos últimos anos, cresceu a violência nas três universidades públicas paulistas, assim como aumentou o descrédito das lideranças. O que fazer para evitar o desastre?

Não sejamos ingênuos: passada a agitação presente, tudo voltará ao "normal" antigo. A não ser que professores, estudantes e funcionários se mobilizem e assumam a dualidade de suas funções sociais.

Se, de um lado, devem ser bons profissionais, de outro, não podem ignorar suas responsabilidades políticas, inclusive bloquear a burocracia para que possam agir por inteiro.

Repensar as pautas fantasiosas que têm marcado as últimas reivindicações é a tarefa mais elementar. No final das contas, que universidade queremos?

JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI , filósofo, é professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). É autor, entre outras obras, de "Certa Herança Marxista".

terça-feira, 9 de junho de 2009

Eu não gostava de gatos

Eu não gostava de gatos

RUBEM ALVES, hoje na Folha

Nunca tive intimidade com os gatos e sempre os olhei de longe, com desconfiança.

Preconceito meu, sustentado por uma estória que minha mãe contava de um gato que havia matado um padre. Hoje sei que ele não o teria feito se não tivesse razões...

Os bichos que amo são os cachorros e eles me amam. Meu amor pelos cachorros se consubstanciou num artigo que escrevi sobre minha cadela Lola, a pedido da Redação da Folha. Olhando para os seus olhos que estavam fixos nos meus, eu me perguntei: "O que será que ela pensa de mim?" Sobre isso escrevi.

Cães, nem sei quantos tive: pastores, dobermans, dálmatas, boxers, weimaraners, cockers... Os dobermans foram os mais obedientes; os boxers, os mais mansos e efusivos. A Nina, dálmata, foi a mais desobediente e não gostava de crianças. Era preciso trancá-la quando havia crianças em casa.

Menino, eu sonhei ter um cãozinho. Mas nunca me foi permitido ter um. Realizei o meu sonho simbolicamente: comprei um caderno de desenho dos grandes no qual fui colando fotografias de cachorros que eu recortava de revistas . Meu amor pelos cachorros assim se realizou platonicamente.

Mas nunca tive simpatia pelos gatos. Também eles nada fizeram para que eu gostasse deles. Os cachorros são comunicativos, querem fazer amigos, têm um humor italiano, fazem barulho, estão sempre sorrindo com o rabo, gostam de brincar e seu único desejo é agradar os seus donos.

Uma amiga enviou-me um e-mail contando da sua cadela labrador, adolescente, chamada Lua. Pois a Lua gosta de plantas, especialmente bromélias, que arranca do jardim e deposita na porta da cozinha com latidos de felicidade, que, se traduzidos, querem dizer: "Eis o presente de flores que colhi no campo para você...".

Os cães se parecem tanto com os humanos! O que já havia sido constatado por um dos nossos antigos ministros, que, inquirido sobre as razões que lhe permitiam transportar o seu cão em carro oficial, explicou: "Os cachorros também são seres humanos...".

Se isso tivesse acontecido no Egito Antigo, e um ministro fosse inquirido pelo seu uso das carruagens oficiais para transportar o seu gato, a resposta seria mais surpreendente: "Não sabe o senhor que os gatos são seres divinos?". Sim, no Egito os gatos eram deuses. Talvez algo dessa teologia tenha escorrido até nós. Pois não dizemos de uma mulher bonita "ela é uma deusa" e "ela é uma gata"?

Mas comecei a mudar de ideia sobre os gatos quando minha filha me deu um gato de presente. E logo ficamos amigos, eu e o gato.

Hoje o meu médico me enviou um artigo que apareceu em 26/7/ 07 no "The New England Journal of Medicine", um dos mais respeitados periódicos das ciências médicas. Sobre um gato chamado Oscar.

Oscar vive numa instituição que acolhe pessoas em estado terminal. Diariamente, segue uma rotina. Abre os olhos preguiçosamente e põe-se a fazer aquilo a que os médicos dão o nome de visita: vai de leito em leito, sobe na cama, cheira o ar e faz o seu diagnóstico. Se não é para acontecer naquele dia, ele desce e vai para o leito seguinte, onde repete o procedimento. Se, por acaso, sua misteriosa sensibilidade detecta o cheiro ou as vibrações ou a música da morte, ele se aloja junto ao moribundo e a enfermeira sabe que é preciso avisar os parentes.

Isso me deixou apreensivo porque o meu gato tem insistido em dormir na minha cama -e é preciso expulsá-lo à força. Será que faz isso por gostar de mim ou para que os outros avisem meus parentes?