terça-feira, 27 de abril de 2010

A economia pode ser de pimeiro mundo......

Mas o resto.....vejam este texto, disponível no blog do Torero

Sempre aos domingos: A última

Caro Torero,

Há cerca de 3 anos, havia abandonado a 'trouxida'. Mas, vendo esse time do Santos jogar, resolvi tentar mais uma vez ir ao estádio de futebol, a despeito dos recentes relatos de outros 'trouxedores' em seu blog. Assim, comprei 2 entradas para a numera coberta do Pacaembu, ao custo de R$ 360,00. Hoje, minha esposa e eu saímos de casa, próxima da Henrique Shaumann com a Rebouças, por volta das 14h30.

Resolvemos deixar o carro em casa, vacinados que estamos em relação às mazelas enfrentadas para se estacionar nos arredores de um estádio de futebol. Contudo, não esperávamos tanta dificuldade em conseguir que um táxi parasse para nós... Talvez porque trajássemos camisas do Santos. Lamentável a postura dos taxistas que, em outros eventos de grande porte, também se dão ao luxo de escolher corridas.

Após caminharmos até o estádio, nossa segunda surpresa: a incapacidade da Polícia Militar de oferecer segurança aos cidadãos que pagam impostos nos obrigou a dar toda a volta no estádio para que pudéssemos ingressar no setor das numeradas cobertas, sob a espúria justificativa de que a torcida do Santo André entraria justamente pela rua que seria o acesso mais curto (e mais lógico) para se tomar em direção ao referido setor.

Explico-me: descemos pela rua do cemitério do Araçá e, em vez de tomarmos a esquerda em direção às numeradas cobertas, tivemos que ir até a praça Charles Miller, para depois subirmos em direção ao setor. Obviamente que nenhum comunicado prévio foi feito através da imprensa, o que nos impediu de planejar uma chegada menos penosa. Aos poucos, nossa paciência ia sendo minada.

Ao entrarmos na numerada coberta, por volta das 15h00, novas surpresas. A lanchonete ainda não havia recebido lanches (sic). Quem sabe na final de 2011 eles cheguem! Em seguida, descobrimos que, embora o setor se chame 'numerada', a marcação dos as sentos não estava sendo respeitada. Segundo agentes da Federação Paulista de Futebol (FPF), os assentos eram 'aleatórios'. Bem, após acharmos dois lugares livres, dirigimo-nos aos mesmos e sentamo-nos. Rapidamente, um dos brutamontes com braçadeira da FPF nos avisou que não poderíamos nos sentar ali, pois aquele pedaço na numerada coberta estava 'reservado' para o patrocinador do Santos. Na numerada coberta.

Ou seja, os assentos que deveriam ser numerados eram aleatórios, mas não para todos. Dentro do mesmo setor, havia privilégios para uns, descaso para outros. Realmente, é para se rasgar a enésima Constituição deste país. A falta de assentos disponíveis logo me fez lembrar o dia em que minha mulher e eu fomos assistir a um jogo da WNBA no Madison Square Garden. Quando perguntei ao bilheteiro quanto tempo antes do início da partida deveríamos chegar para podermos nos sentar, ele me olhou com cara de 'onde você estacionou seu disco-voador?' e me respondeu: 'cinco minutos'. Sim, porque lá, todos os assentos são marcados e o país, até hoje, teve apenas uma Constituição.

Bem, após acharmos dois assentos livres, próximos da separação com a numera descoberta, com os focinhos encostados no acrílico mal-instalado da divisão dos dois setores, quase tivemos nossas pernas amputadas por outro agente da FPF, que ferozmente comandava um portão que dava acesso aos ambulantes de um setor para o outro.

Eram 15h35. Olhamo-nos e, sem pestanejar, decidimos sair do estádio. Após nova volta no estádio e alguma dificuldade para conseguirmos que um táxi parasse para nós, chegamos em casa, a tempo de assistir ao início do jogo. Curtimos a televisão de 42 polegadas, a pipoca e o banheiro limpo de nossa casa. Curtimos o respeito as leis, que eu e minha esposa prezamos. E ficamos felizes de ter deixado no estádio os R$ 360,00 de nossas entradas. Felizes, sim, porque foi a última vez que nos tungaram.

A última.

Flavio Eduardo Prisco

'O trouxedor-mor'

terça-feira, 20 de abril de 2010

Só os anjos não têm sexo

Só os anjos não têm sexo

Arnaldo Jabor, O Estado de S. Paulo

Os olhos do papa me inquietam. São olhos frios, perscrutadores, inquisitivos. O corpo se mexe, sob o manto rubro e dourado, os gestos são eclesiásticos, mas os olhos são fixos, defensivos, preocupados em esconder os desvios de um dogma superado e "inevitável". Nessa onda de denúncias contra os padres pedófilos, seus olhos ficaram mais duros. Não digo que ele seja conivente com a pedofilia, mas são olhos desconfiados, olhos em que há medo das mutações do mundo.

