quinta-feira, 28 de maio de 2009

Ainda sobre os filósofos

Mais um ensaio maravilho do Olavo de Carvalho, publicado no Diario do Comercio de hoje.

Ainda sobre os filósofos

As idéias e crenças surgidas nas discussões públicas e privadas raramente se formam da experiência, pelo menos da experiência pessoal direta.

Olavo de Carvalho

Expressar a experiência real em palavras é um desafio temível até para grandes escritores. Tão séria é essa dificuldade que para vencê-la foi preciso inventar toda uma gama de gêneros literários, dos quais cada um suprime partes da experiência para realçar as partes restantes.

Se, por exemplo, você é Balzac ou Dostoiévski, você encadeia os fatos em ordem narrativa, mas, para que a narrativa seja legível, tem de abdicar dos recursos poéticos que permitiriam expressar toda a riqueza e confusão dos sentimentos envolvidos. Se, em contrapartida, você é Arthur Rimbaud ou Giuseppe Ungaretti, pode comprimir essa riqueza nuns poucos versos, mas eles não terão a inteligibilidade imediata da narrativa.

Essas observações bastam para mostrar que as idéias e crenças surgidas nas discussões públicas e privadas raramente se formam da experiência, pelo menos da experiência pessoal direta. Elas vêm de esquemas verbais prontos, recebidos do ambiente cultural, e formam, em cima da experiência pessoal, um condensado de frases feitas bastante desligado da vida. Se vocês lerem com atenção os diálogos socráticos, verão que a principal ocupação do fundador da tradição filosófica ocidental era dissolver esses compactados verbais, forçando seus interlocutores a raciocinar desde a experiência real, isto é, a falar daquilo que conheciam em vez de repetir o que tinham ouvido dizer. O problema é que, se você repete uma ou duas vezes aquilo que ouviu dizer, não apenas você passa a considerá-lo seu, mas se identifica e se apega àquele fetiche verbal como se fosse um tesouro, uma tábua de salvação ou o símbolo sacrossanto de uma verdade divina.

Para piorar as coisas, as frases feitas vêm muito bem feitas, em linguagem culta e prestigiosa, ao passo que a experiência pessoal, pelas dificuldades acima apontadas, mal consegue se expressar num tatibitate grosseiro e pueril. Há nisso um motivo dos mais sérios para que as pessoas prefiram antes falar elegantemente do que ignoram do que expor-se ao vexame de dizer com palavras ingênuas aquilo que sabem. Um dos resultados dessa hipocrisia quase obrigatória é que, de tanto alimentar-se de símbolos verbais sem substância de vida, a inteligência acaba por descrer de si mesma em segredo ou mesmo por proclamar abertamente a impossibilidade de conhecer a verdade. Como essa impossibilidade, por sua vez, é também um símbolo prestigioso nos dias que correm, ela serve de último e invencível pretexto para a fuga à única atividade mental frutífera, que é a busca da verdade na experiência real.

A própria palavra “experiência” já costuma vir carregada de uma nuance enganosa, pois se refere em geral a “fatos científicos” recortados a partir de métodos convencionais, que encobrem e acabam por substituir a experiência pessoal direta. Nessas condições, a discussão pública ou privada torna-se uma troca de estereótipos nos quais, no fundo, nenhum dos participantes acredita. É esse o sentido da expressão popular “conversa fiada”: o falante compra fiado a atenção dos outros – ou a sua própria – e não paga com palavras substantivas o tempo despendido. (Sempre achei uma injustiça que as leis punissem os delitos pecuniários, mas não o roubo de tempo. O dinheiro perdido  pode-se ganhar de novo – o tempo, jamais.)

De Sócrates até hoje, a filosofia desenvolveu uma infinidade de técnicas para furar o balão da conversa estereotipada e trazer os dialogantes de volta à realidade. Zu den Sachen selbst – “ir às coisas mesmas” –, a divisa do grande Edmund Husserl,  permanece a mensagem mais urgente da filosofia depois de vinte e quatro séculos.

Ninguém mais que o próprio Husserl esteve consciente dos obstáculos linguísticos e psicológicos que se opunham à realização do seu apelo. Todo o vocabulário técnico da filosofia – e o de Husserl é dos mais pesados – não se destina senão a abrir um caminho de volta desde as ilusões da classe letrada até à experiência efetiva. A conquista desse vocabulário pode ser ela própria uma dificuldade temível, mas decerto não tão temível quanto os riscos de ficar discutindo palavras vazias enquanto o mundo desaba à nossa volta.

Ao incorporar-se à cultura ambiente como atividade academicamente respeitável, a própria filosofia tende a perder sua força originária de atividade esclarecedora e a tornar-se mais uma pedra no muro de artificialismos que se ergue entre pensamento e realidade.

Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de Filosofia

Bibliotecas dão nova fama a Bogotá

Pegando gancho da palestra que o “Consulado da Colômbia e o Instituto Cervantes de São Paulo” irão patrocinar, abaixo uma matéria que saiu a quase 3 anos no Caderno Ilustrada da Folha de São Paulo que trata sobre a titulo que a UNESCO deu a Colômbia por seu apoio à leitura e como as bibliotecas fazem parte deste processo.

Bibliotecas dão nova fama a Bogotá

Com 2 milhões de livros, o principal centro do país tem mais visitantes do que Masp, Pinacoteca e Mário de Andrade juntos

Com outros projetos na área e grandes bibliotecas em construção, capital da Colômbia recebe título da Unesco por apoio à leitura

Fonte: Folha, 11 jul. 2006

Com 2,7 milhões de visitantes por ano, a Biblioteca Luis Ángel Arango, em Bogotá, é uma das mais visitadas do mundo. Recebe, em média, 9.000 pessoas diariamente. É mais do que a soma de visitantes de Masp (Museu de Arte Moderna de São Paulo), Biblioteca Mário de Andrade e Pinacoteca juntos por dia.

Mantida pelo Banco Central do país, ela tem 2 milhões de livros e capacidade para 2.000 leitores sentados. Nos últimos anos, a BLAA fez escola: a prefeitura local construiu outras megabibliotecas pela cidade e criou diversos programas de leitura que visam formar leitores em massa.

Tal empenho recebeu reconhecimento da comunidade internacional. A Unesco escolheu Bogotá como a primeira cidade latino-americana a ser Capital Mundial do Livro, título que ostentará em 2007. A Fundação Bill e Melinda Gates doou US$ 1 milhão para a rede municipal de bibliotecas e colabora com equipamentos tecnológicos para os centros.

Em visita recente a São Paulo, convidada pela Secretaria Municipal de Relações Internacionais, a diretora da BLAA, Ángela Pérez Mejía, esteve em São Paulo para falar de como as bibliotecas transformaram Bogotá e começam a mudar um país associado à guerrilha, narcotráfico e violência. Em palestra na Biblioteca Mário de Andrade, que passa por processo de modernização, Pérez Mejía falou que a capital colombiana deve muito aos novos espaços de convivência com livros.

