quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A metrópole minada

A metrópole minada

Tragédia de Santo André mostra cidades não como lugar civilizado para viver, mas lugar incivilizado para ganhar

Fonte: José de Souza Martins*, O Estado de S. Paulo, Caderno Alias,  27 set. 2009

No país da papelada, que é este, o real é o papel com timbre, texto, carimbo, número e assinatura. Tem papel? limpo! Não tem papel? sujo! Em nossa cultura da papelada, a vida é mera ficção. Os detalhes burocráticos que as várias autoridades correram a apresentar para explicar a tragédia de Santo André nos dizem que elas não têm explicações apoiadas no pressuposto de que somos inteligentes e urbanos. A explosão da "lojinha" matou 2 pessoas e feriu outras 12; destruiu 4 casas e causou danos a 10; outras 30 casas foram evacuadas; 100 pessoas estão desalojadas e inúmeras outras que têm família a sustentar tiveram a regularidade de sua vida interrompida.

Na compreensão de nossas contradições urbanas, é sociologicamente significativo o rol das escusas, expressões da concepção de cidade na casta dos burocratas. A prefeitura correu a explicar que o pedido de alvará, feito em maio pelo dono da loja, foi indeferido há poucos dias, quatro meses depois de protocolado, por falta do auto de vistoria do Corpo de Bombeiros. Mas a demora incluiu todo o período das festas juninas e da venda de fogos de artifício e só depois é que houve a negativa. Um dos secretários da prefeitura tratou de safar seu partido e seu governo ao explicar que "na nossa gestão (...) esse bazar nunca recebeu autorização para vender fogos". Ele não explicou o que estavam fazendo os fiscais da prefeitura nesses meses todos em que não foram verificar se havia burla, a mesma burla de que todos os vizinhos tinham conhecimento. Havia dez anos de queixas antecedentes da vizinhança contra a loja e o proprietário. Portanto, omissão que atravessa gestões, do PT ao PTB. O burocrata completa: "A documentação da loja estava em ordem..." Podemos concluir, então, que a prefeitura é que não estava em ordem.

Os bombeiros também não são inocentes. Fizeram vistoria na loja em julho de 2006. Embora a vistoria estivesse vencida em 2009, sabiam que ali se vendiam fogos de artifício e naquela época lhe deram o alvará. A vistoria era justamente para evitar que isso ocorresse. A Polícia Civil, por seu lado, concedeu ao proprietário, em 18 de fevereiro deste ano, a devida licença para comércio de produtos controlados, licença que expiraria só em 31 de dezembro. O delegado declarou que, na verdade, o comerciante obteve o auto de vistoria do Corpo de Bombeiros em julho deste ano, mas esqueceu-se de entregá-lo à prefeitura! Ou seja, se tivesse feito a entrega do papel, a explosão seria um fato menor?

Os responsáveis pela segurança e pelo bem-estar da população, na prefeitura, no Corpo de Bombeiros, na Polícia Civil, não se sentiram obrigados a desconfiar e fiscalizar, como obrigados são, para confirmar o preciso cumprimento do que a lei supostamente determina. Mas tampouco a lei e os legisladores estão isentos de responsabilidade. O grande número de tragédias urbanas desse tipo, nos últimos anos, ainda não teve a reação apropriada dos nossos legisladores, na maioria legisladores de aldeia, que seria a de produzir leis compatíveis com a realidade urbana, sobretudo das grandes cidades e metrópoles.

Nem mesmo são inocentes os vizinhos. Há dez anos se queixam, mas nunca se organizaram com a abrangência e a solidariedade necessárias para se apresentarem perante os poderes e a sociedade como legítimos sujeitos de direitos, à luz da gravidade da situação, que intuíam. Nossa sociedade não consegue superar os valores arcaicos e adversos à vida propriamente urbana, que nos levam a tratar vizinhos, mesmo os que põem a vida dos outros em risco, como se fossem merecedores das deferências do parentesco. O mundo urbano não pode existir com base nos pressupostos primitivos de relacionamentos que negam a contratualidade das relações sociais e, portanto, a igualdade e a reciprocidade igualitária, nas responsabilidades, nos direitos e deveres, mesmo entre parentes.

Só na capital, assinala o noticiário, há pelo menos 180 lojas e depósitos clandestinos de fogos de artifício; 180 bombas armadas para explodir, como têm explodido, destruído e matado. Os bombeiros estimaram que na lojinha de Santo André havia 300 kg de explosivos. Numa comparação, este jornal mostrou que isso é muito mais do que contém uma granada, mais do que uma banana de dinamite e até mais do que uma bomba aérea. Se multiplicarmos esses dados pelas 180 lojas clandestinas, podemos ter uma ideia de qual é o poder de fogo e destruição desse comércio. Comércio cuja clientela é constituída sobretudo de crianças e adolescentes, que prospera, até com anúncios na porta e nas proximidades, sem que sejam lidos pelos que deveriam lê-los para alcançar seus donos em nome da lei.

Essas coisas acontecem porque nossa vida urbana é regida por uma mentalidade antiurbana. Não só na leniência e na tolerância de tudo que conspira contra a vida civilizada própria das cidades. Mas também, no centro dessa ignorância, no utilitarismo anticivilizado da especulação imobiliária, que faz da cidade não o lugar de um modo civilizado de viver, mas de um modo incivilizado de ganhar. A mentalidade do dono da lojinha de Santo André e de todos os que se agarram a papéis e alvarás para se omitirem na governação incompetente faz parte dessa cultura predatória que nos coloca num cenário de guerra mesmo quando ingenuamente acreditamos que somos de paz. As cidades brasileiras, e na região metropolitana de São Paulo isso é particularmente grave, estão dominadas pelo pressuposto da terra de ninguém, de que cidade é o lugar em que tudo se pode, lugar da predação em nome dos interesses privados, a sociedade engolida pelos interesses egoístas do indivíduo. Nessa mentalidade antropofágica, como documentam as escusas mencionadas acima, a cidade existe para ser consumida, devorada, e não para ser desfrutada, socialmente utilizada em nome do bem comum.

*Professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Autor, entre outros livros, de A Aparição do Demônio na Fábrica (Editora 34)

A cruzada cinzenta de Kassab

A parte em negrito (grifo meu) é simplesmente maravilhosa. Sintetiza muito bem o “grande” problema de cidades com São Paulo e mostra que, com um pouco de boa vontade política em vez de interesses privados, serviriam, e muito, para amenizar este problema.

A cruzada cinzenta de Kassab

A mesma onda proibitiva que apaga grafites não atinge o vale-tudo das leis de zoneamento

Fonte: Rodrigo Andrade, Estado de São Paulo, Alias, 20 set. 2009

O episódio recente em que a prefeitura de São Paulo apagou os grafites e pichações dos muros da Avenida 23 de Maio, pintando-os de cinza, revela a tendência maníaca por ordem que caracteriza a gestão Gilberto Kassab. Tendência que resulta mais de moralismo do que de inteligência. É a mesma tendência que recentemente espalhou nas ruas um monte de ilhas e/ou blocos de concreto que "disciplinam" os cruzamentos, estreitando as passagens e obrigando os motoristas a seguir e dobrar as esquinas da "maneira correta", dificultando o fluxo do tráfego em nome da ordem e dos bons costumes no trânsito e de uma aparência de cidade bem cuidada. Pode ser inteligente em termos eleitorais, mas não como solução prática, pois além de atrapalhar, o custo dessas ilhas poderia ser aplicado, por exemplo, na limpeza da cidade, que está longe de ser exemplar.

