sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Sócrates e o porco

Sócrates e o porco

"Para o sr. J. Campos,

"felizmente, Deus não existe, ainda".

Mas vai existir, garante seu livro"

CARLOS HEITOR CONY, Folha de São Paulo, hoje

O CONTÍNUO veio avisar que o sujeito queria falar comigo. Fui lá fora, e o camarada alto e magro levantou-se e apresentou-se: J. Campos. Homem de meia-idade, parecido com o Guimarães Rosa quando ria, aquele brilho nos olhos esverdeados, aquela mesma hesitação no falar, como quem procura sempre a palavra exata. J. Campos lera um livro meu, sabia-me de vagas inquietações e viera oferecer seus préstimos e seu livro, edição particular.

Campos saíra de seus ócios, enfrentara o calor da cidade para me trazer sua mensagem. Prometi ler-lhe o livro -e seria apenas uma promessa somada a outras que vou fazendo e me esquecendo de cumprir.

Por desencargo de consciência, folheei o livro para depois jogá-lo num canto qualquer. Mas o Campos mexeu em feridas cá dentro, não cicatrizadas ainda. Veio, sobretudo, ressuscitar uma velha leitura minha, "Le Phenomène Humain", de Teilhard Chardin, um jesuíta francês que criou um caso com suas teorias.

Mas era emoção morta, nenhum dos meus amigos ou inimigos conhecia o livro de Chardin. E, como resolvera enfrentar a vida em termos práticos, enterrara Chardin e seu livro para sempre.

E eis que me surge o sr. J. Campos com o livro sobre as teorias de Chardin. E sinto um pouco de perplexidade e carinho, como quem, regenerado de uma vida de crimes, descobre anos mais tarde o insuspeitado sócio de um crime sepultado e insolúvel. Evidente, há terror nessa descoberta. Não só pela comparação que ela me sugeriu como pela descoberta em si. Pois essa descoberta pode ser Deus.

Seria inútil resumir a teoria de Chardin e os comentários de J. Campos a respeito. Em linhas gerais, podia dizer o seguinte: no dia em que o mundo estiver sob regime socialista integral e solidário, velhos organismos de outros regimes terão de sobreviver. Um desses organismos seria a igreja. E aí surge a questão: como a igreja sobreviveria em um Estado ateu e socializante?

Deixando de lado as escaramuças iniciais de ambas as partes, haveria de ser encontrada uma fórmula que desse ao Estado e à igreja autonomias e bases para a coexistência. Essas bases já começam a surgir, veladamente, no seio da igreja. Pronunciamentos esparsos, algumas teses mais afoitas.

Evidente, os altos escalões ignoram essa tentativa, mas a soma dessas tentativas, mais cedo ou mais tarde, corporificará uma doutrina específica para a situação que se criar. Foi assim no passado -e a igreja, sem trair seus postulados mais importantes, aí está depois de Lutero, da Enciclopédia, da Revolução Francesa, de Darwin, da Revolução Russa.

O jesuíta Chardin bolou a fórmula para a igreja depois de Engels e Marx. E, embora não aceitando passivamente a ontologia chardiniana, Campos avança mais um pouco -o que talvez tenha sido seu erro ou sua inexperiência. Chardin veio nas águas de uma pesquisa clássica: o homem como perspectiva e, ao mesmo tempo, construção do Universo. Isso junta, no mesmo leito, a filosofia idealista e a materialista -e Campos aprova tal promiscuidade.

Mas Chardin vai adiante: "Ser mais e unir-se cada vez mais. Donde: o homem tende a unir-se com todos os outros homens". Até aí, a linguagem do jesuíta agradaria a tomistas e marxistas, incluindo o sr. J. Campos. Mas onde Chardin envereda por um caminho, o Campos por outro -eu empaco no mesmo lugar, sem enveredar por caminho nenhum- é na questão da presença de Deus nessa união. Para o sr. J. Campos, "felizmente, Deus não existe, ainda". Mas vai existir -é o que garante o seu livro.

E, de repente, me sinto igual a um ateniense dos tempos de Paulo que adorasse a um Deus inexistente. Até que surge o apóstolo no Areópago e diz: "Atenienses! Há um Deus que vós adorais sem conhecer. E é desse Deus que vos venho falar!". Campos repete -ao menos para mim- o mesmo encantamento de uma súbita descoberta: o Deus em que deveria crer não existe ainda, a culpa não é minha, é do Deus que ainda não existe.