Uma rede de ciclovias, de 300 quilômetros de extensão, e o sistema de ônibus articulados, em corredores, servem todas as grandes bibliotecas. "As bibliotecas ditaram os rumos do transporte público", diz Pérez. Alguns dos maiores arquitetos colombianos trabalharam na criação das três novas megabibliotecas, como a Virgilio Barco, desenhada por Rogelio Salmona, e a El Tunal, adaptando antiga usina de tratamento de lixo, por Daniel Bermúdez.

Atualmente está em construção a quarta megabiblioteca municipal, na periferia de Bogotá, graças à doação de US$ 12 milhões feita pela família Santodomingo, a mais rica do país. Será inaugurada em 2008.

Livros ao vento

Um dos projetos que envolveu toda a cidade, além do numeroso público que freqüenta as bibliotecas, é o "Livros ao Vento". A prefeitura local lança 70 mil exemplares, por edição, em versões de bolso de clássicos de Cortázar, García Márquez, Allan Poe, Tchecov, entre outros, e os distribui nos pontos de ônibus, gratuitamente. Na contracapa, um pedido: que ao terminar a leitura, o livro seja passado para outra pessoa ou deixado em outro lugar público. "Deixe que este livro voe."

Outro projeto municipal utiliza postos de leitura, como estantes desmontáveis, que são instalados nos parques da cidade, com 300 livros cada um.

O interesse pelo livro também cresceu para além da capital colombiana. No interior, em plena floresta amazônica, existem os "biblioburros", onde agentes culturais levam coleções ao lombo de burrinhos para emprestar livros nas localidades mais distantes. Também foram criadas pelo governo bibliotecas indígenas.

"Livros são um refúgio contra a violência"

Fonte: Folha, 11 jul. 2006

A professora de literatura e cinema latino-americanos Ángela Pérez Mejía, que foi professora da Universidade Brandeis, em Boston, dirige a Biblioteca Luis Ángel Arango, a mais freqüentada da América Latina. Dependem da BLAA outras 16 bibliotecas pela Colômbia, mais uma sala de concertos, um museu numismático e a Coleção Botero, doada pelo famoso pintor colombiano, com quadros de Picasso, Klee, Bacon e Miró, entre outros, colecionados pelo mestre dos gordinhos nas últimas quatro décadas. Em entrevista à Folha, Pérez fala dos porquês de Bogotá se tornar um símbolo da democratização da leitura. (RJL)   

FOLHA - A senhora sente que as bibliotecas podem mudar a imagem da Colômbia, tão associada à violência?

ÁNGELA PÉREZ MEJÍA - Não tenho provas científicas, mas não tenho dúvidas de que as bibliotecas ajudaram a mudar Bogotá. Nós, colombianos, temos vergonha de ser olhados no mundo como um país violento. Onde o futuro é tão incerto, a literatura vira um refúgio contra a violência, ela te oferece espaços para pensar que você pode mudar seu país. Nós nascemos na escassez, somos um país pobre. E nos surpreendemos em como a cultura pode mudar nossa realidade.

FOLHA - Em São Paulo, os grandes centros de convivência são os shoppings. A senhora falou que, em Bogotá, os shoppings não conseguem tirar público das bibliotecas. Como é possível?

PÉREZ - O espaço público em Bogotá é precário. As bibliotecas foram pensadas como espaço público comunitário. A arquitetura não é apenas para ler, é para se encontrar. Há muita luz, muito lugar confortável para ler. Pensamos em comunidades, não em indivíduos. É diferente das bibliotecas americanas. Claro que temos espaços silenciosos para estudar, mas queremos espaços que promovam encontros. Investimos em arquitetura de qualidade, prédios que dão status ao ato de ler. Não são de portas fechadas. Elas são cercadas por espaços culturais, com que dialogam.

FOLHA - No Brasil, bibliotecas públicas são mais usadas para trabalhos escolares. Como transformá-las em centros culturais?

PÉREZ - Nosso objetivo tem sido de desescolarizá-las. Ler não porque é obrigação, mas pelo prazer, porque ler é divertido. Há programação de arte, de música. Bibliotecas sem orçamento para renovar suas coleções ou que respondem às necessidades de seus leitores perdem público. Quando há espaços públicos bons, as pessoas vão. Visitei o Centro Cultural São Paulo e estava cheio.

FOLHA - A BLAA foi fundada em 1958. Mas só nos últimos anos houve essa febre pelos livros. Quando houve a mudança?

PÉREZ - O país passou por programas de alfabetização muito bem-sucedidos nas últimas décadas. Temos 5% de analfabetos, um dos menores índices da região. Mas a resposta à mudança se chama continuidade. Não há políticas culturais que funcionem a curto prazo. O Banco de la República, que mantém a BLAA, é constante em seus investimentos e criou um público fiel. Sou a quarta diretora da BLAA, que tem 48 anos de existência. Meus antecessores ficaram, em média, mais de 15 anos no cargo.

Os governos municipais mantiveram a prioridade das bibliotecas nos últimos 12 anos, mesmo com prefeitos de partidos diferentes.

A BLAA, que não é municipal, colaborou para essa mudança, dando consultoria aos diferentes governos. Forças politicas distintas têm se unido em torno das bibliotecas do país.

As Bibliotecas Públicas na Colômbia

O Consulado da Colômbia e o Instituto Cervantes de São Paulo convidam para a palestra

As Bibliotecas Públicas na Colômbia

Palestrante: Lucila Martínez

Data: 03/06/2009

Local: Auditorio do Instituto Cervantes

Av. Paulista, 2439 Térreo

Bela Vista

Os interessados devem mandar um e-mail com nome, número de telefone e entidade para bibx1sao@cervantes.es

(lotação máxima do auditório: 100 pessoas)

terça-feira, 26 de maio de 2009

O Livro

“Dentre os instrumentos inventados pelo homem, o mais impressionante é, sem dúvida, o livro. Os demais são extensões de seu corpo. O microscópio e o telescópio são extensões da visão; o telefone uma extensão da voz e finalmente temos o arado e a espada, ambos extensões do braço. O livro, porém, é outra coisa. O livro é uma extensão da memória e da imaginação. Em César e Cleópatra de Shaw, quando se fala sobre a biblioteca de Alexandria , os livros são descritos como a memória da humanidade. O livro é isto e muito mais, é também a imaginação. O que é o nosso passado senão uma série de sonhos? Afinal que diferença pode haver entre recordar sonhos e recordar o passado? A função do livro é recordar.”