O prefeito Kassab notabiliza-se por investir grandes esforços em ações com a aparência da cidade. A lei que removeu as propagandas, placas e luminosos das paredes, fachadas de lojas, bares etc. teve um enorme impacto na cidade e deu muitos pontos ao prefeito. O impacto foi positivo, pois a cidade recuperou os contornos de uma fisionomia que estavam ocultos, soterrados por pesado lixo visual. Mas também trouxe perdas, já que privar São Paulo do brilho colorido dos neons, típica de grandes centros urbanos, é um tanto cruel.

Basta pensar na Times Square em Nova York, ou Piccadily Circus em Londres, ou Tokio. Com a lei, uma visualidade muito característica nossa se perdeu. É o caso da popular loja de sapatos Zapata, na Duque de Caxias, que tinha um imenso luminoso de neon com letras gigantes sobre uma fachada de perfilados de alumínio tão típica nossa. A retirada trouxe à luz a arquitetura do prédio (sem graça, diga-se) e um silêncio visual confortável, mas empobreceu e entristeceu aquela esquina. Talvez a lei devesse ser flexível, e permitir os neons em certos lugares (como em Londres e Nova Yorque, aliás). Acontece que aqui as leis são aplicadas sem bom senso. Creio se tratar de uma dificuldade em viver com regras, sem que para isso seja necessária a proibição total. É a proibição ou o vale-tudo.

Vivemos uma onda proibitiva sem precedentes em São Paulo. Só que essas proibições não atingem o vale-tudo das leis de zoneamento, uma questão crucial, e enquanto a prefeitura pinta de cinza muros com grafites ou constrói irritantes ilhotas nos cruzamentos, bairros como a Vila Romana, onde moro, estão sendo completamente transfigurados pela voracidade imobiliária, com incessantes construções de prédios de apartamentos que em pouco tempo tornarão este simpático bairro num inferno sem sol, sem gente andando pelas ruas - só carros - de trânsito pesado sem escoamento possível, dificuldade para estacionar e medo da violência. Para impedir esse verdadeiro crime urbano bastaria que o bom senso regulasse o crescimento da cidade, estipulando regras de construção adequadas (determinando, por exemplo, a altura máxima dos edifícios) e porcentagens razoáveis de reocupação, em vez da proibição pura e simples.

Quanto aos grafiteiros e pichadores, no ano passado houve dois episódios envolvendo ações coletivas que merecem consideração. Um na escola de Belas Artes e outro na Bienal. Em ambos os casos a ação foi violenta, truculenta e oportunista, explorando o evento com o simples propósito de autopromoção mediante argumentos capengas, se justificando com pseudo-conceitos como "questionamento dos limites da arte" e "liberdade de expressão", supostamente pertinentes numa discussão e num espaço "de arte". E a suposta posição de "vítimas do sistema" caía no ridículo do jogo de cartas marcadas da ação, da esperada repressão e a consequente repercussão na mídia (e o pior é que a estúpida e absurda prisão de uma pichadora dava consistência a essa posição de vítima). Essas ações deturpavam o próprio sentido das pichações como intervenções urbanas.

Muito diferente é ver a lateral cega de um prédio novinho, branquinho, marcado com aquela curiosa tipografia das pichações. Vandalismo, sem dúvida, mas ali eu vejo também um caráter subversivo divertido, manifestação de uma cultura urbana adolescente genuína e espontânea. Algumas são verdadeiras proezas. Devem ser naturalmente proibidas, mas já ouvi que, para os pichadores, sem a adrenalina proporcionada pela proibição não teria graça. Mas no caso dos belos grafites nos muros da 23 de Maio - uma via expressa árida - francamente, ali me parece o lugar mais adequado possível para eles e não há razão para proibi-los.

Mas Kassab viu uma oportunidade de empreender sua cruzada cinzenta. Cruzada que também se manifesta nas obras das calçadas da Paulista, onde mais de cem árvores foram simplesmente retiradas! Será que é para não precisar varrer as folhas secas que "sujam" as calçadas? Falta massa cinzenta para esses amantes do cinza que tem em Kassab um fiel representante. Viva os grafites, viva os neons, viva Zapata!

*Artista plástico

sábado, 26 de setembro de 2009

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Caso de UTILIDADE PÚBLICA

Lembrando que ano que vem é ano eleitoral, segue abaixo matéria publica no dia de hoje no site Congresso em Foco, onde consta a relação de nomes dos ilustríssimos senhores deputados que aprovaram a PEC dos Vereadores...

Confira se seu deputado esta na lista....será que vc se lembra em quem votou???

Saiba como os deputados votaram na PEC dos Vereadores

Fonte: Congresso em Foco

Confira abaixo como os deputados votaram na PEC dos Vereadores. A emenda constitucional, aprovada ontem (22set) em segundo turno pela Câmara, aumenta em quase 8 mil as vagas nas câmaras municipais do país.

Na votação, a proposta teve 380 votos a favor, 29 contra e duas abstenções. A proposta será agora promulgada, ou seja, entrará em vigor mediante ato conjunto autônomo dos presidentes da Câmara e do Senado (sem necessidade de passar pela análise do presidente da República).

Acre (AC) 

Fernando Melo (PT) - Sim 

Flaviano Melo (PMDB) - Sim 

Gladson Cameli  (PP) - Sim 

Perpétua Almeida  (PCdoB) - Sim 

Sergio Petecão  (PMN) - Sim 

Alagoas (AL) 

Antonio Carlos Chamariz (PTB) - Sim 

Augusto Farias (PTB) - Sim 

Benedito de Lira (PP) - Sim 

Carlos Alberto Canuto (PMDB) - Sim 

Francisco Tenorio (PMN) - Sim 

Givaldo Carimbão (PSB) - Sim 

Joaquim Beltrão (PMDB) - Sim 

Maurício Quintella Lessa (PR) - Sim 

Olavo Calheiros (PMDB) - Sim 

Amapá (AP) 

Antonio Feijão (PSDB) - Sim 

Dalva Figueiredo (PT) - Sim 

Evandro Milhomen (PCdoB) - Sim 

Fátima Pelaes  (PMDB) - Sim 

Janete Capiberibe (PSB) - Sim  

Lucenira Pimentel  (PR) - Sim 

Sebastião Bala Rocha  (PDT) - Sim 

Amazonas (AM) 

Francisco Praciano (PT)- Não 

Lupércio Ramos (PMDB) - Sim 

Marcelo Serafim (PSB) - Sim 

Rebecca Garcia (PP) - Sim 

Sabino Castelo Branco (PTB) - Sim 

Silas Câmara (PSC) - Sim 

Vanessa Grazziotin (PCdoB) - Sim 

Bahia (BA) 