Daí que lembro, a atenienses e cascadurenses, a máxima citada por Campos: mais vale um Sócrates inquieto do que um porco satisfeito. Assim sendo, que será do porco insatisfeito?

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Macacos somos todos

Macacos somos todos

“A natureza encarregava-se de ajustar

 as peças do relógio,

 preservando os mais bem adaptados”

JOÃO PEREIRA COUTINHO, hoje na Folha  

IMAGINEMOS: existe um caminho; existe um relógio perdido no meio do caminho; é lógico pensar que o relógio não surgiu por acaso. Foi o produto de mãos informadas, que juntaram partes microscópicas para que o relógio, enfim, funcionasse.

Essa belíssima metáfora pertence a William Paley (1743-1805). E ela resume, com a simplicidade só acessível aos grandes, o credo da ciência natural na Inglaterra do século 19: apesar das teorias "evolucionistas" de Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829) ou Erasmus Darwin (1731-1802), Deus é o supremo relojoeiro.

O relógio de Paley deixou de funcionar há precisamente 150 anos quando o neto de Erasmus Darwin, Charles Robert, publicava "A Origem das Espécies". E se o relógio fosse o produto de um longo processo de seleção e adaptação sem nenhum relojoeiro por detrás? A hipótese, hoje, parece-nos evidente. Eu próprio, lendo a "Origem..." e o brilhante ensaio de Janet Browne sobre o livro, imitei a exclamação de Huxley, o "buldogue de Darwin": "Mas como é que eu não pensei nisso antes?".

A pergunta faz sentido. Mas o mais interessante sobre a "Origem..." é que a obra, tal como a teoria que ela apresenta, é também um produto de acasos: aventuras biográficas, leituras ocasionais e observações empíricas experimentadas por Darwin nos primeiros 50 anos da sua vida.

Começa por ser um produto da sua frustrada passagem por Edimburgo, para cursar medicina e seguir as pegadas do pai. Sabemos que Darwin acabaria por abandonar o curso, horrorizado com a brutalidade de certas terapêuticas. Mas os anos na Escócia, ao permitirem os primeiros contactos com as teorias "evolucionistas", plantaram na cabeça do jovem Charles as primeiras inquietações: e se os seres não são o resultado de um único ato da criação?

A resposta a essa possibilidade seria avançada a bordo do Beagle: viajando pelo mundo, Darwin confrontava-se com a essencial diversidade dele. Mas não apenas com a diversidade visível; também com a falta de estabilidade inferida: a sul de Buenos Aires, por exemplo, o naturalista encontrava fósseis de mamíferos com traços anatômicos semelhantes, mas não iguais, aos das espécies contemporâneas.

A juntar a essa "instabilidade" e "descontinuidade" das espécies, as horas a bordo eram preenchidas com a leitura do geólogo Charles Lyell (1797-1875). E se Lyell desaprovava a "transmutação" das espécies, toda a sua teoria geológica apontava no sentido inverso: as mudanças da Terra não eram conduzidas por nenhum "relojoeiro" divino. Eram o resultado de múltiplas, pequenas e graduais alterações naturais, ao longo de períodos de tempo imensamente longos.

Quando regressou à Inglaterra em 1836, Darwin tinha uma certeza: no mundo natural, as espécies variam e "transformam-se". Faltava explicar como.

E seria Thomas Malthus (1766-1834) a fornecer uma preciosa ajuda. Malthus era um cientista social "avant la lettre", para quem o crescimento demográfico suplantava a capacidade humana de produzir alimentos. Essa explosiva situação teria um preço: a fome, o conflito, a guerra -uma luta pela sobrevivência de todos contra todos em que os mais pobres e fracos estariam condenados a perecer.

Malthus oferecia, no fundo, uma conceitualização teórica para práticas banais que Darwin observava entre agricultores ou criadores de gado, sempre interessados em selecionar os melhores exemplares, dotados dos traços mais valiosos, para se reproduzirem ao longo de gerações. Deus não era o relojoeiro. A natureza encarregava-se de ajustar as peças do relógio, preservando os mais bem adaptados, preservando os seus traços mais vantajosos numa perpétua luta pela sobrevivência. E pela continuidade da espécie.

