quarta-feira, 30 de junho de 2010

Sobre vacas, porcos e bolas...

Sobre vacas, porcos e bolas...

RUBEM ALVES

“Não é raro que um jogo de futebol termine

em tourada e que seja manifestação

de espírito de porco”

EU HAVIA acabado de me mudar de Minas para o Rio de Janeiro, no ano de 1945. Caipira, desconhecia as regras de sociabilidade da capital. Foi então que um colega do curso de admissão chegou-se a mim sorrindo e, num gesto de amizade, me disse: "Eu sou Flu. E você?"

Fiquei abobalhado. Ele era "Flu". "Flu" deveria ser uma coisa muito importante, ao ponto de ele me confessar ser "Flu". Mas eu não sabia o que era "Flu". Diante do meu silêncio ele se dirigiu a um outro colega e lhe disse a mesma coisa. "Eu sou Flu", ele repetiu. "Eu sou Mengo", o outro respondeu. Iniciavam-se assim as relações sociais, não com a troca de cartões de visita, mas trocando nomes de times. Eu não tinha nome a dizer. Portanto não existia...

Contaram-me de um palmeirense roxo que odiava o Corinthians. Já velho, na cama, aguardava o apito do Grande Juiz que o expulsaria de campo. Chamou o filho e com voz trêmula lhe disse: "Estou morrendo. Quero que você faça a minha última vontade. Vá lá no Corinthians e inscreva-me como torcedor".

O filho achou que o velho já estava tendo alucinações. Argumentou. Mas o pai foi irredutível. O filho fez, então, a vontade do pai. Voltou com a carteirinha de torcedor do Corinthians. O velho, vendo o seu rosto na carteirinha, sorriu um sorriso angelical e disse: "Oh, a suprema alegria de ver mais um corintiano morrer..." Ditas essas palavras, entregou a alma.

Sou indiferente ao futebol, exceto quando o Brasil está jogando. Essa indiferença tem sido a causa de muitos embaraços, e cheguei mesmo a levar esse problema à minha psicanalista.

"Por que é que todo mundo se entusiasma com futebol e eu não me entusiasmo?" Ela me sugeriu que deveria haver algum trauma infantil não resolvido no início dessa perturbação. Sugeriu-me entregar-me às associações livres da mesma forma como os urubus se deixam levar pelo vento. Voei. E eis que, de repente, uma cena esquecida me apareceu.

Era um campo de futebol de roça, um pastinho. Dois times estavam jogando. Meu irmão me levara até aquele lugar. Eu nada entendia do que estava acontecendo, com todos aqueles homens em calções correndo para chutar uma bola. Tudo ocorria sem maiores percalços quando, de repente, veio pela estrada de terra um cavaleiro conduzindo uma vaca.

A vaca, vendo aquele alvoroço, a bola que era chutada para lá e chutada para cá, resolveu entrar no jogo. Arremeteu contra a bola, de cabeça abaixada como os touros na arena.

Os jogadores e o juiz fugiram espavoridos. Muitos subiram em árvores. Eu, menino pequeno, não conseguiria subir numa. Meu irmão, para me salvar, arrastou-me para um chiqueiro cheio de porcos e colocou-me lá dentro.

A vaca, não contente em chifrar a bola, dispunha-se a chifrar tudo o que se movesse. Mas eu, dentro do chiqueiro, nada via, a não ser aqueles porcos peludos que grunhiam grunhidos que davam medo.

Minha analista, comovida com o meu relato, concluiu que minha indiferença ao futebol se devia a essa experiência em que o jogo aparece ligado a uma vaca desembestada e a porcos mal cheirosos.

Concordei. Minha primeira experiência com o futebol foi traumática: mistura de bola, vaca e porcos. E está certo: não é raro que uma partida termine em tourada e que seja manifestação de espírito de porco...

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Relacionamento ideal?

Relacionamento ideal?

por Marcelo Rubens Paiva

Um quiosque vermelho, patrocinado por uma marca de cerveja.

Mesinha de plástico sem guarda-sol. Poucas pessoas.

Carioca não vai à praia quando os termômetros estão abaixo dos 20.

O paulistano lia um jornal da sua cidade, bebia um coco. Na mesa ao lado, ela se sentou, pediu caipirinha. Depois, pediu emprestado os cadernos já lidos. Era paranaense, mas assinava jornais paulistas. São melhores, justificou.