Alice Portugal (PCdoB) - Sim 

Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM) - Sim 

Claudio Cajado (DEM) - Sim 

Colbert Martins (PMDB) - Sim 

Daniel Almeida (PCdoB) - Sim 

Edigar Mão Branca (PV) - Sim 

Edson Duarte (PV) - Sim 

Emiliano José (PT) - Sim 

Fábio Souto (DEM) - Sim 

Félix Mendonça (DEM) - Sim 

Geraldo Simões (PT) - Sim 

Jairo Carneiro (PP)  - Sim 

João Almeida (PSDB) - Sim 

João Carlos Bacelar (PR) - Sim 

Jorge Khoury (DEM) - Sim 

José Carlos Aleluia (DEM) - Não 

José Carlos Araújo (PR) - Sim 

José Rocha (PR) - Sim 

Joseph Bandeira (PT) - Sim 

Jutahy Junior (PSDB) - Sim 

Lídice da Mata (PSB) - Sim 

Luiz Alberto (PT) - Sim 

Luiz Bassuma (PT) - Sim 

Luiz Carreira (DEM) - Sim 

Marcelo Guimarães Filho (PMDB) - Sim 

Márcio Marinho (PR) - Sim 

Marcos Medrado (PDT) - Sim 

Mário Negromonte (PP) - Sim 

Paulo Magalhães (DEM) - Sim 

Roberto Britto (PP) - Sim 

Sérgio Barradas Carneiro (PT) - Sim 

Sérgio Brito (PDT) - Sim 

Tonha Magalhães (PR) - Sim 

Uldurico Pinto (PMN) - Sim 

Veloso (PMDB) -  Sim 

Zezéu Ribeiro (PT) - Sim 

Ceará (CE) 

Aníbal Gomes (PMDB) - Sim 

Ariosto Holanda  (PSB) - Sim 

Arnon Bezerra  (PTB) - Sim 

Chico Lopes  (PCdoB) - Sim 

Eudes Xavier  (PT) - Sim 

Eugênio Rabelo (PP) - Sim 

Eunício Oliveira (PMDB) - Sim 

Flávio Bezerra  (PMDB) - Sim 

Gorete Pereira (PR) - Sim 

José Guimarães  (PT) - Sim 

José Linhares  (PP) - Sim 

Leo Alcântara  (PR) - Sim 

Manoel Salviano  (PSDB)  -Sim 

Marcelo Teixeira (PR)  -Sim 

Mauro Benevides (PMDB) - Sim 

Pastor Pedro Ribeiro (PMDB) - Sim 

Paulo Henrique Lustosa  (PMDB) - Sim 

Raimundo Gomes de Matos  (PSDB) - Abstenção 

Vicente Arruda (PR) - Sim 

Distrito Federal (DF) 

Jofran Frejat  (PR) - Sim 

Laerte Bessa (PMDB) - Não 

Magela (PT) - Sim 

Osório Adriano (DEM) - Não 

Ricardo Quirino (PR) - Sim 

Rodrigo Rollemberg (PSB) - Não 

Tadeu Filippelli (PMDB) - Sim 

Espírito Santo (ES) 

Camilo Cola (PMDB)- Sim 

Capitão Assumção (PSB) - Sim 

Jurandy Loureiro (PSC) - Sim 

Lelo Coimbra (PMDB) - Sim 

Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB) - Sim 

Manato (PDT) - Sim 

Rita Camata (PMDB) - Sim 

Rose de Freitas (PMDB) - Sim 

Sueli Vidigal  (PDT) - Sim 

Goiás (GO) 

Carlos Alberto Leréia (PSDB) - Sim 

Chico Abreu (PR) - Sim 

Íris de Araújo (PMDB) - Sim 

João Campos (PSDB) - Sim 

Leandro Vilela (PMDB) - Sim 

Leonardo Vilela (PSDB) - Sim 

Luiz Bittencourt (PMDB) - Sim 

Marcelo Melo (PMDB) - Sim 

Pedro Chaves (PMDB) - Sim 

Pedro Wilson (PT) - Sim 

Professora Raquel Teixeira (PSDB) - Sim 

Ronaldo Caiado (DEM) - Sim 

Sandes Júnior (PP) - Sim 

Sandro Mabel (PR) - Sim 

Maranhão (MA) 

Albérico Filho (PMDB) - Sim 

Carlos Brandão  (PSDB) - Sim 

Cleber Verde  (PRB) - Sim 

Clóvis Fecury  (DEM) - Sim 

Domingos Dutra  (PT) - Sim 

Julião Amin  (PDT) - Sim 

Pedro Fernandes  (PTB) - Sim 

Pedro Novais  (PMDB) - Sim 

Pinto Itamaraty  (PSDB) - Sim 

Professor Setimo  (PMDB) - Sim 

Ribamar Alves  (PSB) -  Sim 

Roberto Rocha  (PSDB) - Sim 

Zé Vieira  (PR) – Sim

Mato Grosso (MT) 

Carlos Abicalil (PT) - Sim 

Carlos Bezerra (PMDB) - Sim 

Eliene Lima (PP) - Sim 

Homero Pereira (PR) - Sim 

Professor Victorio Galli (PMDB) - Sim 

Thelma de Oliveira (PSDB) - Sim 

Valtenir Pereira (PSB) - Sim 

Mato Grosso do Sul (MS) 

Antônio Carlos Biffi (PT) - Sim 

Antonio Cruz (PP)  - Sim 

Geraldo Resende (PMDB) - Sim 

Marçal Filho (PMDB) -  Sim 

Vander Loubet (PT) - Sim 

Waldemir Moka (PMDB) -  Não 

Minas Gerais (MG) 

Ademir Camilo (PDT) - Sim 

Aelton Freitas (PR) - Sim 

Antônio Andrade (PMDB) -  Sim 

Antônio Roberto (PV) - Sim 

Aracely de Paula (PR) - Sim 

Bilac Pinto (PR) - Sim 

Bonifácio de Andrada (PSDB) - Sim 

Carlos Willian (PTC) - Sim 

Ciro Pedrosa (PV) - Sim 

Edmar Moreira (PR) - Sim 

Eduardo Barbosa (PSDB) - Sim 

Elismar Prado (PT) - Sim 

Fábio Ramalho (PV) - Sim 

George Hilton (PP) - Sim 

Gilmar Machado (PT) - Sim 

Humberto Souto (PPS) - Sim 

Jairo Ataide (DEM) - Sim 

Jô Moraes (PCdoB) -  Sim 

João Bittar (DEM) - Sim 

João Magalhães (PMDB) - Sim 

José Fernando Aparecido de Oliveira (PV) - Sim 

José Santana de Vasconcellos (PR) - Sim 

Júlio Delgado (PSB) - Sim 

Lael Varella (DEM) - Sim 

Leonardo Monteiro  (PT) - Sim 

Lincoln Portela (PR) - Sim 

Luiz Fernando Faria (PP) - Sim 

Marcos Lima (PMDB) - Sim 

Marcos Montes (DEM) - Sim 

Maria Lúcia Cardoso (PMDB) - Sim 

Mário de Oliveira (PSC) - Sim 

Mauro Lopes (PMDB) - Sim 

Miguel Corrêa (PT) - Sim 

Narcio Rodrigues (PSDB) - Sim 

Odair Cunha (PT) - Sim 

Paulo Abi-Ackel (PSDB) - Sim 

Paulo Piau (PMDB) -  Sim 

Rafael Guerra (PSDB) - Sim 

Reginaldo Lopes (PT) - Sim 

Rodrigo de Castro (PSDB) - Sim 

Saraiva Felipe (PMDB) - Sim 

Silas Brasileiro (PMDB) - Sim   

Pará (PA) 