Converteu-se em clichê afirmar que o mundo nunca mais foi o mesmo depois da "Origem...". Feliz e infelizmente, o clichê é verdadeiro. Felizmente, a obra de Darwin é um exemplo de honestidade e rigor intelectual capaz de oferecer a mais poderosa explicação científica sobre o longo caminho da humanidade.

Infelizmente, Darwin não sobreviveria para testemunhar o que ideólogos ou fanáticos diversos acabariam por fazer com as suas ideias: uma defesa da subjugação e mesmo do extermínio de raças consideradas "inferiores" e "dispensáveis" por autoproclamados Super-Homens. Tivessem eles lido Darwin com atenção e aprenderiam que não existe motivo para triunfalismos ou distinções. Pretos, brancos ou amarelos, macacos somos todos.

jpcoutinho@folha.com.br           

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

PERFEITO!

Perfeito, pra dizer o mínimo, o que o jornalista Flavio Gomes escreve sobre o caso da minissaia. Uma verdadeira reflexão sobre os rumos que nossa juventude e nossas universidades estão tomando. Mando bem demais!

Abaixo coluna de que me refiro.

Abs.

A MOÇA, A SAIA, A FACULDADE, Flavio Gomes

SÃO PAULO (é o fim) – Fiz faculdade entre 1982 e 1985. Faculdade de riquinho, FAAP. Não havia sinal de movimento estudantil ali. Na verdade, com o fim da ditadura, a eleição de Tancredo e a perspectiva de diretas em 1989, o movimento estudantil se enfraqueceu e, sendo bem sincero, foi sumindo aos poucos. Minha atividade mais próxima da subversão foi vender sanduíches naturais para arrecadar dinheiro para uma festa das Diretas.

Hoje, as entidades representativas dos estudantes servem para emitir carteirinhas para a turba pagar meia-entrada em shows e no cinema. Sem um inimigo claro, que no caso das gerações imediatamente anteriores à minha era o governo militar, ficamos sem ter do que reclamar. Porque, no fundo, por conta da politização desses movimentos todos, a questão educacional foi colocada de lado por muitos anos, e deixou de ser prioridade.

Já como repórter, cheguei a cobrir algumas confusões na USP na segunda metade dos anos 80. Sem querer simplificar demais, mas recorrendo ao que minha memória me permite lembrar, o tema central era o aumento do preço do bandejão nos refeitórios da universidade. Deu greve e tudo. Muito pouco. Ainda mais porque, como se sabe, boa parte dos que conseguem chegar à USP vêm de escolas particulares, e o preço do bandejão não chegava a afetar seriamente o orçamento de ninguém.

O caso dessa moça de minissaia da Uniban poderia ser um bom motivo para despertar algum tipo de reação na molecada. De repúdio aos que ofenderam a menina, de reflexão sobre os rumos da universidade, de protesto contra sua expulsão, de perplexidade com o recuo da reitoria por razões obviamente mercantis.

Reitoria… Era palavra respeitada, antigamente. Hoje, os reitores dessas espeluncas mal falam português. A transformação do ambiente universitário em quitandas que vendem diplomas é assustadora. E os estudantes são coniventes. Não exigem ensino de qualidade, compromisso com a educação, porra nenhuma. Querem se formar logo, se possível pagando pouco, e dane-se o mundo.

Fico espantado ao observar como pensa e age essa juventude urbana entre 20 e 25 anos. São fascistóides, hedonistas, individualistas, retardados ao cubo. Basta ver o perfil da menina da minissaia no Orkut. Uma completa debilóide, mas nada diferente, tenho certeza, de seus colegas de faculdade (vejam as “comunidades” às quais ela pertence; coisas como “Gosto de causar, e daí?”, “Sou loira sim, quem me aguenta?”, “Para de falar e me beija logo”, coisas do tipo). O que, evidentemente, não dá a ninguém o direito de fazer o que fizeram com ela. Até porque são todos iguais, idênticos, tontos, despreparados, sem noção.

Aí a Uniban expulsa a menina, dizendo que os alunos que a chamavam de “puta” e queriam bater na coitada estavam “defendendo o ambiente escolar”. Puta que pariu! Como é que pode? Como podem adultos, “educadores”, que teoricamente têm um pouco mais de neurônios em funcionamento, reduzirem a questão a isso? E criticarem a menina porque ela se veste assim ou assado, anda rebolando, “se insinua”?