A primeira afinidade entre eles.

A segunda?

Ambos na cidade praiana, hospedados em hoteis em frente à orla; duas torres vizinhas.

Fugiram do inverno e da rotina de suas cidades. Fora de temporada. Nem era feriado.

No papo, as diferenças.

Ele, recém-separado.

Ela, casada há 15 anos, sem filhos, cujo marido ficara em Curitiba.

Ele descrente das relações duradouras dos dias de hoje.

Ela era a prova de que, sim, há esperança.

Ele enumerou suas separações. E como há sempre uma barreira intransponível, que bloqueia a felicidade de um casal, defeitos que aprisionam o amor.

Ela discordou, mas escutou.

Citou a ex-alcoólatra com quem foi casado. Tudo era perfeito, mas tinha esta doença presente. Impossível lidar com a vodca no café da manhã e as posteriores.

Depois, citou a relação cujo tesão acabara em dois anos. Como manter um casamento com a frieza e o sintoma de uma dúbia amizade?

Citou o casamento com a ciumenta obsessiva. Ciúmes de amigos, família, vizinhos, controladora desesperada, que invadia e-mails, extratos bancários, revistava carteiras, sempre à procura de pistas. Não deu.

E lembrou a bipolar, que acordava de um jeito, tomava café-da-manhã de outro, e não se sabia como chegaria em casa depois do expediente.

Concluiu.

Sempre haverá um ponto limite. Qual o segredo, perguntou, para que um casamento não tenha uma barreira intransponível, como o seu.

Ela não soube responder. Nem formular a receita. Pois a vida toda esteve casada apenas com um cara, que amava acima de tudo.

Conversavam como amigos de longa data. Riram das trapalhadas amorosas dele. Trocaram celulares, pois, sozinhos na cidade, combinariam programas, um teatro quem sabe…

Almoçaram no restaurante do hotel dela, com vista para o mar. Subiram até o quarto dela, também com vista para o mar. Ele queria checar se era melhor que o dele, para na próxima vez se hospedar lá.

À noite, foram juntos ao teatro a três quadras. Uma comédia sobre mulheres neuróticas. Rasa, mas engraçada.

Embebedaram-se no botequim da esquina. Ambos pediram a mesma caipirinha de lima com vodca sem açúcar. Ambos de deliciaram pelos petiscos tão famosos dos bares cariocas.

Aquela amizade inesperada empolgou. Que sorte, o encontro casual.

Ela ria da vida amorosa confusa e instável dele. Ele via nela a chance de desabafar, realizar um balanço. E de entender os espinhos do amor.

“Como faziam nossos avós?”, perguntou.

“Toleravam a alcoólatra, a ciumenta, a bipolar, a frígida, tiveram netos, foram mais felizes do que a gente?”

“Ou não”, ela respondeu, e riram.

Ele a deixou no hotel e foi para o seu.

Chuva e frio no dia seguinte, paisagem desanimadora. Trocaram mensagens pelo celular. Combinaram um almoço. Num tailandês.

Outra tarde voou. Mais caipirinha sem açúcar. Mais histórias divertidas: a da namorada que chorava toda vez que gozava; a que gritava muito, o que o levou a comprar um aparelho de som e instalar no quarto; a que pedia para ele morder com força; a contorcionista que era uma pedra na cama.

Na volta, ela o convidou para subir para o quarto dela, para matar uma garrafa de champanhe. Serviu assim que entraram.

Viram juntos a paisagem invernal, a ressaca violenta do mar, a ventania arrastando os poucos esportistas.

Ele se confundiu.

Mas percebia que, quando se aproximava dela, ela se afastava. Quando se sentaram na cama, ela colocou travesseiros entre eles. E decidiu. Na despedida, tentaria algo.

Se levantou, preciso ir, estou bêbado, preciso me deitar, dormir um pouco. Ela o acompanhou até a porta. Então, ele passou o braço ao redor dela e tentou beijá-la.

Ela disse não. Ele sorriu. Se desculpou. Ela disse que nunca traiu o marido. Ele se surpreendeu, nunca? Que lindo…

Caminhou até o hotel invejando aquele marido. Entrou no seu quarto, quando o primeiro torpedo chegou:

Vc vai deitar por mto tempo?”