Asdrubal Bentes (PMDB) -  Sim 

Bel Mesquita  (PMDB) -  Sim 

Beto Faro (PT) - Sim 

Gerson Peres  (PP) - Sim 

Lira Maia  (DEM) - Sim 

Lúcio Vale (PR) - Sim 

Nilson Pinto (PSDB) - Sim 

Vic Pires Franco (DEM) - Sim 

Wandenkolk Gonçalves (PSDB) -Sim 

Wladimir Costa (PMDB) - Sim 

Zé Geraldo (PT) - Sim 

Zenaldo Coutinho (PSDB) - Sim 

Zequinha Marinho (PSC) - Sim 

Paraíba (PB) 

Armando Abílio (PTB) - Sim 

Damião Feliciano (PDT) - Sim 

Efraim Filho (DEM)  -Sim 

Luiz Couto (PT) - Sim 

Major Fábio (DEM) - Sim 

Marcondes Gadelha (PSB) - Sim 

Rômulo Gouveia (PSDB) - Sim 

Wellington Roberto (PR) - Sim 

Wilson Santiago (PMDB) - Sim

Paraná (PR) 

Abelardo Lupion (DEM) - Sim 

Airton Roveda (PR) - Sim 

Alceni Guerra (DEM) - Sim 

Alex Canziani (PTB)  - Sim 

Alfredo Kaefer (PSDB) - Sim 

Andre Vargas (PT) - Sim 

Andre Zacharow (PMDB) - Sim 

Angelo Vanhoni (PT) - Sim 

Cezar Silvestri (PPS)  - Sim 

Chico da Princesa (PR) -  Sim 

Dilceu Sperafico (PP) - Sim 

Eduardo Sciarra (DEM) - Sim 

Gustavo Fruet (PSDB) - Não 

Hermes Parcianello (PMDB) - Sim 

Luiz Carlos Setim (DEM) - Sim 

Marcelo Almeida (PMDB) - Não 

Moacir Micheletto (PMDB) - Sim 

Nelson Meurer (PP) - Sim 

Odílio Balbinotti (PMDB) - Não 

Osmar Serraglio (PMDB) - Sim 

Ratinho Junior (PSC) - Sim 

Ricardo Barros (PP) - Sim 

Rodrigo Rocha Loures (PMDB) - Sim 

Wilson Picler (PDT) - Sim 

Pernambuco (PE) 

Ana Arraes  (PSB) - Sim 

André de Paula (DEM) - Sim 

Armando Monteiro (PTB) - Não 

Bruno Rodrigues (PSDB) - Sim 

Carlos Eduardo Cadoca (PSC) - Sim 

Charles Lucena (PTB) - Sim 

Edgar Moury (PMDB) - Não 

Eduardo da Fonte (PP) - Sim 

Fernando Ferro (PT) - Sim 

Fernando Nascimento (PT) - Sim 

José Chaves (PTB) - Sim 

José Mendonça Bezerra (DEM) - Sim 

Maurício Rands (PT) - Sim 

Paulo Rubem Santiago (PDT) - Sim 

Pedro Eugênio (PT) - Sim 

Raul Jungmann (PPS) - Sim 

Silvio Costa (PMN) - Não 

Wolney Queiroz (PDT) - Sim 

Piauí (PI) 

Átila Lira (PSB) - Sim 

Ciro Nogueira (PP) - Sim 

Elizeu Aguiar (PTB) - Sim 

Júlio Cesar (DEM) - Sim 

Marcelo Castro (PMDB) - Sim 

Nazareno Fonteles (PT) - Sim 

Osmar Júnior (PCdoB) - Sim 

Paes Landim (PTB) - Sim 

Rio de Janeiro (RJ) 

Andreia Zito (PSDB) - Sim 

Antonio Carlos Biscaia (PT) - Não 

Arnaldo Vianna (PDT) - Sim 

Arolde de Oliveira (DEM) - Não 

Bernardo Ariston (PMDB) -  Sim 

Carlos Santana (PT) - Sim 

Chico Alencar (Psol) - Não 

Chico DAngelo (PT) - Sim 

Cida Diogo (PT) - Sim 

Deley (PSC) - Sim 

Dr. Adilson Soares (PR) - Sim 

Dr. Paulo César (PR) - Sim 

Edmilson Valentim  (PCdoB) -  Sim 

Edson Ezequiel (PMDB) - Sim 

Eduardo Cunha (PMDB) - Não 

Eduardo Lopes (PSB) - Sim 

Felipe Bornier (PHS) - Sim 

Fernando Gabeira (PV) - Não 

Filipe Pereira (PSC) - Sim 

Geraldo Pudim (PMDB) - Sim 

Glauber Braga (PSB) - Sim 

Jair Bolsonaro (PP) - Não 

Leandro Sampaio (PPS) - Sim 

Léo Vivas (PRB) - Sim 

Luiz Sérgio (PT) - Sim 

Miro Teixeira  (PDT) - Não 

Nelson Bornier  (PMDB) - Sim 

Otavio Leite (PSDB) - Não 

Pastor Manoel Ferreira (PTB) - Sim 

Paulo Rattes (PMDB) - Sim 

Rogerio Lisboa (DEM) - Sim 

Silvio Lopes (PSDB) - Sim 

Simão Sessim (PP) - Sim 

Solange Amaral (DEM) - Sim 

Suely (PR) - Sim 

Vinicius Carvalho (PTdoB) - Sim 

Rio Grande do Norte (RN) 

Betinho Rosado (DEM) - Sim 

Fábio Faria (PMN) - Sim 

Fátima Bezerra (PT) - Sim 

Felipe Maia (DEM) - Sim 

Henrique Eduardo Alves (PMDB) - Sim 

João Maia (PR) -  Sim 

Rogério Marinho (PSDB) - Sim 

Sandra Rosado (PSB) - Sim 

Rio Grande do Sul (RS) 

Afonso Hamm (PP) - Sim 

Darcísio Perondi (PMDB) - Sim 

Eliseu Padilha  (PMDB) - Abstenção 

Emilia Fernandes (PT) - Sim 

Enio Bacci (PDT) - Sim 

Fernando Marroni (PT) - Sim 

Geraldinho  (Psol) - Sim 

Germano Bonow  (DEM) - Sim 

Ibsen Pinheiro  (PMDB) - Sim 

Luis Carlos Heinze  (PP) - Sim 

Luiz Carlos Busato  (PTB)  - Sim 

Manuela DÁvila  (PCdoB) - Sim 

Marco Maia (PT) - Sim 

Mendes Ribeiro Filho (PMDB) - Sim 

Nelson Proença (PPS) - Não 

Onyx Lorenzoni  (DEM) - Sim 

Paulo Pimenta  (PT) - Sim 

Paulo Roberto Pereira (PTB) - Sim 

Pepe Vargas (PT) - Sim 

Pompeo de Mattos  (PDT) - Sim 

Professor Ruy Pauletti (PSDB) - Sim 

Vieira da Cunha (PDT) - Sim 

Vilson Covatti (PP) - Sim   

Rondonia (RO) 