Pior: muitos, mas muitos mesmo, alunos defenderam a expulsão. Acham que a menina é uma vagabunda que provoca os colegas. Bando de animais, intolerantes, sádicos, hostis, agressivos. Eu nunca deixaria um filho meu estudar numa universidade frequentada por esse tipo de gente e dirigida por cretinos do naipe dos que assinaram a expulsão e, depois, revogaram-na sem revelar o motivo — aquele que nunca será admitido, o prejuízo à imagem dessa porcaria de empresa, sim, empresa, e das mais lucrativas, porque chamar um negócio desses de “universidade” é desmoralizar a palavra.

O Brasil está fodido com essas gerações que vêm por aí. Um caso desses, que poderia trazer à tona discussões importantes sobre o comportamento dos jovens, suas angústias, seus rumos, resume-se ao tamanho da saia da moça e ao seu comportamento “inadequado”, seja lá o que for isso. A educação, neste país, tem sido negligenciada de forma criminosa há décadas. O governo poderia começar a limpar a área por essas fábricas de diploma, que surgem aos montes sem que ninguém se preocupe com o tipo de gente que está à frente delas.

O que se vê hoje, graças a essas faculdades privadas de esquina, sem história e princípios, é uma população cada vez maior de “nível superior” sem nível algum. Um desastre completo. Gente que não pensa, não argumenta, não lê, não raciocina coletivamente, se comporta como gado raivoso, passa o dia punhetando no Orkut e no MSN, escreve “aki”, “facu”, “xurras”, “naum”, “huahsuahsua”, um bando de tontos desperdiçando os melhores anos de suas vida com uma existência vazia, um vácuo intelectual, sob o olhar perplexo de gerações, como a minha, que um dia sonharam em fazer um mundo melhor e, definitivamente, não conseguiram.

Somos todos culpados, no fim. Me incluo.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Blogs, twitter, orkut e outros buracos

Blogs, twitter, orkut e outros buracos

Fonte: Arnaldo Jabor

Não estou no "twitter", não sei o que é o "twitter", jamais entrarei neste terreno baldio e, incrivelmente, tenho 26 mil "seguidores" no "twitter". Quem me pôs lá? Quem foi o canalha que usou meu nome? Jamais saberei. Vivemos no poço escuro da web. Ou buscamos a exposição total para ser "celebridade" ou usamos esse anonimato irresponsável com nome dos outros. Tem gente que fala para mim: "Faz um blog, faz um blog!" Logo eu, que já sou um blog vivo, tagarelando na TV, rádio e jornais... Jamais farei um blog, este nome que parece um coaxar de sapo-boi. Quero o passado. Quero o lápis na orelha do quitandeiro, quero o gato do armazém dormindo no saco de batatas, quero o telefone preto, de disco, que não dá linha, em vez dos gemidinhos dos celulares incessantes.

Comunicar o quê? Ninguém tem nada a dizer. Olho as opiniões, as discussões "online" e só vejo besteira, frases de 140 caracteres para nada dizer. Vivemos a grande invasão dos lugares-comuns, dos uivos de medíocres ecoando asnices para ocultar sua solidão deprimente.

O que espanta é a velocidade da luz para a lentidão dos pensamentos, uma movimentação "em rede" para raciocínios lineares. A boa e velha burrice continua intocada, agora disfarçada pelo charme da rapidez. Antigamente, os burros eram humildes; se esgueiravam pelos cantos, ouvindo, amargurados, os inteligentes deitando falação. Agora não; é a revolução dos idiotas online.

Quero sossego, mas querem me expandir, esticar meus braços em tentáculos digitais, meus olhos no "google", ("goggles" - olhos arregalados) em órbitas giratórias, querem que eu seja ubíquo, quando desejo caminhar na condição de pobre bicho bípede; não quero tudo saber, ao contrário, quero esquecer; sinto que estão criando desejos que não tenho, fomes que perdi. Estamos virando aparelhos; os homens andam como robôs, falam como microfones, ouvem como celulares, não sabemos se estamos com tesão ou se criam o tesão em nós. O Brasil está tonto, perdido entre tecnologias novas cercadas de miséria e estupidez por todos os lados. A tecnociência nos enfiou uma lógica produtiva de fábricas vivas, chips, pílulas para tudo, enquanto a barbárie mais vagabunda corre solta no País, balas perdidas, jaquetas e tênis roubados, com a falsa esquerda sendo pautada pela mais sinistra direita que já tivemos, com o Jucá e o Calheiros botando o Chávez no Mercosul para "talibanizar" de vez a América Latina. Temos de "funcionar" - não viver. Somos carros, somos celulares, somos circuitos sem pausa. Assistimos a chacinas diárias do tráfico entre chips e "websites".