Ele não soube o que responder. Tomou um banho, se deitou. Chegou o segundo torpedo:

“Vamos tomar um vinho antes de dormir, please.”

Ele respondeu que ia visitar um amigo.

“Tá ventando mto pra vc sair.”

Ele respondeu: “Olha, vc viu que as mulheres me confundem, vc está me confundindo. Mudou de opinião? Só pra eu entender…”

Ela respondeu: “É que fiquei meio mal e me sentiria melhor se pudesse falar. Esperar até amanhã? É tortura.”

Ele respondeu: “Tá tudo bem, eu que não devia ter feito aquilo. Mas te ligo.”

Não ligou. Ela não escreveu mais. Ele, idem.

Domingo. Ela sabia que ele partiria naquela noite. E finalmente mandou, no começo da tarde: “Vai embora sem se despedir?”

Ele não respondeu, evitou cruzar a orla e a calçada em que ela poderia estar. Almoçou num lugar fechado. Andou com cuidado pela sombra.

No começo da noite, entrava num táxi com a sua mala, quando ela apareceu correndo:

“Você é um filho da puta, só quis me comer?”

A reação agressiva o surpreendeu. O taxista esperando.

Teria sido a aventura perfeita de um romântico fim de semana, que não seria esquecida, mas abandonada. Ele respondeu apenas:

“Adorei te conhecer.”

Nunca mais se viram. Nem se falaram. Nem se escreveram. E ela, atormentada pelo não ocorrido.

No fundo, ele não quis manchar um relacionamento ideal. Existe?

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Resquício x monopólio

Resquício x monopólio

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Dez razões que comprovam por que esta Copa é a

melhor de todas as eras, dentro e fora de campo

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XICO SÁ, hoje na Folha

AMIGO TORCEDOR, amigo secador, abaixo relaciono algumas razões, com ajuda espírita do corvo Edgar e do brother Chico Bacon, estimadas criaturas deste vagabundo cronista e do bravíssimo Caco Galhardo, para mostrar como esta Copa é a melhor de todas as eras, dentro e fora de campo, ora bolas:

1) Foi-se o tempo em que torcer contra o Brasil era coisa de comunista. O exercício ficou bem mais democrático, por razão moral ou pendor estético;

2) Temos um belo duelo no momento: o resquício autoritário do treinador contra o vício exclusivista e solitário dos detentores do monopólio - Dunga x Globo ou até que o patriotismo triunfal nos una para sempre de novo. Louve-se, no episódio, a elegância do Alex Escobar, que não tirou proveito do bafo como personagem da história;

3) Futebol e religião se discutem sim, senhor. Vide Kaká, a Renascer em chuteiras, provocando jornalistas. Caiu no conto da guerra santa dunguista;

4) A bola sempre procurando Maradona na margem. Vai lá qual um gato para o seu dono e o cheira inteiro, da gravata aos sapatos. O reconhecimento, milonga para um amor eterno;

5) As tantas zebras. Até a Coreia do Sul está no jogo. Quem quer futebol bonito tem que descer para a Vila Belmiro, não ficar esperando que a espetacular câmera lenta da cobertura resolva a parada;

6) O domínio latino-americano, com a Celeste vivíssima e El Loco Bielsa com a chance de chegar ao limite da irresponsabilidade, o que é lindo, o céu azul de qualquer esporte;

7) Raymond Domenech, técnico francês quase homônimo do meu conhaque, eliminado precocemente. Místico, não convocou escorpianos. O inferno astral são os outros. Faltou existencialismo aos enfants de la patrie, danem-se;

8) É uma torcida feminina vestida até o pescoço, tudo bem, faz frio n'África, mas as dinamarquesas fizeram um milagre em minha vida: voltei a gostar de loiras, isso é magnífico;

9) O mundo finalmente descobre Elano. Fenômeno universal do futebol mais ou menos;

10) Pode rolar Brasil x Argentina, na final mais radical de todas as Copas. Nesse dia, provavelmente, Apolo e Dionísio terão um papo sério sobre tudo isso. Os dois times têm um pouco de cada um dos mitos. Tomara que dê mesmo! Depois eu conto.

xico.folha@uol.com.br

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Quem gosta das putas?

Quem gosta das putas?