Anselmo de Jesus (PT) - Sim 

Eduardo Valverde  (PT) - Sim 

Ernandes Amorim (PTB) - Sim 

Lindomar Garçon (PV) - Sim 

Marinha Raupp  (PMDB) - Sim 

Mauro Nazif (PSB) - Sim 

Moreira Mendes  (PPS) - Sim 

Natan Donadon (PMDB) - Sim 

Roraima (RR) 

Angela Portela  (PT) - Sim 

Edio Lopes (PMDB) -  Sim 

Francisco Rodrigues (DEM) - Sim 

Marcio Junqueira (DEM) - Sim 

Santa Catarina (SC) 

Acélio Casagrande (PMDB) - Sim 

Angela Amin (PP) - Sim 

Celso Maldaner (PMDB) - Sim 

Edinho Bez (PMDB) - Sim 

Fernando Coruja (PPS) - Sim 

Gervásio Silva (PSDB) - Sim 

João Matos (PMDB) - Sim 

João Pizzolatti (PP) - Sim 

Jorge Boeira (PT) - Sim 

José Carlos Vieira (DEM) - Sim 

Nelson Goetten (PR) - Sim 

Valdir Colatto (PMDB) - Sim 

Vignatti (PT) - Sim 

Zonta (PP) - Sim

São Paulo (SP) 

Abelardo Camarinha (PSB) - Sim 

Aldo Rebelo (PCdoB) - Sim 

Antonio Bulhões (PMDB) - Sim 

Arnaldo Faria de Sá (PTB) - Sim 

Arnaldo Jardim (PPS) - Sim 

Arnaldo Madeira (PSDB) - Não 

Beto Mansur (PP) - Sim 

Bispo Tenuta (DEM) - Sim 

Cândido Vaccarezza (PT) - Sim 

Carlos Sampaio (PSDB) - Sim 

Carlos Zarattini (PT) - Sim 

Devanir Ribeiro (PT) - Sim 

Dimas Ramalho (PPS)  - Sim 

Dr. Nechar (PV) - Sim 

Dr. Ubiali (PSB) - Sim 

Duarte Nogueira (PSDB) - Sim 

Edson Aparecido (PSDB) - Sim 

Eleuses Paiva (DEM) - Sim 

Emanuel Fernandes (PSDB) - Não 

Fernando Chiarelli (PDT) - Sim 

Fernando Chucre (PSDB) - Sim 

Francisco Rossi  (PMDB) -  Sim 

Guilherme Campos (DEM) - Sim 

Ivan Valente (Psol) - Não 

Janete Rocha Pietá (PT) - Sim 

João Dado (PDT) - Sim 

João Paulo Cunha (PT) - Sim 

Jorginho Maluly (DEM) - Sim 

José C Stangarlini  (PSDB) - Sim 

José Genoíno (PT) - Sim 

José Mentor (PT) - Sim 

Julio Semeghini (PSDB) - Sim 

Lobbe Neto (PSDB) - Sim 

Luciana Costa (PR) - Sim 

Luiza Erundina (PSB) - Não 

Marcelo Ortiz  (PV) - Sim 

Milton Monti (PR) - Sim 

Milton Vieira (DEM) - Sim 

Paes de Lira (PTC) - Não 

Paulo Maluf (PP) - Sim 

Paulo Teixeira  (PT) - Sim 

Regis de Oliveira (PSC) - Sim 

Ricardo Tripoli (PSDB) - Não 

Roberto Alves (PTB) - Sim 

Roberto Santiago (PV) - Sim 

Silvio Torres (PSDB) - Não 

Vadão Gomes (PP) - Sim 

Valdemar Costa Neto (PR) - Sim 

Vicentinho (PT) - Sim 

William Woo (PSDB) - Não 

Sergipe (SE) 

Eduardo Amorim (PSC) - Sim 

Iran Barbosa (PT) - Sim 

Jackson Barreto (PMDB) - Sim 

Jerônimo Reis (DEM) - Sim 

José Carlos Machado (DEM) - Sim 

Mendonça Prado (DEM) - Sim 

Valadares Filho (PSB) - Sim 

Tocantins (TO) 

Eduardo Gomes  (PSDB) - Sim 

João Oliveira (DEM) - Sim 

Laurez Moreira  (PSB) - Sim 

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Moises Avelino (PMDB) -Sim 

NIlmar Ruiz  (DEM) - Sim 

Osvaldo Reis  (PMDB) - Sim 

Vicentinho Alves (PR) - Sim

terça-feira, 22 de setembro de 2009

sábado, 19 de setembro de 2009

A Biblioteca de Babel, por Jose Luis Borges


A Biblioteca de Babel, Jose Luis Borges

O universo (que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um número indefinido, e talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no centro, cercados por balaustradas baixíssimas. De qualquer hexágono, vêem-se os andares inferiores e superiores: interminavelmente. A distribuição das galerias é invariável. Vinte prateleiras, em cinco longas estantes de cada lado, cobrem todos os lados menos dois; sua altura, que é a dos andares, excede apenas a de um bibliotecário normal. Uma das faces livres dá para um estreito vestíbulo, que desemboca em outra galeria, idêntica à primeira e a todas. À esquerda e à direita do vestíbulo, há dois sanitários minúsculos. Um permite dormir em pé; outro, satisfazer as necessidades físicas. Por aí passa a escada espiral, que se abisma e se eleva ao infinito. No vestíbulo há um espelho, que fielmente duplica as aparências. Os homens costumam inferir desse espelho que a Biblioteca não é infinita (se o fosse realmente, para que essa duplicação ilusória?), prefiro sonhar que as superfícies polidas representam e prometem o infinito... A luz procede de algumas frutas esféricas que levam o nome de lâmpadas. Há duas em cada hexágono: transversais. A luz que emitem é insuficiente, incessante.

Como todos os homens da Biblioteca, viajei na minha juventude; peregrinei em busca de um livro, talvez do catálogo de catálogos; agora que meus olhos quase não podem decifrar o que escrevo, preparo-me para morrer, a poucas léguas do hexágono onde nasci. Morto, não faltarão mãos piedosas que me joguem pela balaustrada; minha sepultura será o ar insondável; meu corpo cairá demoradamente e se corromperá e dissolverá no vento gerado pela queda, que é infinita. Afirmo que a Biblioteca é interminável. Os idealistas argúem que as salas hexagonais são uma forma necessária do espaço absoluto ou, pelo menos, de nossa intuição do espaço, Alegam que é inconcebível uma sala triangular ou pentagonal. (Os místicos pretendem que o êxtase lhes revele uma câmara circular com um grande livro circular de lombada contínua, que siga toda a volta das paredes; mas seu testemunho é suspeito; suas palavras, obscuras. Esse livro cíclico é Deus.) Basta-me, por ora, repetir o preceito clássico: "A Biblioteca é uma esfera cujo centro cabal é qualquer hexágono, cuja circunferência é inacessível".

A cada um dos muros de cada hexágono correspondem cinco estantes; cada estante encerra trinta e dois livros de formato uniforme; cada livro é de quatrocentas e dez páginas; cada página, de quarenta linhas; cada linha, de umas oitenta letras de cor preta. Também há letras no dorso de cada livro; essas letras não indicam ou prefiguram o que dirão as páginas. Sei que essa inconexão, certa vez, pareceu misteriosa. Antes de resumir a solução (cuja descoberta, apesar de suas trágicas projeções, é talvez o fato capital da história), quero rememorar alguns axiomas.

