quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Desmoralização

Desmoralização

por Marcelo Rubens Paiva

O fenômeno TIRIRICA agora incomoda.

Depois que se revelou que ele está em primeiro na pesquisa Ibope para Deputado Federal de SP, com quase 1 milhão de votos.

Seu lema de campanha é: “Pior que está, não vai ficar.”

No horário eleitoral da TV, ele aparece como se atuasse num quadro do ZORRA TOTAL:

“Minha mãe vai votar em mim, meu pai vai votar em mim, até a minha sogra!”

Em ainda termina com um bordão, típico dos humoristas de plantão:

“É que sou bunitinho.”

Sua popularidade tem cara de voto de protesto.

Como já aconteceu com ENEAS, CLODOVIL e tantos outros.

O problema é que, com isso, ele arrasta 5 ou mais candidatos da sua legenda para o Congresso.

Como por exemplo VALDEMAR COSTA NETO, um dos pivôs do escândalo do Mensalão, que renunciou para não ser cassado, e que no ano passado teve seu nome citado nas investigações Operação Castelo de Areia, que apurou crimes envolvendo executivos do Grupo Camargo Correa.

Acusam TITIRICA de desmoralizar a democracia brasileira.

PAULO SKAF entra com representação contra ele no TSE.

O palhaço tem todo o direito de ser candidato.

Sua campanha segue o seu estilo.

E, além disso, não é o horário eleitoral que por vezes tem a cara do ZORRA TOTAL?

Deve-se perguntar ao 1 milhão de eleitores por que desmoralizam a democracia.

Porque Zé Dirceu acaba de declarar que no Brasil tem liberdade de expressão em excesso?

Porque Collor sobe no mesmo palanque de Lula? Ou porque Maluf, o segundo na pesquisa Ibope para Deputado Federal de SP, só não vai preso por causa da idade?

Porque o ESTADÃO está há mais de 400 dias sob censura?

Censura imposta pelo filho do presidente do Senado?

Presidente que, mesmo depois do escândalo de desvio de dinheiro de seus subalternos, continua presidindo-o?

Ou porque Lula disse, na semana passada, que a denúncia da quebra de sigilo da Receita é desespero de campanha do adversário, e na semana seguinte, ontem, mandou seu ministro, Guido Mantega, regularizar o acesso aos dados da Receita?

Não é TIRIRICA quem desmoraliza a democracia.

Ela já está.

E parte do eleitorado manda sinais claros.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O animal amedrontado

O animal amedrontado

JOÃO PEREIRA COUTINHO

QUE SE PASSA com a América? No nono aniversário do 11 de Setembro não houve a paz de outros tempos. Houve ódio e provocações.

Começou com o centro islâmico que um imã pretende construir a duas quadras do Marco Zero. Parece falta de tato? É falta de tato. Se o 11 de Setembro foi provocado pelo terror islamita (e não por terroristas judeus ou cristãos), mandava o bom senso que se evitassem "construções controversas" em lugares que ainda não cicatrizaram de vez.

Mas a mesquita de Nova York foi apenas cabeça de cartaz no carnaval dos insultos. Pelo meio, existiu ainda um pastor fundamentalista, disposto a queimar o Alcorão.

O problema, note-se, não está na queima do Alcorão. Cada um queima o que entende: o Alcorão, a Bíblia, a Torá e, por favor, qualquer livro de Dan Brown.

O problema esteve na forma como um episódio bizarro, que nasceu em terra perdida da Flórida, foi usado e abusado por fanáticos diversos: contra o pastor, a favor do pastor, quando, no mundo da racionalidade, o pastor deveria ter sido ignorado em seus delírios.

Especialistas diversos garantem que o clima de guerrilha não é para levar a sério: Obama vai a votos nas eleições legislativas de novembro; e os republicanos, que já cheiram a vitória, pretendem radicalizar o discurso para obter um massacre.

Não estou convencido. E, em matéria política, sempre que existem dúvidas, melhor perguntar diretamente ao Mestre. O Mestre é Nicolau Maquiavel e, sim, eu sei que o nome do florentino tornou-se pior que a peste. Virou adjetivo. Maligno adjetivo.

Lamento. Maquiavel é um nome central, não apenas para entender a história do pensamento político, mas o papel do líder numa comunidade. E aqui Maquiavel não tem par: se o príncipe deseja uma sociedade harmoniosa e segura, ele não deve preocupar-se em ser amado. Deve preocupar-se em ser temido.

Esse conceito sempre alimentou polêmicas infindas e foi Leo Strauss quem vislumbrou no aforismo um "manual para gangstêres".

Strauss estava errado. Porque o príncipe não deve apenas ser temido pelos seus; ele deve ser temido pelos outros. Pelas outras Repúblicas que devem pensar duas vezes antes de alimentarem atos de hostilidade contra a nossa.

Maquiavel revelava algo de profundo sobre a psicologia das massas: a ideia de que elas têm no príncipe a primeira garantia da sua própria segurança. Paradoxalmente, só quando é temido o príncipe pode ser amado.

Barack Obama nunca leu Maquiavel. Obama quer ser amado, não temido. E não apenas amado pelos americanos, o que seria compreensível. Obama quer ser amado por todo mundo, inclusive pelos inimigos tradicionais da América.

Não foi por acaso que o seu consulado começou com declarações de amor: ao Islã, ao regime iraniano e à "nobreza moral" dos seus aiatolás.

Mas Obama não fez apenas declarações de amor. Ele saiu do Iraque sem vitória tangível. Ele retirará do Afeganistão, em data já estabelecida e em condições que se adivinham como humilhantes.

A retórica odiosa que surgiu nove anos depois do atentado de 11 de Setembro é o retrato de uma América com medo. E esse sentimento de insegurança é um produto direto de uma liderança política que projeta os sinais errados: sobre os americanos e sobre o mundo.

Sim, podemos escrever todas os insultos contra o abominável sr. Bush. E Bush, verdade seja dita, cometeu erros grotescos na sua lunática cruzada para "democratizar" o Oriente Médio: destruir o Iraque sunita e permitir que o Irã emergisse como potência regional incontestada é o maior deles.

Mas os anos de Bush, para o americano médio, resumem-se numa palavra: segurança. Depois do atentado de 11 de Setembro, Bush soube preservar a integridade física da República contra qualquer ameaça externa. E, internacionalmente, só por piada podemos dizer que o velho George desejava ser amado.

Obama é um anti-Bush. Há quem festeje com alívio o repúdio da herança. Mas, para o americano médio, esse repúdio trouxe rendição no exterior; e duas tentativas sérias de terrorismo no interior das fronteiras: um avião sobre Detroit e um carro-bomba na Times Square, no coração de Manhattan.

Os Estados Unidos de hoje são um animal amedrontado. E Maquiavel avisou, cinco séculos atrás, que não existe coisa mais perigosa do que um animal poderoso com medo das sombras.

jpcoutinho@folha.com.br