Claro que o celibato não é a única causa da pedofilia na Igreja. Mas, a própria escolha da vida religiosa já é uma negação alucinada da sexualidade - se a força máxima da vida é esmagada, a Igreja vira uma máquina de perversões. Claro. Pedofilia e homossexualismo pairam no ar de qualquer internato religioso.

Alguns religiosos dizem que a pedofilia não é resultado direto do celibato, pois o padre insatisfeito poderia procurar um adulto, como fazem tantos no interior do país onde, diz a lenda, as mulheres amantes de batinas viram "mulas sem cabeça".

O problema é que em colégios e conventos há a facilidade de pupilos dóceis, a obediência reverencial, o medo infantil... Além disso, procurar um adulto seria assumir uma sexualidade plena, da qual o noviço foge desde o início. Talvez vivam a fantasia de que molestar uma criança seja um pecado venial, incompleto, infantil, uma decorrência perdoável da proibição da Igreja. O pedófilo também é infantilizado.

No velho colégio de padres onde estudei, a entrada dos alunos já era um desfile de velada pedofilia. O padre reitor - ahh... tempos antigos de batinas negras - postava-se imóvel na porta da entrada, numa pose paternal e severa, com as mãos oferecidas para abençoar os alunos. Passavam por ele duas filas de meninos, beijando suas mãos. Havia algo de veadagem naquilo, aquela negra batina imóvel como um manequim, as mãos beijadas por mais de 500 meninos de calças curtas. Ainda me lembro do vago cheiro de sabonete e cuspe na mão do padre.

Eu via as mães dos alunos, lindas, com seus penteados e decotes imitando a Jane Russel ou Ava Gardner, fazendo charme para os padres enlouquecidos pela castidade obrigatória. E eu me perguntava: "Meu Deus... por que padre não pode casar?" Lembro-me do tremor dos jovens sacerdotes, excitados pelas madames pintadíssimas, trancando-se em negras clausuras, esvaindo-se no "vício solitário".

E esses mesmos padres nos diziam: "Cada vez que vocês se masturbam, morrem milhões de pessoas que iam nascer. É um genocídio! Igual ao que o Hitler fez!" E nós, além do pecado, sofríamos a vergonha de ser pequenos "Hitlers" de banheiro. Eu pensava: "Por que tanta onda sobre nossos pobres pintinhos, por que essa energia que sinto em minha carne é criminosa?"

A masturbação era um crime inafiançável. Iríamos queimar no fogo por toda a eternidade. Lembro-me da descrição da eternidade no inferno: "Imaginem que o planeta seja um grande diamante duríssimo. De cem em cem anos, um passarinho vem voando e dá uma bicadinha na Terra. Só no dia em que toda a Terra for esfarinhada pelas bicadinhas, terminará a eternidade." E eu sofria, me esvaindo nos banheiros, pensando naquele passarinho que bicava o mundo, enquanto eu acariciava o outro passarinho se preparando para uma vida de traumas e medos.

No filme que acabo de fazer, há essas cenas, interpretadas por dois grandes atores - os "padres" Ary Fontoura e Jorge Loredo (o "Zé Bonitinho").

No colégio, tudo era sexo dissimulado. Essa palavra terrível estava em toda parte, como uma ameaça vermelha. O Diabo nos espreitava detrás da estátua de Santa Tereza em êxtase, nas coxas dos anjinhos nus, nos seios fervorosos das beatas acendendo velas.

A angústia da proibição sexual era visível: rostos mortificados, berros severos e excessivos nas aulas, castigos sádicos, perseguições a uns e carinhos protetores a outros.

Eu mesmo fui assediado por um padre que era notório cantador de menininhos; ele fazia mágicas para ser popular e, um dia, tentou me beijar num canto da clausura. Criado na malandragem das ruas, fugi em pânico. E falei disso em confissão com outro padre, que mudou de assunto, como se fosse uma impressão minha, como se a pedofilia fosse uma prática improvável, exatamente como os cardeais americanos fizeram. Há, sim, uma tolerância velada com esses desvios criados pelo antigo dogma.

A mim ensinaram que o prazer era um crime. A partir daí, tudo ficava manchado de culpa; a alegria era falta de seriedade, a liberdade era um erro, as meninas eram seres inatingíveis com seus peitinhos e bundinhas. Até hoje, vivo dividido entre as santas e as "impuras"; quantas dores senti na vida por esses ditames que transformavam as mulheres em perigos, em "Liliths" demoníacas, tão ameaçadoras quanto o intenso desejo que tínhamos por elas. A mulher, como Eva ou Pandora, era a origem de todos os males. Delas saía a vida e a morte, delas saía o prazer pecaminoso, o mal do mundo. Essa doença mística gera desde a burca até o strip-tease, numa antítese simétrica.