Jorge Luiz Borges

Biblioteca Brasiliana

São Paulo ganha Biblioteca Brasiliana

São Paulo vai ganhar uma nova biblioteca, enorme e diferente de todas as outras. São 17 mil títulos, todos sobre o Brasil ou feitos no Brasil.

Fonte: SPTV

A Biblioteca Brasiliana está sendo construída na Cidade Universitária, perto do prédio da reitoria. Os livros foram doados à USP pelo empresário José Mindlin, que hoje tem 94 anos de idade.

Ele passou a vida colecionando livros raros. A biblioteca deve ser inaugurada em dois mil e dez, e poderá ser acessada pela internet.

É em um vazio moldado a ferro, onde ainda o concreto escorre, que caberá o conhecimento. A biblioteca por enquanto é toda imaginação. “São três andares de livros. Todas as paredes com toda coleção exposta. A ideia é que a gente tivesse sempre o visitante em contato com o acervo”, explica o arquiteto Rodrigo Mindlin Loeb.

Este será o corpo da Brasiliana. A alma da Brasiliana ainda está bem longe; na casa de José Mindlin, no espaço especialmente construído, ao lado do jardim, para abrigar a biblioteca dele com quase 100 mil volumes.

É uma sala de preciosidades e raridades. Os livros são do século 19, de literatura brasileira. Lá, estão quase todas as primeiras edições dos livros de Machado de Assis. Há as primeiras edições dos dois romances mais lidos no século 19: “O guarani”, de José de Alencar e “A moreninha”, de Joaquim Manuel de Macedo.

Ao pé da escada fica Santo Inácio, um verdadeiro santo do pau-oco. No espaço de trás escondiam o ouro para escapar ao fisco dos portugueses. É neste espaço da memória e do passado que vive um novo agregado: um robô do século 21, um devorador de livros, que lê 2,4 mil páginas por hora.

“O usuário vai ver o livro tal como ele é: a imagem do livro original, mas por trás dessa imagem há uma versão digitalizada, como se fosse transcrito. O usuário pode fazer busca por palavra, frase, iluminar trecho, copiar e colar. A pessoa vai poder imprimir em casa, encadernar e colocar na sua estante”, antecipa o coordenador da Brasiliana digital Pedro Puntoni.

O robô reconhece 120 línguas. Até o final do ano o plano é que ele tenha digitalizado quatro mil livros e 30 mil imagens.

Os primeiros livros que já estão sendo digitalizados são os dos viajantes que percorreram o Brasil nos séculos 16, 17, 18 e 19. Toda a coleção das gravuras de Debret. Depois disso será a vez de todos os livros de história do Brasil e literatura brasileira.

“Era um sonho, no meio de muitos outros, era sim”, diz o bibliófilo José Mindlin.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Grace

LUIZ FELIPE PONDÉ, hoje na Folha

"Um sorriso de uma mulher bonita numa manhã qualquer determina minha aceitação do mundo"

CADA VEZ mais penso que o temperamento determina o pensamento, e não o contrário. Explico-me: quando lemos um autor ou um livro, ou ouvimos uma ideia que nos parece verdadeira, não é nosso intelecto que responde ao estímulo, concordando ou discordando, mas nosso temperamento é quem julga e aceita ou recusa. Em outras palavras: confio mais no coração e no fígado do que no cérebro.

Muitas vezes dizemos que defendemos uma determinada ideia porque ela nos parece mais justa ou porque uma santa revolta nos guia em nossa atitude. Eu, cá com meus botões, acho que a causa primeira de nossa defesa desta ou daquela ideia é da mesma ordem do gosto ou da mania, como acordar cedo ou tarde, apreciar ou não comida baiana, gostar ou não de festas, ter ou não medo de avião, sei lá. A contínua indisposição física ou psíquica, parodiando o grande poeta português Fernando Pessoa (século 20), faz de nós metafísicos, e não o contrário. Às vezes, pra mim, um sorriso de uma mulher bonita numa manhã qualquer determina minha aceitação do mundo, enquanto que uma alma azeda me torna um cético contumaz. Minhas ideias são como que escravas de um gesto doce ou de um corpo belo.

Por temperamento sou um descrente, por sorte não sou um niilista: o mundo sempre me salva de mim mesmo. A fé (em qualquer coisa) não é uma experiência comum em minha vida. Muitas pessoas julgam a vida impossível sem a fé. Acho que elas se enganam: a coragem e a gratidão são muito mais importantes do que a fé.

Tenho um entendimento peculiar de Deus: para mim, Ele pede mais coragem e gratidão do que fé. Mesmo nas narrativas do chamado Velho Testamento, como diz o crítico Erich Auerbach (século 20) em seus "Mímesis", não me parece que a fé seja uma questão essencial na relação entre o Deus de Israel e seus heróis, mas sim a capacidade de suportar o dia-a-dia, com seus ventos e sua poeira, de ser dobrado e amassado, e ainda assim, comer e beber com gosto, estar com a mulher amada, compartilhar as alegrias efêmeras. O problema com a fé, pelo menos em grande parte, é que ela se abre para críticas como a de Nietzsche (século 19): como diz, mais ou menos, o nosso filósofo do martelo, a fé desenha um mundo invisível e perfeito no além, como numa espécie de surto de metafísica para pobres, em troca de uma recusa da vida na sua nudez dilacerada, na sua elegante ferocidade. A beleza que nos cabe, penso (seguindo o filósofo do martelo), é a que caminha sobre ossos.

Outra coisa que me aborrece na fé é sua inveterada vocação para a busca de retribuição final: sendo bom, mereço receber a felicidade em troca. A lógica da retribuição atrapalha a psicologia da gratidão porque faz de nós uns interesseiros. A possibilidade de vermos a gratidão só existe se soubermos de antemão que não fizemos nada (ou pouco fizemos) por merecer o bem que recebemos.

Isso em nada anula nosso pequeno valor, apenas nos poupa da mesquinhez, nos devolve a visão daqueles que tornam nossa alegria um fato. O cineasta Lars Von Trier trabalhou esta questão da gratidão, e nossa inaptidão para ela, de forma brilhante em seu filme "Dogville".

Lembremos da questão de abertura do drama: o "filósofo" Thomas Edison Jr. (filho do inventor da luz elétrica?) organiza uma discussão filosófica com os moradores da pequena Dogville. Sua intenção é compreender a razão dos moradores daquela cidade serem incapazes de receber presentes e dádivas. Enquanto isso, uma jovem, bela e carinhosa mulher (Nicole Kidman) chega à cidade. Seu nome é Grace (Graça). A forma canalha com a qual ela será tratada, inclusive pelo jovem filósofo (eles fazem dela uma escrava), merecerá o castigo vindo pelas mãos do pai da bela Grace.