O primeiro: A Biblioteca existe ab aeterno. Dessa verdade cujo corolário imediato é a eternidade futura do mundo, nenhuma mente razoável pode duvidar. O homem, o imperfeito bibliotecário, pode ser obra do acaso ou dos demiurgos malévolos; o universo, com seu elegante provimento de prateleiras, de tomos enigmáticos, de infatigáveis escadas para o viajante e de latrinas para o bibliotecário sentado, somente pode ser obra de um deus. Para perceber a distância que há entre o divino e o humano, basta comparar esses rudes símbolos trêmulos que minha falível mão garatuja na capa de um livro, com as letras orgânicas do interior: pontuais, delicadas, negríssimas, inimitavelmente simétricas.

O segundo: O número de símbolos ortográficos é vinte e cinco(1). Esta comprovação permitiu, depois de trezentos anos, formular uma teoria geral da Biblioteca e resolver satisfatoriamente o problema que nenhuma conjetura decifrara: a natureza disforme e caótica de quase todos os livros. Um, que meu pai viu em um hexágono do circuito quinze noventa e quatro, constava das letras MCV perversamente repetidas da primeira linha até a última. Outro (muito consultado nesta área) é um simples labirinto de letras, mas a página penúltima diz Oh, tempo tuas pirâmides. Já se sabe: para uma linha razoável ou uma correta informação, há léguas de insensatas cacofonias, de confusões verbais e de incoerências. (Sei de uma região montanhosa cujos bibliotecários repudiam o supersticioso e vão costume de procurar sentido nos livros e o equiparam ao de procurá-lo nos sonhos ou nas linhas caóticas da mão... Admitem que os inventores da escrita imitaram os vinte e cinco símbolos naturais, mas sustentam que essa aplicação é casual, e que os livros em si nada significam. Esse ditame, já veremos, não é completamente falaz.)

Durante muito tempo, acreditou-se que esses livros impenetráveis correspondiam a línguas pretéritas ou remotas. É verdade que os homens mais antigos, os primeiros bibliotecários, usavam uma linguagem assaz diferente da que falamos agora; é verdade que algumas milhas à direita a língua é dialetal e que noventa andares mais acima é incompreensível. Tudo isso, repito-o, é verdade, mas quatrocentas e dez páginas de inalteráveis MCV não podem corresponder a nenhum idioma, por dialetal ou rudimentar que seja. Uns insinuaram que cada letra podia influir na subseqüente e que o valor de MCV na terceira linha da página 71 não era o que pode ter a mesma série noutra posição de outra página, mas essa vaga tese não prosperou. Outros pensaram em criptografias; universalmente essa conjetura foi aceita, ainda que não no sentido em que a formularam seus inventores.

Há quinhentos anos, o chefe de um hexágono superior(2) deparou com um livro tão confuso como os outros, porém que possuía quase duas folhas de linhas homogêneas. Mostrou seu achado a um decifrador ambulante, que lhe disse que estavam redigidas em português; outros lhe afirmaram que em iídiche. Antes de um século pôde ser estabelecido o idioma: um dialeto samoiedo-lituano do guarani, com inflexões de árabe clássico. Também decifrou-se o conteúdo: noções de análise combinatória, ilustradas por exemplos de variantes com repetição ilimitada. Esses exemplos permitiram que um bibliotecário de gênio descobrisse a lei fundamental da Biblioteca. Esse pensador observou que todos os livros, por diversos que sejam, constam de elementos iguais: o espaço, o ponto, a vírgula, as vinte e duas letras do alfabeto. Também alegou um fato que todos os viajantes confirmaram: "Não há, na vasta Biblioteca, dois livros idênticos". Dessas premissas incontrovertíveis deduziu que a Biblioteca é total e que suas prateleiras registram todas as possíveis combinações dos vinte e tantos símbolos ortográficos (número, ainda que vastíssimo, não infinito), ou seja, tudo o que é dado expressar: em todos os idiomas. Tudo: a história minuciosa do futuro, as autobiografias dos arcanjos, o catálogo fiel da Biblioteca, milhares e milhares de catálogos falsos, a demonstração da falácia desses catálogos, a demonstração da falácia do catálogo verdadeiro, o evangelho gnóstico de Basilides, o comentário desse evangelho, o comentário do comentário desse evangelho, o relato verídico de tua morte, a versão de cada livro em todas as línguas, as interpelações de cada livro em todos os livros; o tratado que Beda pôde escrever (e não escreveu) sobre a mitologia dos saxões, os livros perdidos de Tácito.

Quando se proclamou que a Biblioteca abarcava todos os livros, a primeira impressão foi de extravagante felicidade. Todos os homens sentiram-se senhores de um tesouro intacto e secreto. Não havia problema pessoal ou mundial cuja eloqüente solução não existisse: em algum hexágono. O universo estava justificado, o universo bruscamente usurpou as dimensões ilimitadas da esperança. Naquele tempo falou-se muito das Vindicações: livros de apologia e de profecia, que para sempre vindicavam os atos de cada homem do universo e guardavam arcanos prodigiosos para seu futuro. Milhares de cobiçosos abandonaram o doce hexágono natal e precipitaram-se escadas acima, premidos pelo vão propósito de encontrar sua Vindicação. Esses peregrinos disputavam nos corredores estreitos, proferiam obscuras maldições, estrangulavam-se nas escadas divinas, jogavam os livros enganosos no fundo dos túneis, morriam despenhados pelos homens de regiões remotas. Outros enlouqueceram... As Vindicaçôes existem (vi duas que se referem a pessoas do futuro, a pessoas talvez não imaginárias), mas os que procuravam não recordavam que a possibilidade de que um homem encontre a sua, ou alguma pérfida variante da sua, é computável em zero.

Também se esperou então o esclarecimento dos mistérios básicos da humanidade: a origem da Biblioteca e do tempo. E verossímil que esses graves mistérios possam explicar-se em palavras: se não bastar a linguagem dos filósofos, a multiforme Biblioteca produzirá o idioma inaudito que se requer e os vocabulários e gramáticas desse idioma. Faz já quatro séculos que os homens esgotam os hexágonos... Existem investigadores oficiais, inquisidores. Eu os vi no desempenho de sua função: chegam sempre estafados; falam de uma escada sem degraus que quase os matou; falam de galerias e de escadas com o bibliotecário; às vezes, pegam o livro mais próximo e o folheiam, á procura de palavras infames. Visivelmente, ninguém espera descobrir nada.

À desmedida esperança, sucedeu, como é natural, uma depressão excessiva. A certeza de que alguma prateleira em algum hexágono encerrava livros preciosos e de que esses livros preciosos eram inacessíveis afigurou-se quase intolerável. Uma seita blasfema sugeriu que cessassem as buscas e que todos os homens misturassem letras e símbolos, até construir, mediante um improvável dom do acaso, esses livros canônicos. As autoridades viram-se obrigadas a promulgar ordens severas. A seita desapareceu, mas na minha infância vi homens velhos que demoradamente se ocultavam nas latrinas, com alguns discos de metal num fritilo proibido, e debilmente arremedavam a divina desordem.