O problema da Igreja com o sexo leva-a a uma compreensão quebrada da vida, leva-a a denegar a aids, a condenar o aborto, o controle social da natalidade e a outros erros maiores, advindos de um vazio originário, desde o Concílio de Latrão em 1123. Sem o sexo, os religiosos seriam quase "anjos", mais próximos de Deus.

Uma das grandes desvantagens da Igreja católica diante de outras religiões é o celibato. Daí, em cascata, surgem problemas que justificam a queda do prestígio da Igreja na era do espetáculo e da derrubada de certezas.

Hoje piorou. O mundo virou uma incessante paisagem de bundas e seios nus, da hipersexualização que nos espreita no trânsito, nas ruas, na TV. Já imaginaram esses padres vendo as gostosas sexy do momento, trancados em escuras celas, sob o voto de castidade? Noite escura, sino batendo e a BBB nua na capa da revista? Esta é a minha ideia de inferno.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Leituras privadas, livros públicos

Leituras privadas, livros públicos

“O Kindle e os iPods tornam o ato de ler e de ouvir música muito mais secreto”

MARCELO COELHO, Folha de São Paulo

IPOD, IPAD, iPhone, Bluetooth: não me perguntem a diferença entre uma coisa e outra. Quase nunca uso o celular e acho isso uma felicidade.

Minha reação varia entre pena, horror, medo e desprezo quando vejo aquelas filas de fanáticos esperando a abertura da loja onde comprarão o mais recente brinquedo eletrônico, que, daqui a pouco, estará completamente obsoleto. Esperar continua a ser uma grande virtude. Eu teria, sem dúvida, me dado mal se tivesse cedido ao impulso de comprar uma TV de plasma há alguns anos atrás; parece que não dá muito certo e, de todo modo, barateia com o passar do tempo.

Em matéria de eletrônicos, minha única política tem sido a de usar até que quebrem. Aí, é claro, não chego ao extremo de mandar para o conserto: isso seria xiita nos dias que correm.

Como meu velho toca-discos ainda funciona, posso até saborear a secreta vingança de ver o vinil voltando à moda; no túmulo, talvez, outros motivos existirão para quem me encontrar sorrindo. Leio, entretanto, meu horóscopo do dia e corrijo o andor deste artigo.

"Capricórnio. Hoje pode ser um daqueles dias em que você ri por dentro da miséria alheia, dos erros e das cabeçadas, que outros, mais empolgados, crentes e ingênuos, cometeram, tentando acertar e viver melhor. Tire esse dedo da cara dos outros e não seja chato achando que sabe tudo." Certo. Tiro o dedo da cara dos outros e deixo-o livre, quem sabe, para tocar algum dia a tela sensível de um iPad, se tal aparelho vier a cair nas minhas mãos.

Por enquanto, a única coisa que vi parecida foi o Kindle, que um amigo trouxe dos Estados Unidos. A vontade de comprar veio na hora; pouco tempo depois, sumiu. O livro eletrônico da Amazon me pareceu bonitinho, elegante, e suas vantagens práticas (em viagem, por exemplo) não me deixaram indiferente. Mas espero.

E, enquanto espero, topo com um novo argumento a favor do livro tradicional. Não aquelas elegias ao cheiro do papel, à rugosidade da encadernação etc., que tendem a esquecer as folhas que se rasgam, que se despregam da lombada, que indelevelmente registram (compro muito livro usado) as marcas de esferográfica, além da coriza de seus antigos donos.

Leio, na edição traduzida do "New York Times", que a Folha trouxe encartada na segunda-feira, um problema mais grave. Coisas como o Kindle e o iPad acabam com as capas dos livros.

Desaparece, diz Motoko Rich na sua reportagem, o prazer bisbilhoteiro de ver o que a outra pessoa está lendo no avião, no metrô ou na sala de espera.

Desaparece também a vaidade de mostrar ao próximo que livro você está lendo. A nova-iorquina Bindu Wiles, por exemplo, ostentou durante um bom tempo, em suas viagens no metrô, o romance "Anna Karenina", de Tolstói. Orgulhava-se disso, e não haverá Kindle folheado a ouro e cravejado de cristais Swarowski que substitua essa pequena pretensão.

Mas há soluções para tudo. Um site chamado "librarything" funciona como uma espécie de Facebook só para leitores de livros. Você põe ali a lista dos livros que andou lendo (o que é um bom registro, aliás, para depois de uns anos perceber o quanto esqueceu das próprias leituras).

A lista inclui automaticamente a capinha do livro e mostra quantas outras pessoas o leem também. É claro que daí surgem indicações de livros parecidos, salas de discussão, tudo o que você quiser.