Estava eu voltando de um desses congressos, de saco cheio devido aos irritantes atrasos dos voos, quando, de repente, ao entrar no avião, ouço o "bom dia" de uma bela comissária. "Tomara que o voo esteja vazio, assim você terá mais espaço", diz ela sorrindo. Acostumado com a simpatia vazia desses funcionários da aviação, logo me espantei diante daquele rosto. "O que você veio fazer em Curitiba?" Respondo seco: congresso. "Professor? Eu estudei história, mas abandonei e agora estou fazendo um curso de história à distância." Três filhos: 18, 12 e 1 ano. Dez horas de voo por dia. Dei sorte: entre uma Pepsi Cola miserável e um biscoito sem gosto, fui visitado pela beleza em um voo de 40 minutos.

Predicados....

"Sempre fui um estrangeiro, em todo lugar, mesmo em Taiwan. Detesto ser categorizado. Quero me ver como sou, como um indivíduo, em sua complexidade e em sua simplicidade".

Ang Lee, em matéria da Folha desta segunda

sexta-feira, 15 de maio de 2009

De forma didática, José Mindlin abre sua famosa biblioteca

De forma didática, José Mindlin abre sua famosa biblioteca

Duílio Gomes*, JB Online

Há quem colecione tumbas egípcias milenares, como a artista plástica Yoko Ono, e quem faça coleção de livros raros, como José Mindlin.

Colecionar, não importa o que seja, é uma paixão antiga como o mundo e quem se dá a esse hábito (muitas vezes dispendioso) gasta mais da metade de sua vida à procura dos objetos de seu desejo e nunca se sacia.

No recém lançado No mundo dos livros (Agir. 104 páginas. R$ 29,90), o empresário paulista José Mindlin, de 95 anos, conta um pouco de sua experiência como colecionador de livros. Ao contrário do seu Uma vida entre livros, em que detalha suas garimpagens em livrarias brasileiras e estrangeiras à procura de edições raríssimas – algumas com mais de 500 anos de publicação – em No mundo dos livros ele fica exclusivamente no campo didático e, em 108 curtas mas saborosas páginas, faz comentários sobre títulos, raros ou não, escritores e a função social da literatura. Assim, após discorrer sobre a primeira Bíblia editada por Gutemberg em 1455, constata que a produção de livros está ligada intimamente à alfabetização e que, nos 300 anos do Brasil Colônia, o analfabetismo era um fato estarrecedor. “Ainda hoje”, espanta-se ele, “embora tenha crescido a alfabetização, parte dela é muito precária. ssa situação é causa e efeito de exclusão social”.

No mundo dos livros vem enriquecido com um álbum de fotos mostrando algumas relíquias da biblioeca de 40 mil obras do empresário, muitas delas, apesar de centenárias, absolutamente bem conservadas graças ao empenho de Guita, mulher do bibliófilo, que estudou conservação e restauro na Europa.

“Quem não lê, não sabe o que está perdendo”, ensina Mindlin, provando, depois, que a leitura dá, à vida, um sentido espiritual, abrindo horizontes e estimulando, ao mesmo tempo, a imaginação e o sonho. Depois disso fica mais fácil entender a grandeza de autores por ele citados, como Xavier de Maistre, Alexandre Dumas, Romain Roland, Montesquieu, Proust, Balzac, Dostoievski e os nossos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Bandeira, João Cabral, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Nélida Piñon e Graciliano Ramos.

Formado em direito pela Universidade de São Paulo, José Mindlin foi também jornalista no Estado de S. Paulo, e criou a Metal Leve, uma das grandes empresas do setor de peças automotivas do país. Em 1999 foi eleito para a Academia Paulista de Letras e em 2006 ingressou na Academia Brasileira de Letras.

“Quem lê, reivindica”. Esta é, no final do volume, outra lição-provocação do autor que, ao falar sobre a força política do livro, tece comentários virulentos sobre a censura em tempos de arbítrio e o temor que os governos arbitrários têm dos livros. Queimá-los em praça pública é a solução mais comum e covarde que tais governos de exceção encontram para ficar livres de “idéias avançadas”. A Igreja Católica, com o seu Index Librorum Prohibitorum, deixou claro também que o livro tem poderes insuspeitados e pode fazer, de uma inocente beata, uma líder de passeata. Com o punho erguido, claro.

* Jornalista e escritor

terça-feira, 12 de maio de 2009

Fim dos vestibulares?

Fonte: Rubem Alves, hoje na Folha

Minha neta tinha 16 anos. Ela é inteligente, tem determinação e sua cabeça estava cheia daquelas ideias fantásticas que habitam as cabeças adolescentes. Estava se preparando para o vestibular. No sofá ela lia um caderno espiralado lindamente ilustrado. Biologia, ciência fascinante! Quantas revelações fantásticas sobre a vida deveriam se encontrar naquele caderno! Mas ela lê com uma cara de absurdo.

O absurdo produz uma expressão facial característica, mistura de raiva e tédio. Raiva porque é obrigatório que se engula aquilo contra a vontade. Tédio porque aquilo que é obrigatório engolir não faz o menor sentido. E que, por isso mesmo, será logo esquecido.

É preciso que algum fenomenólogo descreva essa expressão fisionômica, tão frequente no rosto dos alunos que se preparam para o vestibular.

Fiquei mordido de curiosidade e quis saber o que ela estava aprendendo de biologia para entrar na universidade. "O que é que você está lendo?", perguntei. Com uma cara desanimada, ela apontou com o dedo o parágrafo que estava lendo e me passou o caderno. Comecei a ler. E, à medida em que lia, minha cara foi ficando igual à dela. Eis o que li.

"Além da catálase, existem nos peroxíssomos enzimas que participam da degradação de outras substâncias tóxicas, como o etanol e certos radicais livres. Células vegetais possuem glioxissomos, peroxissomos especializados e relacionados com a conversão das reservas de lipídios em carbohidratos. O citosol (ou hialoplasma) é um colóide... No ciosol das células eucarióticas, existe um citoesqueleto constituído fundamentalmente por microfilamentos e microtúbulos, responsável pela ancoragem de organóides... Os microtúbulos têm paredes formadas por moléculas de tubulina..."

Seguia-se uma descrição da complexa rede que forma o rabo do espermatozoide...

A raiva cresceu dentro de mim e quis encontrar o culpado. Pus-me a perguntar: quem tomou a decisão de tornar obrigatório o conhecimento dessas informações? Por que esses saberes devem ser aprendidos? O que é que os adolescentes vão fazer com esses nomes? Nomes, nada mais do que nomes...

Esforço inútil, porque tudo será esquecido. A memória não é burra. Não carrega conhecimentos que não fazem sentido. A memória inteligente sabe esquecer. O absurdo educacional dos vestibulares se encontra no fato de que eu serei reprovado, os reitores serão reprovados, os professores universitários serão reprovados, os professores de cursinhos serão reprovados...