Outros, inversamente, acreditaram que o primordial era eliminar as obras inúteis. Invadiam os hexágonos, exibiam credenciais nem sempre falsas, folheavam com fastio um volume e condenavam prateleiras inteiras: a seu furor higiênico, ascético, deve-se a insensata perda de milhões de livros. Seu nome é execrado, mas aqueles que deploram os "tesouros" destruídos por seu frenesi negligenciam dois fatos notórios. Um: a Biblioteca é tão imensa que toda redução de origem humana resulta infinitesimal. Outro: cada exemplar é único, insubstituível, mas (como a Biblioteca é total) há sempre várias centenas de milhares de fac-símiles imperfeitos: de obras que apenas diferem por uma letra ou por uma vírgula, Contra a opinião geral, atrevo-me a supor que as conseqüências das depredações cometidas pelos Purificadores foram exageradas graças ao horror que esses fanáticos provocaram, Urgia-lhes o delírio de conquistar os livros do Hexágono Carmesim: livros de formato menor que os naturais; onipo. tentes, ilustrados e mágicos.

Também sabemos de outra superstição daquele tempo: a do Homem do Livro. Em alguma estante de algum hexágono (raciocinaram os homens) deve existir um livro que seja a cifra e o compêndio perfeito de todos os demais: algum bibliotecário o consultou e é análogo a um deus. Na linguagem desta área persistem ainda vestígios do culto desse funcionário remoto.

Muitos peregrinaram à procura d'Ele. Durante um século trilharam em vão os mais diversos rumos. Como localizar o venerado hexágono secreto que o hospedava? Alguém propôs um método regressivo: Para localizar o livro A, consultar previamente um livro B, que indique o lugar de A; para localizar o livro B, consultar previamente um livro C, e assim até o infinito... Em aventuras como essas, prodigalizei e consumi meus anos. Não me parece inverossímil que em alguma prateleira do universo haja um livro total;(3) rogo aos deuses ignorados que um homem - um só, ainda que seja há mil anos! - o tenha examinado e lido. Se a honra e a sabedoria e a felicidade não estão para mim, que sejam para outros. Que o céu exista, embora meu lugar seja o inferno. Que eu seja ultrajado e aniquilado, mas que num instante, num ser, Tua enorme Biblioteca se justifique.

Afirmam os ímpios que o disparate é normal na Biblioteca e que o razoável (e mesmo a humilde e pura coerência) é quase milagrosa exceção. Falam (eu o sei) de "a Biblioteca febril, cujos fortuitos volumes correm o incessante risco de transformar-se em outros e que tudo afirmam, negam e confundem como uma divindade que delira". Essas palavras, que não apenas denunciam a desordem mas que também a exemplificam, provam, evidentemente, seu gosto péssimo e sua desesperada ignorância. De fato, a Biblioteca inclui todas as estruturas verbais, todas as variantes que permitem os vinte e cinco símbolos ortográficos, porém nem um único disparate absoluto. Inútil observar que o melhor volume dos muitos hexágonos que administro intitula-se Trono Penteado, e outro A Cãibra de Gesso e outro Axaxaxas mlö. Essas proposições, à primeira vista incoerentes, sem dúvida são passíveis de uma justificativa criptográfica ou alegórica; essa justificativa é verbal e, ex hypothesí, já figura na Biblioteca. Não posso combinar certos caracteres dhcmrlchtdj, que a divina Biblioteca não tenha previsto e que em alguma de suas línguas secretas não contenham um terrível sentido. Ninguém pode articular uma sílaba que não esteja cheia de ternuras e de temores; que não seja em alguma dessas linguagens o nome poderoso de um deus. Falar é incorrer em tautologias. Esta epístola inútil e palavrosa já existe num dos trinta volumes das cinco prateleiras de um dos incontáveis hexágonos - e também sua refutação. (Um número n de linguagens possíveis usa o mesmo vocabulário; em alguns, o símbolo biblioteca admite a correta definição ubíquo e perdurável sistema de galerias hexagonais, mas biblioteca é pão ou pirâmide ou qualquer outra coisa, e as sete palavras que a definem têm outro valor. Você, que me lê, tem certeza de entender minha linguagem?)

A escrita metódica distrai-me da presente condição dos homens. A certeza de que tudo está escrito nos anula ou nos fantasmagoriza. Conheço distritos em que os jovens se prostram diante dos livros e beijam com barbárie as páginas, mas não sabem decifrar uma única letra. As epidemias, as discórdias heréticas, as peregrinações que inevitavelmente degeneram em bandoleirismo, dizimaram a população. Acredito ter mencionado os suicídios, cada ano mais freqüentes. Talvez me enganem a velhice e o temor, mas suspeito que a espécie humana - a única - está por extinguir-se e que a Biblioteca perdurará: iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta.

Acabo de escrever infinita. Não interpelei esse adjetivo por costume retórico; digo que não é ilógico pensar que o mundo é infinito. Aqueles que o julgam limitado postulam que em lugares remotos os corredores e escadas e hexágonos podem inconcebivelmente cessar - o que é absurdo. Aqueles que o imaginam sem limites esquecem que os abrange o número possível de livros. Atrevo-me a insinuar esta solução do antigo problema: A Biblioteca é ilimitada e periódica. Se um eterno viajante a atravessasse em qualquer direção, comprovaria ao fim dos séculos que os mesmos volumes se repetem na mesma desordem (que, reiterada, seria uma ordem: a Ordem). Minha solidão alegra-se com essa elegante esperança.(4)
Mar del Plata, 1941.
Notas
1. O manuscrito original não contém algarismos ou maiúsculas. A pontuação foi limitada à vírgula e ao ponto. Esses dois signos, o espaço e as vinte e duas letras do alfabeto são os vinte e cinco símbolos suficientes que enumera o desconhecido (nota do editor).
2. Antes, em cada três hexágonos havia um homem. O suicídio e as enfermidades pulmonares destruíram essa proporção. Lembrança de indizível melancolia: às vezes, viajei muitas noites por corredores e escadas polidas sem encontrar um único bibliotecário.
3. Repito-o: basta que um livro seja possível para que exista. Somente está excluído o impossível. Por exemplo: nenhum livro é também unia escada, ainda que, sem dúvida, haja livros que discutem e neguem e demonstrem essa possibilidade e outros cuja estrutura corresponde à de uma escada.
4. Letizia Álvarez de Toledo observou que a vasta Biblioteca é inútil; a rigor, bastaria um único volume, de formato comum, impresso em corpo nove ou em corpo dez, composto de um número infinito de folhas infinitamente delgadas. (Cavalieri, em princípios do século XVII, disse que todo corpo sólido é superposição de um número infinito de planos.) O manuseio desse vade mecum sedoso não seria cômodo: cada folha aparente se desdobraria em outras análogas; a inconcebível folha central não teria reverso.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A Biblioteca

«Um dos mal-entendidos que dominam a noção de biblioteca é o facto de se pensar que se vai à biblioteca pedir um livro cujo título se conhece. Na verdade acontece muitas vezes ir-se à biblioteca porque se quer um livro cujo título se conhece, mas a principal função da biblioteca, pelo menos a função da biblioteca da minha casa ou da de qualquer amigo que possamos ir visitar, é de descobrir livros de cuja existência não se suspeitava e que, todavia, se revelam extremamente importantes para nós.

A função ideal de uma biblioteca é de ser um pouco como a loja de um alfarrabista, algo onde se podem fazer verdadeiros achados, e esta função só pode ser permitida por meio do livre acesso aos corredores das estantes.