ESCRITORES FANTASMAS

O leitor perguntará: "Por que este ódio todo, bom Jabor?" Claro que acho a revolução digital a coisa mais importante dos séculos. Mas estou com raiva por causa dos textos apócrifos que continuam enfiando na internet com meu nome.

Já reclamei aqui desses textos, mas tenho de me repetir. Todo dia surge uma nova besteira, com dezenas de e-mails me elogiando pelo que eu "não" fiz. Vou indo pela rua e três senhoras me abordam - "Teu artigo na internet é genial! Principalmente quando você escreve: "As mulheres são tão cheirosinhas; elas fazem biquinho e deitam no teu ombro...""

"Não fui eu...", respondo. Elas não ouvem e continuam: "Modéstia sua! Finalmente alguém diz a verdade sobre as mulheres! Mandei isso para mil amigas! Adoraram aquela parte: "Tenho horror à mulher perfeitinha. Acho ótimo celulite..."" Repito que não é meu, mas elas (em geral barangas) replicam: "Ah... É teu melhor texto..." - e vão embora, rebolando, felizes.

Sei que a internet democratiza, dando acesso a todos para se expressar. Mas a democracia também libera a idiotia. Deviam inventar um "antispam" para bobagens.

Vejam mais o que "eu" escrevi: "As mulheres de hoje lutam para ser magrinhas. Elas têm horror de qualquer carninha saindo da calça de cintura tão baixa que o cós acaba!"... Luto dia e noite contra cacófatos e jamais escreveria "cós acaba!". Mas, para todos os efeitos, fui eu. Na internet eu sou amado como uma besta quadrada, um forte asno... (dirão meus inimigos: "Finalmente, ele se encontrou...")

Vejam as banalidades que me atribuem:

"Bom mesmo é ter problema na cabeça, sorriso na boca e paz no coração!"

Ou: "A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso cante, chore, dance e viva intensamente antes que a cortina se feche!"

Ainda sobre a mulher: "São escravas aparentemente alforriadas numa grande senzala sem grades."

Há um texto bem gay sobre os gaúchos, há mais de um ano. Fui "eu", a mula virtual, quem escreveu tudo isso. E não adianta desmentir.

Esta semana descobri mais. Há um texto rolando (e sendo elogiado) sobre "ninguém ama uma pessoa pelas qualidades que ela tem" ou outro em que louvo a estupidez, chamado "Seja Idiota!"...

Mas o pior são artigos escritos por inimigos covardes para me sujar. Há um texto de extrema direita, boçal, xingando os brasileiros, onde há coisas como: "Brasileiro é babaca. Elege para o cargo mais importante do Estado um sujeito que não tem escolaridade e preparo nem para ser gari. Brasileiro é um povo trabalhador. Mentira. Brasileiro é vagabundo por excelência. Um povo que se conforma em receber uma esmola do governo de 90 reais mensais para não fazer nada, não pode ser adjetivado de outra coisa que não de vagabundo. 90% de quem vive na favela é gente honesta e trabalhadora. Mentira. Muito pai de família sonha que o filho seja aceito como "aviãozinho" do tráfico para ganhar uma grana legal. Se a maioria da favela fosse honesta, já teriam existido condições de se tocar os bandidos de lá para fora... O brasileiro merece! É igual a mulher de malandro - gosta de apanhar..."

E o pior é que muita gente me cumprimenta pela "coragem" de ter escrito esta sordidez.

Ou seja: admiram-me pelo que eu teria de pior; sou amado pelo que não escrevi. Na internet, eu sou machista, gay, idiota, corno e fascista. É bonito isso?

Em tempo: este texto foi escrito pelo próprio Jabor, afinal saiu em sua coluna semanal (desta terça) do Jornal "O Estado de São Paulo"