Agora os vestibulares tiveram o seu fim decretado. Fico feliz, porque há mais de vinte anos eu tenho estado lutando por isso. O que me levou a pensar muito e a escrever muito sobre esse equívoco educacional. Parte do que escrevi se encontra no meu site: www.rubemalves.com.br

Mas tenho um receio. Imaginem um restaurante que servia uma comida de gosto ruim, indigesta e que provocava vômitos e diarreia. O dono do restaurante, diante das queixas dos seus clientes, resolve fazer uma reforma na forma como a comida era servida: trocou as panelas velhas por panelas novas e a louça branca antiga, por uma louça azul. Mas a comida continuou a mesma... Será possível que isso aconteça?

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Ahmadinejad e Foucault

CONTARDO CALLIGARIS, Folha de São Paulo, 07 maio 2009

O PRESIDENTE do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, adiou sua visita ao Brasil. Melhor assim. Ele é uma das figuras mais sinistras da praça política mundial: uma encarnação do ódio assassino como solução para o fato de que sempre há outros que vivem, pensam e sentem de uma maneira diferente da nossa.

Há um problema no Oriente Médio? Simples, basta acabar com os judeus e aniquilar o Estado de Israel. Isso lhe lembra algo que já aconteceu? Não se preocupe: o genocídio é uma invenção sionista. Há iranianos que pulam a cerca? Simples, basta massacrar as adúlteras, mesmo que tenham sido estupradas. Há iranianos homossexuais? Eventualmente, "tinha" - já não tem mais. E por aí vai, para todos os dissidentes, externos e internos.

Ultimamente, em Genebra, quando Ahmadinejad falou, os diplomatas ocidentais deixaram a sala. Os brasileiros apenas emitiram uma nota de repúdio. Três razões:

1) O Irã é um bom comprador no Oriente Médio, e dinheiro não tem cheiro. Discordo desse argumento neoliberal: o dinheiro tem cheiro, sim, sobretudo quando vem numa mala de carniças.

2) Ahmadinejad extrapola porque está em campanha e se endereça à sua base eleitoral. Quer dizer que ele se sustenta numa base que pensa como ele? Pior ainda.

3) Campeão da coexistência de diferenças (étnicas, religiosas e infelizmente econômicas), o Brasil pode ser um valioso mediador de conflitos. Ótimo, mas o que significa mediar? Por uma limitação da qual não quero me desfazer, eu não consigo ponderar os problemas do mundo sem pensar nos indivíduos.

E, conversando com Ahmadinejad, seria assombrado pela visão de uma mulher tremendo de medo, num porão, incapaz de invocar seu deus porque, segundo lhe ensinaram, ele está inteiramente com um grupo de barbudos que, sentados no quarto de cima, tomam chá e decidem quando ela será apedrejada. É um pensamento que me dá nojo.

Reli os artigos que Michel Foucault escreveu para o "Corriere della Sera", durante duas viagens ao Irã, em 1978, no começo da "Revolução" Iraniana (em "Dits et Ecrits vol. 2, 1976-1983", Gallimard, e, em inglês, "Foucault and the Iranian Revolution", University of Chicago).

Foucault me ensinou a enxergar a mão furtiva do poder, mesmo nas sociedades aparentemente "livres". Como foi que ele escreveu uma apologia entusiasta do que já prometia ser um regime totalitário como poucos na história?

No sábado passado, neste espaço, Antônio Cicero também voltou a esses escritos de Foucault -talvez inspirado pela visita iminente. Cicero argumentou que o relativismo libertário (a ideia de que não temos o direito de julgar regimes de verdade diferentes do nosso) levou Foucault a defender um fundamentalismo que não reconhece nenhuma verdade que não seja a dele. Concordo. O relativismo só faz sentido se ele for uma exceção à sua própria regra: todos os regimes de verdade são respeitáveis, salvo os que não respeitam a verdade dos outros.

Mas o que mais me impressionou, relendo Foucault, foi que, naquelas viagens, ele não ouviu nenhuma voz de dissenso. Só percebeu a perfeita unanimidade de um povo desejoso de se refundar "espiritualmente", além de suas diferenças políticas. Talvez ele tenha saído de Paris já decidido a encontrar, na "Revolução" Iraniana, o protótipo de uma nova esperança coletiva.

Aparentemente, vale também para Foucault: sermos indivíduos é uma tarefa árdua, que suscita a nostalgia permanente de uma coletividade em que poderíamos, enfim, descansar. Algo assim: que venha a "vontade geral" com a qual sonhava Rousseau e nos permita renunciar por um tempo a nossas responsabilidades singulares!

Pois bem, Ahmadinejad nos lembra que a "vontade geral" se constrói sempre sobre os cadáveres dos que não concordam.

Foucault achava que a psicanálise, levando-nos a falar sobre os desejos sexuais, abre a porta para que o poder se insinue em nossa vida privada. Pode ser, mas, para mim, o legado irrenunciável da psicanálise é sobretudo a necessidade de pensar nas pessoas uma por uma, sem ilusões e entusiasmos coletivos, ou seja, sem esquecer aquela mulher que, no porão, ainda está esperando para saber a que horas será apedrejada.

Presidente Lula, caso Ahmadinejad seja reeleito e venha ao Brasil, na hora da foto oficial, peço-lhe, por favor, que o senhor pense nessa mulher e se abstenha de sorrir.

Foucault e o fundacionismo

ANTONIO CICERO, Folha de São Paulo, 02 maio 2009

O RELATIVISMO e o antifundacionismo filosóficos, tão comuns em nossos dias, são frequentemente apresentados não somente como resultados de uma pretensa falência da racionalidade moderna, mas como reações libertárias ao domínio, tido como totalitário, da razão absolutista e fundacionista. Mas pode ocorrer que o relativista, tentando escapar do fundacionismo, acabe por se enredar no fundamentalismo. Um episódio da vida intelectual de Michel Foucault ilustra o que acabo de dizer.

A partir dos cursos que deu sobre a hermenêutica do sujeito, em 1981, Foucault se dedicou a investigar o que chama de "cuidado de si". Trata-se de uma postura filosófica que ele encontra na antiguidade entre, por exemplo, os filósofos estoicos e epicúrios. Para ela, a verdade não é dada ao sujeito como simples ato de conhecimento. Para conseguir acesso à verdade, o sujeito precisa se transformar -se converter-, por meio de um longo trabalho de ascese. A verdade alcançada com esse esforço retorna ao sujeito como uma iluminação que lhe proporciona beatitude e tranquilidade da alma. A essa relação com a verdade Foucault chama de "espiritualidade".

Segundo ele, a espiritualidade foi quase esquecida no mundo moderno. "Entrou-se na idade moderna", diz Foucault, "no dia em que se admitiu que o que dá acesso à verdade, as condições segundo as quais o sujeito pode ter acesso à verdade são o conhecimento e somente o conhecimento".