LUIZ FELIPE PONDÉ

"Todo mundo que teme a nova esquerda é chato,
castrado, não tem originalidade e é medroso"

"A HIPOCRISIA é a homenagem que o vício presta à virtude", dizia o moralista francês La Rochefoucauld. "Moralista", em filosofia, quer dizer anatomista da alma e não alguém que cospe regras em nossa cara.Hoje a hipocrisia é moeda corrente de grande parte da chamada crítica social. Neste caso, o vício não se vê como vício (o vício aqui é a má-fé em si), mas como consciência social, termo que descreve uma das maiores falácias chiques de nossa época. Quer ver?

Peguemos o caso do filme baseado em "A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água", de Jorge Amado, e o debate ao redor da felicidade como "vida safada" ou realização livre do desejo que critica e expõe a hipocrisia pequeno-burguesa.

O personagem era um homem com vida medíocre e "respeitável". É comum criticar a chamada pequena burguesia por sua hipocrisia miserável: emprego medíocre, poupança medíocre, amor medíocre, cotidiano medíocre, em que todos são lobos desdentados, devorando uns aos outros num ritual de opressão mútua. Quincas tem uma vida sem graça e uma mulher típica da pequena burguesia (infeliz, sem sexo, uma megera).

De repente esse homem "se revolta" e mergulha naquilo que muitos intelectuais de então (numa mistura de marxismo de folhetim e Sade popular) veem como crítica social: sua recusa da hipocrisia pequeno-burguesa se materializará num cotidiano de cachaça, mulheres, prostitutas, jogo, enfim, vida mundana.

Suspeito que, se a crítica social, conhecida como uma crítica fincada no tripé "gênero (feminismo e movimento gay) classe e raça", tivesse surgido há 2.500 anos, não teríamos Aristóteles, santo Agostinho, Shakespeare, Dostoiévski ou Kafka (para citar apenas alguns gigantes que teriam preconceitos de gênero, classe e raça).

Provavelmente, seriam todos monótonos, sem originalidade, castrados, chatos e medrosos, como todo mundo que teme essa turba da crítica social da nova esquerda, uma das piores farsas que já se arrastou pela Terra.

Por que estou dizendo isso? Porque, apesar de dizer por aí que personagens assim "são o máximo" porque caem na "noite de pobre", Quincas não se salvaria da crítica social hipócrita que domina parte do cenário "culto" contemporâneo.

Afora sua correta farra de pobre, ele é machista (faz uso das mulheres como objeto comprando as "coitadinhas" das putas -acredito que a maioria das putas escolhe essa vida porque gosta da coisa mesmo), "opressor" de sua "esposa vítima" para quem nega a "justa" satisfação de suas necessidades de mulher (ela seria uma vítima do desinteresse de um marido incapaz de amá-la tal como se "exige" dos casais) e alienado, sem questionar a "sociedade injusta que o gerou". Hoje em dia, o ideal estético da crítica social seria um Quincas castrado.

Outro erro é assumir a hipocrisia como traço "exclusivo" da pequena burguesia. A pequena burguesia tem um modo específico de hipocrisia. Mas maior má-fé é supor que criticar a hipocrisia da pequena burguesia seja superar a hipocrisia porque esta seria um fenômeno "de classe". Toda a "dialética da luta de classes" se resume na dinâmica que reúne a inveja (dos pobres) e o egoísmo (dos ricos) num rito ancestral de sangue.

A hipocrisia é um elemento intrínseco da dinâmica civilizada (como reconhecem os moralistas franceses, sem por isso fazer o elogio dela). Negar isso (o caráter universal da hipocrisia) é fundar um novo tipo de má-fé, mais falsa ainda, porque se traveste de pureza d'alma.

A necessidade da hipocrisia como elemento da vida civilizada se dá porque os seres humanos não se suportam plenamente. E não há como ser diferente. A "verdade" pode ser mortal na vida social. Alguns sobrevivem graças aos seus vícios, outros perecem graças às suas virtudes. A força desse personagem não está em seu caráter crítico da pequena burguesia, mas sim em seus vícios (mulheres, bebida, jogos), sem perdão. Fazer dele um herói da "virtude política" seria como lhe dar um enterro "respeitável", pequeno-burguês, em vez de levá-lo, mesmo que morto, ao bordel, para "ver" suas deliciosas putas.

ponde.folha@uol.com.br

O 13º TRABALHO

O 13º TRABALHO

Por RAFAEL KLEIN* (texto publicado no Blog do Juca Kfouri)

Era um belo dia de sol no Olimpo. Hércules, feliz da vida, assava uma ovelha para acompanhar os jogos do dia na Copa do Mundo. No momento em que se preparava para dar um gole no seu néctar, Hércules foi surpreendido por Zeus, que descia apressado de cima de uma nuvem:

- Meu filho, tenho um trabalho para você.