O caso da americana Bindu Wiles, que gosta de aparecer com um Tolstói a caminho do trabalho, leva a pensar em outro fenômeno. Costumamos achar que toda novidade tecnológica contribui para dissolver a esfera da vida privada.

Celulares, como se sabe, não respeitam a intimidade de ninguém. Eis que o livro eletrônico e também os iPods tornam o ato de ler ou de ouvir música muito mais secreto do que era antigamente. Alguns séculos atrás, só se lia em voz alta; música era acontecimento público. Agora, também o cinema e a televisão se individualizaram em telas portáteis, como joguinhos eletrônicos.

Lamento pelas capas dos livros, tantas vezes lindas. Mas, da oração protestante à leitura de um gibi, é a vida privada que não cessa de se fortalecer ao longo do tempo; talvez todas as invasões de "reality shows" e bisbilhotices na internet não passem, na verdade, dos últimos gritos desesperados de uma coisa prestes a desaparecer: a vida em comum.

coelhofsp@uol.com.br  

segunda-feira, 12 de abril de 2010

O Santos e a inveja do pênis

O Santos e a inveja do pênis

“Todo mundo se acostumou tanto com os brucutus

que a beleza ficou circunscrita ao modismo,

a um mero surto”

XICO SÁ

AMIGO TORCEDOR , amigo secador, que importa um campeão oficial, um campeão moral ou um campeão da superação espartana se já temos um campeão estético, festivo, dionisíaco e declaradamente mais genial há várias rodadas do torneio bandeirantes? Nada.

A alegria, me sopra aqui do seu cadilac verde o velho Oswald, rumo aos Campos Elíseos, continua sendo a prova dos nove. O que o São Paulo, o Barueri prudentino e o Santo André terão a dizer para as novas gerações se conquistarem o caneco?

Nécaras. Apenas que valorizaram seus passes, alguns boleiros foram bem vendidos, combateram o bom combate, isso é lindo, aplausos. Na falta de requinte é o que resta, o miserável tédio de resultados. É o que terão a dizer, peito estufado, como lastro moral para a mídia que resolveu chamar o Santos de ""time da moda", a forma mais preconceituosa de negação do futebol bonito.

Todo mundo se acostumou tanto com os brucutus que a beleza ficou circunscrita ao modismo, a uma eventualidade, a um surto, como se fosse uma dengue ludopédica.

Triste, doloroso, mas o jornalismo hoje é tão retranqueiro como os Lazaronis da existência. Aí vem o baixinho Messi, do Santos da Catalunha, e desmancha o pragmatismo; aí vem o Neymar, do Barça da Baixada, e devolve, pelo inesperado, o medo do goleiro diante da vida. Se bem que é o Ganso o gênio deveras do time, que lembra o Clodoaldo no combate, que recorda o Gerson nos passes longos, que chega como um Tostão para o carrinho apenas diante das redes, que tem a elegância paraense do conterrâneo Sócrates Brasileiro, que fica feliz quando bota o André na frente do crime, que tem gosto pelo jogo na sua inteireza.

Sim, amigo, você está certo, o Peixe já ganhou o certame da aldeia, dez pontos na frente do segundo, mas a vida é mata-mata, vale a arena romana, cada lugar e hora um regulamento. Mas é óbvio que o alvinegro, clamo, repetirá as goleadas. Os meninos, que cometeram um único pecado grave neste ano, no episódio da ajuda ao Lar Espírita Mensageiros da Luz, terão o perdão do xará Chico Xavier, naturalmente, tomara!

Seria muito castigo. Não obrigatoriamente para os santistas, mas para quem, de todas as cores, aprecia o fino da bola. Voltaria toda aquela ladainha de que espetáculo não ganha jogo etc. Porre! Uma baita redenção dos conservadores, dos que preferem perder jogando feio a correr o risco da promessa de felicidade que se constitui na beleza.

Não quero ouvir as risadas cretinas dos cavaleiros das mesas-redondas contra essa bela turma praiana. Prefiro as gargalhadas ingênuas dos vossos dentes de leite a todos os sorrisos artificiais da TV brasileira. Faz cara feia, cowboy Durval, renegado herói do bravo Sport, e segura essa zaga. Porque é bom lembrar dos cavaleiros solitários que garantem a porta do saloon alvinegro para que os meninos façam a farra lá dentro.

O bom é que, de repente, até mesmo quem tirava onda do Paulistinha, os viciados na Libertadores, tomaram gosto pelo torneio. O Corinthians conseguiu fazer cinco, e até o São Paulo jogou bonito. O Santos despertou a boa inveja do pênis da qual falava o doutor Freud. Futebol é penetração e arte.

xico.folha@uol.com.br