Sendo assim, a modernidade filosófica consiste na perda da espiritualidade. Ora, tanto a palavra "espiritualidade" mesma quanto o modo em que seu sentido é determinado por Foucault -como um processo que inclui ascese, conversão, transfiguração, iluminação, beatificação pela descoberta da verdade- remete-nos à religião.

Não há como não lembrar que três anos antes desses cursos, em 1978, Foucault defendia a Revolução Iraniana, liderada pelo aiatolá Khomeini, afirmando que ela era a tentativa de "abrir na política uma dimensão espiritual". Trata-se de uma coisa, comenta ele, "de cuja possibilidade nós [os modernos] nos esquecemos desde a Renascença e as grandes crises do cristianismo: uma espiritualidade política". A Revolução Iraniana era, segundo ele, "atravessada pelo sopro de uma religião que fala menos do além que da transfiguração deste mundo aqui".

Nesse ponto ele tem razão. Como, na mesma época, observou Maxime Rodinson, importante especialista no Islã:

"Mesmo um fundamentalismo islâmico mínimo exigiria, segundo o Alcorão, que as mãos de ladrões fossem cortadas e que a partilha da mulher na herança seja cortada pela metade. Se houver um retorno à tradição, como os religiosos querem, então será necessário chicotear aquele que beber vinho e chicotear ou lapidar a adúltera. Nada será mais perigoso que a acusação venerável: meu adversário é um inimigo de Deus".

Como é possível que Foucault tenha ignorado essa realidade, sem falar na realidade da opressão das mulheres, na censura à imprensa, na prisão de dissidentes, na execução de apóstatas e homossexuais etc., se ele declarava que seu papel intelectual era "mostrar às pessoas que elas são muito mais livres do que pensam"?

Parece-me que ele conseguia minimizar esses desrespeitos aos direitos humanos no Irã por já ter relativizado de antemão a própria verdade.

Simplesmente, como ele dizia, os iranianos "não têm o mesmo regime de verdade que nós". E ele observava que o nosso regime de verdade, aliás, "é bem particular, mesmo embora se tenha tornado quase universal".

A suposição de que há diferentes "regimes de verdade" irredutíveis uns aos outros e de que o nosso regime de verdade, sendo apenas um entre outros, não tem privilégio nenhum quanto aos demais conduz a impasses teóricos jamais adequadamente enfrentados por Foucault.

Por exemplo, se não temos o direito de julgar as verdades dos iranianos porque eles têm um diferente regime de verdade, então não temos sequer o direito de afirmar que eles têm um diferente regime de verdade: principalmente se levarmos em conta que, a partir do seu próprio regime espiritual de verdade -segundo o qual o Islã é a verdade absoluta-, os iranianos jamais reconheceriam a "verdade" de que o nosso regime de verdade seja diferente do deles: ou mesmo de que existam diferentes regimes de verdade.

A verdade é que não são casuais esses tropeços práticos e teóricos de Foucault. Eles radicam no relativismo e antifundacionismo de todo o seu pensamento.

Luiz Fernando Veríssimo

-Papai, o que é Páscoa?

-Ora, Páscoa é... bem.... é uma festa religiosa!

-Igual ao Natal?

-É parecido. Só que no Natal comemora-se o nascimento de Jesus, e na Páscoa, se não me engano, comemora-se a sua ressureição.

-Ressurreição?

-É, ressurreição. Marta , vem cá !

-Sim?

-Explica pra esse garoto o que é ressurreição pra eu poder ler o meu   jornal.

-Bom, meu filho, ressurreição é tornar a viver após ter morrido. Foi o   que aconteceu com Jesus, três dias depois de ter sido crucificado. Ele ressuscitou e subiu aos céus. Entendeu ?

-Mais ou menos... Mamãe, Jesus era um coelho?

-O que é isso menino? Não me fale uma bobagem dessas! Coelho! Jesus Cristo é o Papai do Céu ! Nem parece que esse menino foi batizado! Jorge, esse menino não pode crescer desse jeito, sem ir numa missa pelo  menos aos domingos.  Até parece que não lhe demos uma educação cristã ! Já pensou se ele solta uma besteira dessas na escola ? Deus me perdoe !  Amanhã mesmo vou matricular esse moleque no catecismo!

-Mamãe, mas o Papai do Céu não é Deus ?

-É filho, Jesus e Deus são a mesma coisa. Você vai estudar isso no catecismo. É a Trindade. Deus é Pai, Filho e Espírito Santo.

-O Espírito Santo também é Deus?

-É sim.

-E Minas Gerais?

-Sacrilégio!!!

-É por isso que a ilha de Trindade fica perto do Espírito Santo?

-Não é o Estado do Espírito Santo que compõe a Trindade, meu filho, é o Espírito Santo de Deus. É um negócio meio complicado, nem a mamãe entende direito. Mas se você perguntar no catecismo a professora explica tudinho!

-Bom, se Jesus não é um coelho, quem é o coelho da Páscoa ?

-Eu sei lá ! É uma tradição. É igual a Papai Noel, só que ao invés de presente ele traz ovinhos.

-Coelho bota ovo ?

-Chega ! Deixa eu ir fazer o almoço que eu ganho mais !

- Papai, não era melhor que fosse galinha da Páscoa ?

-Era... era melhor,sim... ou então urubu.

-Papai, Jesus nasceu no dia 25 de dezembro, né?

-Que dia ele morreu ?

-Isso eu sei: na Sexta-feira Santa.

-Que dia e que mês?

- (???)Sabe que eu nunca pensei nisso ? Eu só aprendi que ele morreu na Sexta-feira Santa e ressucitou três dias depois, no Sabado de Aleluia.

-Um dia depois!

-Não três dias depois.

-Então morreu na Quarta-feira.

-Não, morreu na Sexta-feira Santa... ou terá sido na Quarta-feira de Cinzas? Ah, garoto, vê se não me confunde! Morreu na Sexta mesmo e ressuscitou no sábado, três dias depois!

-Como ?

-Pergunte à sua professora de catecismo!

-Papai, porque amarraram um monte de bonecos de pano lá na rua ?

-É que hoje é Sabado de Aleluia, e o pessoal vai fazer a malhação do Judas. Judas foi o apóstolo que traiu Jesus.

-O Judas traiu Jesus no Sábado ?

-Claro que não ! Se Jesus morreu na Sexta !!!

-Então por que eles não malham o Judas no dia certo ?

-Ui...

-Papai, qual era o sobrenome de Jesus?

-Cristo. Jesus Cristo.

-Só ?

-Que eu saiba sim, por quê?

-Não sei não, mas tenho um palpite de que o nome dele era Jesus Cristo Coelho. Só assim esse negócio de coelho da Páscoa faz sentido, não acha?

-Ai coitada!