- Mais um, pai? Já não bastaram os outros doze?

- É exatamente por isso. Preciso de alguém de confiança e que possa ser capaz de segurar o rojão.

- Eu passo. Já aposentado desde o fim do império helênico, se o senhor não se deu conta.

- Olha o respeito, menino. Se você não fizer o que estou mandando, eu falo com meu irmão Hades e mando você para passar uma temporada sem fim lá no inferno.

Vendo que a sua oliva estava assando e que no fundo não tinha muita escolha, Hércules falou:

- E então, pai? Qual é dessa vez?

- Meu filho, esse é um dos maiores desafios da sua existência.

- Tranquilo, velho. Já matei uma hidra de nove cabeças, já capturei um javali indomável e desviei dois rios para lavar um estábulo gigante. Nada pode ser impossível para mim. Manda.

- É o seguinte: quero que você vá até a África do Sul e ajude a Grécia a vencer a Argentina, garantindo a nossa classificação para a segunda fase.

Hércules, ficou em silêncio por alguns instantes. Em seguida olhou com pesar para Zeus e sentenciou:

- Liga pro tio Hades e avisa que eu estou descendo.

*Rafael Klein é publicitário.

sábado, 19 de junho de 2010

Ensaios...

"Ele nos mostrou que somos um mundo de cegos, de gente sem nome, de história sem tempo, de países sem fronteiras, um mundo em que é preciso morrer."

Flavio Gomes, sobre José Saramago

Legal o filminho.....

Imaginem um pit stop feito pela dupla....

Saramago, um comunista a favor da democracia

Saramago, um comunista a favor da democracia

Por Jair Stangler

Além de grande escritor, o português José Saramago, morto nesta sexta-feira, 18, também sempre assumiu que era um comunista convicto. Mas também sempre procurou deixar claro sua opção pela democracia em detrimento dos governos totalitários. Independente de apreciarmos ou não suas posições ideológicas, Saramago foi um homem de ideias que tomou partido nas principais questões de seu tempo.

Leia também: Saramago era conhecido por opiniões polêmicas e língua afiada
“Sou comunista e por isso sou tratado como inimigo da democracia. Pelo contrário, eu quero é salvar a democracia e para isso é preciso criticar esse simulacro de democracia em que vivemos”, afirmou em entrevista concedida em 2006 à revista francesa Le Nouvel Observateur.

Na mesma entrevista, Saramago esclarece que o comunismo “jamais existiu em nenhum país e em tempo algum. Mesmo na ex-União Soviética, o que havia não era nada senão um capitalismo de Estado”.

Para o escritor português, democracias do ocidente “são fachadas políticas do poder econômico”. “Foi o poder econômico que enfiou nas consciências que o mercado deve agir de mãos livres e, assim fazendo, levou à conclusão de que o pleno emprego é um obstáculo”, afirmou.

Foi por essa sua visão sobre a democracia em vigor nos principais países do mundo hoje que Saramago escreveu, em 2004, o livro “Ensaio sobre a lucidez”, uma autocitação que faz referência ao seu clássico “Ensaio sobre a cegueira”, de 1995.

Em ‘Ensaio sobre a cegueira’, um surto de cegueira atinge uma cidade indeterminada, e a partir daí o escritor constrói sua história, base para uma reflexão mais profunda sobre o homem, a ética e a moral. Já em ‘Ensaio sobre a lucidez’, os políticos são surpreendidos com mais de 70% de votos em branco em uma eleição, o que põe em xeque as instituições e todo o sistema democrático.

Seu livro foi entendido como uma defesa do voto em branco. O escritor negou. Mas entendia que esta é uma atitude política, diferente da abstenção.