Se a biblioteca é, como pretende Borges, um modelo do Universo, tentemos transformá-la num universo à medida do homem e, volto a recordar, à medida do homem quer também dizer alegre, com a possibilidade de se tomar um café, com a possibilidade de dois estudantes numa tarde se sentarem num maple e, não digo de se entregarem a um amplexo indecente, mas de consumarem parte do seu flirt na biblioteca, enquanto retiram ou voltam a pôr nas estantes alguns livros de interesse científico, isto é, uma biblioteca onde apeteça ir, e que se vá transformando gradualmente numa grande máquina de tempos livres»

Umberto Eco

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Bonito, gostoso e prático

Bonito, gostoso e prático

Ruy Castro, Folha de São Paulo, hoje

Um dos temas mais momentosos da Bienal do Livro, em cartaz no Riocentro, é se o livro impresso, de papel, corre o risco de desaparecer, fulminado pelas novas tecnologias. Eu próprio, zanzando entre os stands no último domingo, fui perguntado várias vezes sobre isso.

Curiosamente, quem olhasse ao redor diria que a pergunta não fazia sentido e que a indústria do livro nunca esteve tão robusta neste país. Era um domingo de escandaloso azul, com as praias, os passeios e todas as formas de lazer grátis no Rio convidando o povo a estar em qualquer lugar, menos ali, num conjunto de pavilhões em Jacarepaguá, a mais de uma hora de Ipanema, e tendo de comprar ingresso para entrar.

Pois essa pergunta estava sendo feita em meio a montanhas de livros expostos e 125 mil pessoas, número de visitantes que, segundo a Bienal, compareceu no fim de semana. Gente que não pagou para ver malabaristas, engolidores de fogo ou artistas globais, mas romancistas, biógrafos, poetas ou autores de livros para crianças.

Respondi que, como formato, o livro é difícil de ser superado -porque já nasceu perfeito, e não é de hoje. Ele é bonito, gostoso e prático. É também portátil: pode ser levado na mão, na mochila ou na bolsa, e lido no sofá, na cama, no banheiro, na mesa do jantar, no bonde, no ônibus, no jardim, na praia, na banheira, onde você quiser. É também barato: quem não tiver dinheiro para comprar livros novos, encontrará farta escolha nos sebos e até na calçada da rua.

Um livro pode nos alimentar por uma semana, um mês ou o resto da vida. E, ao contrário do CD e do DVD, não precisa de uma máquina para tocar. Basta ser aberto para poder ser lido. Na verdade, o livro só precisa de nós.

Neste momento, mais do que nunca, talvez.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Casamentos possíveis

Casamentos possíveis

“Em geral, a gente casa com a pessoa certa:

com quem podemos culpar por nossos fracassos”

CONTARDO CALLIGARIS, ontem na Folha de São Paulo

UMA DAS boas razões para se casar é a seguinte: uma vez casados, podemos culpar o casal por boa parte de nossas covardias e impotências.

O marido, por exemplo, pode responsabilizar mulher, filhos e casamento por ele ter desistido de ser o aventureiro que ainda dorme, inquieto, em seu peito. A decepção consigo mesmo é menos amarga quando é transformada em acusação: "Você está me impedindo de alcançar o que eu não tenho a coragem de querer".

Essas recriminações, que disfarçam nossos fracassos, não são unicamente masculinas.

Certo, os homens são quase sempre assombrados por impossíveis devaneios de grandeza -como se algum destino extraordinário e inalcançável já tivesse sido sonhado para eles (e foi mesmo, geralmente pelas suas mães). Diante de tamanha expectativa, é cômodo alegar que o casal foi o impedimento.

As mulheres, inversamente, seriam mais pé-no-chão, capazes de achar graça nas serventias do cotidiano. Por isso mesmo, aliás, elas encarnariam facilmente, para os homens, os limites que a realidade impõe aos sonhos que eles não têm a ousadia de realizar.

Agora, as mulheres também sonham. Há a dona de casa que acusa o marido, os filhos e o casamento por ela ter desistido de outra vida (eventualmente, profissional), que teria sido fonte de maiores alegrias. E há, sobre tudo, para muitas mulheres, um sonho romântico de amor avassalador e irresistível, do qual, justamente, elas desistem por causa de marido, filhos e casamento.

Com isso, d. Quixote se queixa de que sua mulher esconde seus livros de cavalaria e o impede de sair à cata de moinhos de vento. E Madame Bovary se queixa de que seu marido esconde seus livros de amor e a impede de sair pelos bailes, à cata de paixões sublimes e elegantes.

Pena que raramente eles consigam ter os mesmos sonhos. Um problema é que os sonhos dos homens podem ser de conquista, mas dificilmente de amor, pois eles derivam diretamente das esperanças que as mães depositam em seus filhos, e, claro, uma mãe pode esperar que seu rebento varão seja um dom-juan, mas raramente esperará ser substituída por outra mulher no coração do filho.

Não pense que esse fogo cruzado de acusações seja causa recorrente de divórcio. Ao contrário, ele faz a força do casamento, pois, atrás da acusação ("É por sua causa que deixei de realizar meus sonhos"), ouve-se: "Ainda bem que você está aqui, do meu lado, fornecendo-me assim uma desculpa -sem você, eu teria de encarar a verdade, e a verdade é que eu mesmo não paro de trair meus próprios sonhos".

Ou seja, em geral, a gente casa com a pessoa "certa": a que podemos culpar por nossos fracassos. E essa, repito, não é uma razão para separar-se. Ao contrário, seria uma boa razão para ficar juntos.

Quando a coisa aperta, não é porque sonhos e devaneios teriam sido frustrados "por causa do outro", mas pelas "cobranças", que, elas sim, podem se revelar insuportáveis.

Um exemplo masculino. Uma mulher me permite acreditar que é por causa dela que eu não consigo ser o que quero: graças a Deus, não posso mais tentar minha sorte no garimpo agora que tenho esposa, filhos e tal. Até aqui, tudo bem. Como compensação pelos sonhos dos quais eu desisti, passo as tardes de domingo afogando num sofá e soltando foguetes quando meu time marca um gol, mas eis que, no meio do jogo, minha mulher me pede para brincar com as crianças ou para ir até à padaria e comprar o necessário para o café - logo a mim, que deveria estar explorando as fontes do Nilo ou negociando a paz entre os senhores da guerra da Somália.

Essa cobrança, aparentemente chata, poderia salvar-me da morosa constatação do fracasso de meus sonhos e das ninharias com as quais me consolo. Talvez, aliás, ela me ajudasse a encontrar prazer e satisfação na vida concreta, nos afetos cotidianos. Mas não é o que acontece: o que ouço é mais uma voz que confirma minha insuficiência.

À cobrança dos sonhos dos quais desisti acrescenta-se a cobrança de quem foi (ou é) "causa" de minha desistência e razão de meu "sacrifício": "Olhe só, mesmo assim, ela não está satisfeita comigo." Em suma, não presto, nunca, para mulher alguma -nem para a mãe que queria que eu fosse herói nem para a esposa para quem renunciei a ser herói. E a corda arrebenta.

O ideal seria aceitar que nosso par nos acuse de seus fracassos e, além disso, não lhe pedir nada. Difícil.

ccalligari@uol.com.br