-Coitada de quem?

-Da sua professora de catecismo!

quinta-feira, 7 de maio de 2009

A Volta dos factóides

A Volta dos factóides

O vírus da re-reeleição está definitivamente inoculado no DNA dos governistas.

Fonte: José Márcio Mendonça*,  Diário do Comercio

A conjunção nos céus brasilienses de alguns astros em órbita negativa – os problemas de saúde da ministra Dilma Roussef, levados, criminosamente, aos palanques pelo presidente Lula e alguns aliados; e as críticas ao comportamento “funcional” de deputados e senadores – fez baixar na capital da República antigos factóides que costumam aparecer nessas ocasiões. Alguns são sacados para distrair o grande público, outros naquela base do "se colar, colou". Desta vez, no entanto, alguns deles podem até "colar", face às circunstâncias em que estão sendo relançados.

Com mais discrição, explicavelmente, retorna o zumzum a respeito de um possível novo mandato para o presidente Lula. É verdade que a idéia, desde que surgiu, há três ou quatro anos, nunca foi definitivamente sepultada. Sempre hibernou, apesar das reiteradas negativas do presidente Lula sobre alimentar qualquer veleidade nessa direção. O vírus da re-reeleição está definitivamente inoculado no DNA dos governistas.

O drama da ministra Dilma apenas reacendeu a chama – despertou o PT e os aliados para a realidade indigesta de que não será fácil "construir" uma candidatura a partir do quase nada. Há sinais de fumaça que os observadores mais argutos já farejaram. Caso do atual secretário de Justiça de São Paulo, Cláudio Lembo, interlocutor privilegiado de outro bom entendedor, o senador Marco Maciel.

Lembo está convicto de que virá uma tentativa para valer de aprovar as reeleições sucessivas. Maciel acha que agora um projeto desses pode passar no Senado. Atento, o ex-presidente Fernando Collor, agora aliado de Lula, pensa o mesmo, como disse em entrevista nesta semana ao jornal Valor Econômico. O próprio Lula alimenta as suspeitas quando insiste em que a ministra Dilma é sua candidata, mas que depende de tornar-se viável aos olhos do PT e dos outros condôminos da coalizão governista.

É tudo o que os parceiros querem – para eles (e para o próprio interessado), “marolinha” à parte, Lula é imbatível. O que é garantia contra o risco de um alto índice de desemprego de petistas, peemedebistas e outros no serviço público federal no caso de o poder passar para as mãos da oposição. Lembremo-nos de que mais de 20 mil cargos de confiança, aqueles ocupados sem concurso (de “livre provimento” no jargão burocratês nacional) foram entregues a petistas de carteirinha. Perder isso?

O outro factoide é, desculpem a insistência em algo aborrecido – a reforma política. Dessa vez, revestida de uma aura de solução institucional. Vai servir para tentar aplainar um pouco a imagem do Congresso. A proposta tem como carro-chefe o financiamento público das campanhas e o fim do voto em nomes, com a votação em lista partidária. De penduricalho, que vai omitido ao máximo pelos defensores do projeto, virá também a janela da infidelidade.

Três desastres, como já comentamos em outro artigo recentemente.

O problema das campanhas não é o financiamento privado, mas o caixa dois e as contribuições ocultas para os partidos, uma espécie de caixa dois envergonhado. Essa prática não será inibida, portanto teremos apenas campanhas mais ricas. Calcula-se que, para 2010, se a idéia prosperar, haverá cerca de R$ 1,2 bilhão a mais para a farra eleitoral.

O voto em lista, no qual o eleitor não escolhe mais o candidato a deputado, mas apenas o partido, da forma como está nossa legislação eleitoral e partidária trará a perpetuação do quadro atual e a perpetuação da oligarquia partidária, pois quem fará a lista e definirá a ordem de cada candidato nela será(ão) o(s) dono(s) dos partidos. Em poucas palavras, mudanças para não mudar nada. Sobre a volta da infidelidade, nem é preciso falar, tal a indecência. Absurdos que, dado o ambiente, podem passar.

E assim, vai nossa política. Cada vez mais dos políticos e cada vez menos dos cidadãos.

* José Márcio Mendonça é jornalista e analista político

quarta-feira, 6 de maio de 2009

As decisões intuitivas

As decisões intuitivas

Fonte: InfoMoney

Um taco e uma bola custam R$ 1,10. O taco é R$ 1 mais caro que a bola. Quanto custa a bola?

Shane Frederick, um dos mais próximos colaboradores do professor e teórico de finanças comportamentais Daniel de Kahneman, fez esta pergunta a estudantes das Universidades de Princeton e de Michigan. Metade dos estudantes de Princeton e 56% dos estudantes de Michigan responderam prontamente que a bola custava dez centavos.

Mas por que pessoas tão qualificadas como estes estudantes erraram ao responder um problema tão simples?

Este exemplo serve para distinguir raciocínio e racionalidade. No conceito de raciocínio, há a ideia de atividade, de funcionamento cerebral. Mas o raciocínio é neutro em relação aos critérios de exatidão ou de conformidade. Já a racionalidade evoca a obediência a normas lógicas.

No exemplo da bola e do taco, os estudantes usaram o raciocínio para dar a resposta. Para mais da metade dos estudantes, este raciocínio sofreu um viés: um real mais dez centavos é igual a um real e dez centavos (1 + 0,10 = 1,10). Nós, humanos, cometemos constantemente vieses e manifestamos tendências em nossos julgamentos e decisões.

Se o raciocínio e a racionalidade são respostas deliberadas da cognição humana, existem ainda outras respostas do sistema cognitivo. Na escala das decisões, existem aquelas tomadas de forma automática - trocar a marcha do carro para um motorista experiente - mas também outras baseadas nos julgamentos intuitivos, onde o sistema cerebral entra em funcionamento deliberado tentando, mas não conseguindo, respeitar normas lógicas.

Os julgamentos intuitivos ocupam uma posição intermediária entre os processos automáticos e aqueles baseados no raciocínio e na racionalidade. A característica central dos julgamentos intuitivos é a sua acessibilidade, ou espontaneidade. Compreenderemos a intuição quando compreendermos porque certos conteúdos são acessíveis e outros não.

Muitos conteúdos não são acessíveis no momento da tomada de decisão porque não foram processados pelo sistema cognitivo, mas apenas percebidos. Temos, então, a divisão entre os sistemas cerebrais da percepção e da cognição. A intuição está profundamente calcada na percepção, e a percepção nem sempre é processada pelo sistema racional.

Desta maneira, muitos dos nossos julgamentos que buscam racionalidade deixam de levar em consideração as percepções. Ainda assim podem ter sofrido vieses, como no caso do exemplo inicial e, portanto, não representam uma decisão exata.