Apesar de ser defensor da democracia, Saramago era amigo de Fidel Castro e se posicionou muitas vezes em favor do ditador cubano. Assinou em 2006 um manifesto apoiando a transferência do poder de Fidel, que renunciara, para Raúl Castro, seu irmão e atual presidente. Além disso, sempre defendeu o fim do embargo a Cuba. Em 2003, em episódio que culminou no fuzilamento de dissidentes cubanos, Saramago criticou o governo cubano.

Polêmicas

Muito em função de sua posição ideológica, Saramago se envolveu em diversas polêmicas.
Em 2003, em entrevista ao jornal O Globo, o escritor causou polêmica ao criticar a postura dos judeus na Palestina e declarar que “eles não aprenderam nada com o sofrimento dos seus pais e avós” no Holocausto. Pela declaração, foi chamado de ‘antissemita’ por lideranças judaicas.

Mas provavelmente sua principal adversária foi a Igreja Católica. A primeira grande polêmica com a instituição veio quando outra obra clássica, “O Evangelho segundo Jesus Cristo”, que retrata o fundador do Cristianismo como um homem comum, altamente relutante em aceitar os desígnios divinos e em situações bastante humanas, como ao fazer sexo com Maria Madalena.

Saramago parecia se comprazer em provocar a Igreja: “Sobre o livro sagrado, eu costumo dizer: lê a Bíblia e perde a fé!”. Em entrevista concedida ao Estado em 2009, Saramago declarou que ‘deus não existe fora da cabeça das pessoas’.

Após o lançamento de seu último livro, ‘Caim’, em 2009, muitos católicos voltaram a criticar Saramago.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Dia dos namorados?

Dia dos namorados?

por Marcelo Rubens Paiva

Nunca entendi o Dia dos Namorados.

Casados comemoram?

Amantes?

E ficantes?

Almoça-se com um ou uma ex?

E solteiros choram a falta de um ou uma namorada ou comemoram?

Arrumam 1 neste 12 de Junho?

Se agora a maioria FICA, como agendar e com quem jantar num restaurantezinho charmoso?

Sou um romântico [ou um demagogo].

Disse outro dia, para a MTV, que me pegou se surpresa no canto do CLUB BERLIM:

“Todo dia é dia dos namorados…”

Meus amigos atrás das câmeras riram, me chamaram de canalha.

Mas não á?

O que vejo é que menos e menos pessoas namoram.

Mais e mais priorizam uma rotina sem controle e compromissos, 100% livre.

Liberdade, o que é isso?

Livre de cenas de ciúmes, livre para viver um hedonismo excitante, livre para dominar os sentimentos.

Livre para evitar sofrimentos.

O FICAR foi uma inteligente criação adolescente, que contamina.

A vida já é dura demais para se enroscar no imponderável.

Triste [ou não], vivemos no EU eterno.

EU em primeiro lugar.

EU sem repartir.

EU, MEU, MINHA, MEUS.

EU = EGO.

Haverá o Dia do Eu?

Ou todo dia é dia dele?

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Os inimigos

Os inimigos

Flavio Gomes

Já repararam que a imprensa virou a grande inimiga de todas as seleções? Que técnicos e jogadores não aguentam mais os jornalistas? Acham insuportáveis as entrevistas coletivas, as zonas mistas, as perguntas, os comentários?

É uma relação curiosa, e sempre turbulenta, esta da imprensa com as seleções. Na Argentina e na Itália, por exemplo, são históricas as guerras francas e abertas, como em 1982, naquela Copa que a Azzurra ganhou depois de fazer greve de silêncio contra a imprensa da Bota. Aqui do lado, Maradona, quando ainda não era técnico, deu até tiro de espingarda em jornalistas na frente de sua casa. Outro dia, passou com o carro sobre o pé de um fotógrafo. Acho que era fotógrafo. Nas eliminatórias, quando se classificou, mandou todos chuparem alguma coisa. Chupem! E, na África do Sul, deixa os caras do lado de fora da cerca e não quer nem saber.

Dunga ainda não chegou ao ponto de distribuir bordoadas de verdade em ninguém, nem atropelou colunistas ou repórteres, não se sabe se andou dando tiros de espingarda em alguém. São apenas verbais, seus petardos. Abre suas entrevistas, sempre, cuspindo marimbondos.