Muitas pessoas que se enganaram na resposta à pergunta sobre o taco e a bola relataram que a intuição indicava que algo estava errado. Mas, como utilizavam o raciocínio, confiaram na decisão, sem levar em conta que ela poderia estar incorreta.

Portanto, descartar as decisões intuitivas, porque elas não estão calcadas na racionalidade, pode ser um grave erro daqueles que não entendem o funcionamento do cérebro humano.

A propósito, para atender à equação, a bola deve custar R$ 0,05. Se a bola custasse R$ 0,10 e o taco custasse R$ 1, o taco seria apenas R$ 0,90 mais caro que a bola.

Jurandir Sell Macedo Junior é doutor em Finanças, professor da UFSC

terça-feira, 5 de maio de 2009

Para ser mais feliz, esqueça o otimismo

Para ser mais feliz, esqueça o otimismo

Fonte: Folha

ALAIN DE BOTTON

ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

JÁ ESTÁ claro há algum tempo, desde que começou a conversa sobre os "primeiros sinais" da recuperação, que aquilo que devemos temer acima de tudo é a esperança. A tentativa de confiar em que o pior já passou parece condenada a causar decepções ainda maiores. Não só seremos infelizes como, por acreditarmos que a calma e a felicidade sejam a norma, nos sentiremos ainda mais infelizes.

Chegou a hora de reconhecer o quanto o otimismo com o qual crescemos é estranho e contraproducente. Pelos últimos 200 anos, a despeito de choques ocasionais, o mundo ocidental vive sob o domínio de uma crença no progresso, baseada em realizações científicas e empresariais extraordinárias. De uma perspectiva mais ampla, esse otimismo é uma grande anomalia. Os seres humanos passaram a maior parte da história conhecida extraindo curioso conforto do hábito de esperar o pior. No Ocidente, as lições sobre o pessimismo derivam de duas fontes: os filósofos estoicos romanos e o cristianismo. Talvez seja hora de revisitarmos esses ensinamentos para aliviar nossos pesares.

Se nos concentramos na primeira dessas fontes, o filósofo Sêneca seria o escritor perfeito para o momento. Vivendo em uma era de inquietação política e financeira (Nero ocupava o trono imperial), Sêneca interpretava a filosofia como uma disciplina que servia para nos manter calmos diante de um panorama de constante perigo.

Os consolos que seu pensamento oferecia eram sombrios e inflexíveis: "Você diz que não acreditava que isso aconteceria. Você acredita que haja alguma coisa que não vai acontecer, quando sabe que é possível que aconteça, quando percebe que já aconteceu?". O filósofo tentou acalmar a sensação de injustiça de seus leitores lembrando a eles, no ano 62, que desastres, naturais ou de causa humana, serão sempre parte de nossas vidas, por mais sofisticados e seguros que acreditemos nos termos tornado.

Se não nos atemos ao risco de uma súbita calamidade, nos mercados financeiros ou em qualquer outra parte, e pagamos o preço por nossa inocência, isso acontece porque a realidade compreende duas características cruelmente inconstantes: por um lado, continuidade e confiabilidade que perduram por décadas; por outro, cataclismos inesperados.

Vemo-nos divididos, entre um convite plausível a presumir que o amanhã se assemelhará muito a hoje e à possibilidade de que nos defrontaremos com um acontecimento aterrorizante, depois do qual nada mais voltará a ser o mesmo.

A deusa da fortuna pode distribuir dádivas e depois assistir inerte enquanto uma empresa com 50 anos de história desaparece com velocidade terrível ou um balanço é destruído por ativos tóxicos.

Possibilidades sombrias

Porque aquilo que mais nos fere é o que não esperamos, e porque precisamos esperar por qualquer coisa ("não existe nada que a fortuna não ouse"), é necessário, argumenta Sêneca, que tenhamos em mente o tempo todo a possibilidade dos mais devastadores eventos.

Ninguém deveria fazer um investimento, aceitar o convite para dirigir uma empresa ou depositar dinheiro em um banco sem estar consciente, de um modo que Sêneca desejaria nem repulsivo nem desnecessariamente dramático, das possibilidades mais sombrias.

Dada nossa competência financeira, por muito tempo nos sentimos em controle de nosso destino. Confiamos em gênios matemáticos que nos prometeram "administração de riscos" e criaram derivativos tão complexos que nem ousávamos contemplar seus detalhes. Confiança como essa jamais existiria se adotássemos a mentalidade dos estoicos.

É preciso, enfatizava Sêneca, expandir nosso senso quanto àquilo que pode sair errado em nossas vidas. "Nada nos deveria ser inesperado. Nossas mentes sempre deveriam tentar antecipar todos os problemas e deveríamos considerar não aquilo que deveria acontecer, mas sim aquilo que pode acontecer. O que é o homem? Um vaso que ao menor tremor, ao menor impacto, pode quebrar."

O cristianismo reforçou a mensagem dos estoicos. Ressaltava que, embora os seres humanos possam se esforçar pela perfeição, é um problema e até um pecado supor que ela possa ocorrer na Terra.

Temos nos inclinado a desconsiderar essas mensagens sombrias. A filosofia burguesa moderna deposita firmemente suas esperanças em dois grandes supostos ingredientes para a felicidade: o amor e o trabalho. Mas existe uma imensa e irrefletida crueldade oculta discretamente por sob essa magnânima garantia de que todos encontraremos satisfação aqui.

A questão não é que essas duas entidades sejam invariavelmente incapazes de prover realização, mas que quase nunca o fazem por muito tempo.

Quando uma exceção é confundida com uma regra, nossos infortúnios pessoais, em lugar de nos parecerem aspectos quase inevitáveis da vida, pesam sobre nós como maldições deliberadas. Ao negar a posição natural reservada ao anseio e ao desastre no destino humano, a ideologia burguesa nos nega a possibilidade de consolo coletivo por nossos casamentos conflituosos, ambições inexploradas e carteiras de investimento torpedeadas e nos condena em lugar disso a sentimentos solitários de vergonha e perseguição por termos fracassado em fazer de nós mesmos pessoas maiores.

O certo, em lugar disso, seria que recordássemos grandes vozes pessimistas. Há citações que acalento especialmente para tempos como estes.

Uma é de Sêneca: "Qual é a necessidade de chorar quanto a determinadas partes da vida?

Ela toda pede lágrimas".

A outra é do moralista francês Nicolas de Chamfort: "Um homem engoliria um sapo a cada manhã se isso garantisse que ele não precisaria encarar nada de mais repulsivo pelo restante do dia".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

O mais recente livro do filósofo suíço radicado em Londres ALAIN DE BOTTON publicado no Brasil é "A Arquitetura da Felicidade" (editora Rocco, 2007). O escritor lançou no mês passado "The Pleasures and Sorrows of Work" ["Os Prazeres e Pesares do Trabalho"].