O resultado é que a cobertura da seleção brasileira nunca foi tão sem sal como nesta Copa. O exército de jornalistas que lá se encontra precisa se contentar com coletivas e mais nada. Não vê treinos, não conversa com ninguém. O goleiro titular está com dor nas costas faz uma semana e o médico ainda não apareceu para dizer o que está acontecendo. Na folga, o que de mais emocionante aconteceu, ontem, foi um passeio por um shopping. Não teve farra, noitada, puteiro, álcool e fumaça. Não há curandeiros, pais-de-santo, onde anda o Vicente Matheus?

É um verdadeiro seminário, essa seleção.

Aí a imprensa, coitada, é obrigada a apelar para as estatísticas mais inúteis do mundo para preencher espaço. “Kleberson só jogou 49 minutos na era Dunga!”, grita um pasquim. “Robinho já fez 19 gols em 49 jogos com o Dunga!”, berra outro. Putz, bela merda.

Dá pena dos colegas. São tratados como inimigos. E a maioria, Dunga que não se engane, torce desesperadamente para a seleção. Ou porque torce mesmo, ou porque “é bom para a imprensa” se o Brasil ganhar, ou porque se o time for eliminado a viagem fica mais curta. E esse comportamento besta vai para as entrevistas, claro. Os caras se acham no direito não de perguntar, mas de cobrar o técnico, perguntar opinando, essas coisas — com as exceções de sempre, claro.

E Dunga devolve com suas patadas dos pampas, porque é chato, mesmo, alguém apontar o dedo para você e dizer o que você tem de fazer, por que não coloca o Ramires?, por que convocou o Doni?, e essas perguntas são feitas não como perguntas, mas sim como acusações, e é por isso que o Dunga não aguenta a imprensa e ninguém aguenta o Dunga.

Em resumo, Dunga é um pentelho. Mas a imprensa também é chata. E, com isso, tem-se a fórmula ideal para se chegar ao que estamos vendo nestes dias de preparação da seleção: zero de notícia. “Saldo de gols depois das substituições é de 23 contra 15 dos titulares!”, me informam as folhas de hoje, desesperadas com a falta de assunto. Putz, caguei. Queria saber é se alguma loira gostosa invadiu o clube de golfe e catou alguém.

sábado, 5 de junho de 2010

Decálogo de um homem feio

Decálogo de um homem feio

por Xico Sá

Dez coisas que um homem feio deve saber para tirar mais proveito da vida, essa ingrata:

I) Que a beleza é passageira e a feiúra é para sempre, como repetia o mal-diagramado Sérge Gainsbourg – o tio francês que pegava a Brigitte Bardot e a Jane Birkin, entre outras deusas. Sim, aquele mesmo francês cabra-safado autor do maior hino de motel de todos os tempos, “Je t´aime moi non plus”, claro.

II) Que as mulheres, ao contrário da maioria dos homens, são demasiadamente generosas. E não me venha com aquela conversinha miolo-de-pote de que as crias das nossas costelas são interesseiras. Corta essa, meu rapaz. Se assim procedessem, os feios, sujos e lascados de pontes e viadutos não teriam as suas bondosas fêmeas nas ruas. Elas estão lá, bravas criaturas, perdendo em fidelidade apenas para os destemidos vira-latas.

III) Que o feio, o mal-assombro propriamente dito, saiba também e repita um velho mantra deste cronista de costumes: homem que é homem não sabe sequer a diferença entre estria e celulite.

IV) Que mulher linda até gay deseja e encara, quero ver é pegar indiscriminadamente toda e qualquer assombração e visagem que aparecer pela frente.

V) Que homem que é homem não trabalha com senso estético. Ponto. Que não sabe e nunca procurou saber sequer que existe tal aparato “avaliatório’’do glorioso sexo oposto.

VI) Que as ditas “feias” decoram o Kama Sutra logo no jardim da infância.

VII) Que para cada mulher mal-diagramada que pegamos, Deus nos manda duas divas logo depois de feita a caridade.

VIII) Que mulher é metonímia, parte pelo todo, até na mais assombrosa das criaturas existe uma covinha, uma saboneteira, uma omoplata, um cotovelo, um detalhe que encanta deveras.

IX) Que me desculpem as muito lindas, mas um quê de feiúra é fundamental, empresta à fêmea uma humildade franciscana quase sempre traduzida em benfeitorias de primeira qualidade na alcova.

X) Saiba, por derradeiro, irmão de feiúra, que a vida é boxe: um bonitão tenta ganhar uma mulher sempre por nocaute, a nossa luta é sempre por pontos, minando lentamente a resistência das donzelas. Boa sorte, amigo esteticamente prejudicado, nesse grande ringue da humanidade!

terça-feira, 1 de junho de 2010

A bola da vez

A bola da vez

“Não há dúvida de que o Brasil tem o direito

de reivindicar um novo papel internacional”

BENJAMIN STEINBRUCH, Folha de São Paulo, hoje

PODE-SE CONCORDAR ou não com a iniciativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado da Turquia, de participar diretamente dos esforços em busca de uma solução para a séria crise gerada pelo programa nuclear do Irã. Dependendo do analista, a atitude foi considerada ingênua, precipitada ou ousada.

Não há, porém, como negar que a governança mundial precisa de novas estruturas e novas lideranças.

Uma frase de Lula diz muito a respeito dessa questão: "O mundo já não é o mesmo do tempo em que as decisões eram tomadas por Churchill, Stálin e Roosevelt".

De fato, o sistema de governança mundial montado no pós-guerra, que, aliás, teve extraordinária eficiência na Europa e na Ásia, é mantido até hoje, como se as forças políticas e econômicas não tivessem mudado nos últimos 65 anos. Alemanha e Japão, que perderam a guerra e foram beneficiados pelos planos de reconstrução, transformaram-se em potências econômicas, mas continuam fora do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, ainda hoje dominado pelos cinco grandes países vencedores da Segunda Guerra Mundial: Estados Unidos, China, Reino Unido, França e Rússia.

Os quatro grandes emergentes, conhecidos como Brics, responderam por metade do crescimento global de 2000 a 2008 e, segundo as previsões, serão responsáveis por dois terços da expansão de produção esperada para os próximos cinco anos. Apesar disso, dois dos quatro Brics -Brasil e Índia- não têm voz nem voto proporcionais ao seu tamanho e importância nos dias de hoje.

Os organismos de governança na área financeira, como o FMI e o Banco Mundial, também criados no pós-guerra, são impotentes para enfrentar as crises dos tempos de globalização. Só para ter uma ideia, o BNDES brasileiro empresta hoje mais recursos do que o Banco Mundial. Na crise americana de 2008 e na atual da Europa, o FMI teve participação secundária, por falta de influência e recursos financeiros.

Na área social, a ineficiência da governança mundial é literalmente dramática. Milhões de pessoas passam fome diariamente em países pobres, principalmente na África, sem que a FAO, organização da ONU que cuida de agricultura e alimentação, tenha condição de fazer alguma coisa para distribuir os excessos de produção de alimentos que existem pelo mundo.

Em vários outros setores, há fragilidade dos organismos multilaterais. A OMC (Organização Mundial do Comércio) impõe sanções contra países que desrespeitam as regras do livre comércio, mas essas punições não são cumpridas e continua tudo do mesmo jeito. As negociações na área ambiental são um fiasco, e grandes países simplesmente ignoram a vontade da maioria sobre um problema que tem potencial para levar à destruição do planeta.

Imigrantes em busca de oportunidades de emprego são discriminados e maltratados sem que nenhum organismo internacional cuide de exigir que pelo menos sejam respeitados como seres humanos.

Há, portanto, importantes tarefas a serem cumpridas pela nova comunidade internacional do século 21, como o combate à fome, a manutenção do livre mercado, a abertura comercial, a batalha contra o aquecimento global, a contenção das armas nucleares e o enfrentamento do terrorismo. Essas tarefas não podem ser assumidas apenas por meia dúzia de nações, como se faz desde 1945.

O mundo claramente está a demandar uma administração mais moderna, eficiente e representativa das atuais forças políticas e econômicas. A comunidade internacional não é mais constituída pela voz dos EUA e da Europa. As crises financeiras que atingiram ambos deixaram isso muito claro.

Os críticos de Lula o chamaram de ingênuo. Alguns o acusaram de ter agido em nome dos Estados Unidos. Pode ser que exista um pouco de ingenuidade na atitude do presidente. Não há dúvida, porém, de que o Brasil tem o direito de reivindicar um novo papel internacional, adequado à sua condição de potência emergente.

BENJAMIN STEINBRUCH , 56, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

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