segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Um eremita da metrópole

Maravilhoso texto do professor Jose de Souza Martins, publicado no jornal O Estado de São Paulo. Remete ao texto aqui já publicados sobre se é valida ainda hoje a existência de manicômios....

Nos faz entender também um pouco sobre a exclusão do ser, algo próprio desta nossa sociedade, que caminha cada vez mais para o ser individual.

Um eremita da metrópole

Jose de Souza Martins, Estado 31 ago. 2009

Numa ilha da Avenida Pedroso de Morais, seu Raimundo mora há bem mais de 15 anos, pelos meus cálculos. Dia e noite, com chuva ou sem chuva, seu Raimundo está lá sentado. A longa barba e os longos cabelos desarrumados dão-lhe a respeitabilidade patriarcal de morador antigo e de eremita da metrópole. De dia, está sempre escrevendo. Quando adolescente, minha filha mais moça foi com um grupo de sua escola conversar com ele. Viera de Goiás, oriundo de uma instituição psiquiátrica.

Escreve textos do que se poderia definir como antipsiquiatria popular, a crítica da institucionalização das vítimas da psiquiatria de confinamento e de choque. Ele é em carne viva a consciência crítica do encarceramento psiquiátrico, de que se considera vítima, que remete à transformação da pessoa doente em objeto dos que supostamente a dominam. Como Foucault, seu Raimundo entende que há na psiquiatria uma relação de poder, que desumaniza o interno. Diz que é o que é porque a isso foi reduzido pela psiquiatria. Mesmo uma entrevista com ele significa para ele roubo de um pedaço de sua pessoa, apropriação de algo que é dele. Talvez por isso tenha com as crianças uma relação diferente, de doação, às quais distribui seus escritos, que são um pedaço de sua pessoa. Em nossos movimentos messiânicos, como o que culminou na Guerra do Contestado (1912-1916), em Santa Catarina, a exaltação da criança tem a função simbólica da radical inversão das relações de poder.

Seu Raimundo não está sozinho. Desde 1967, batizado e liderado por David Cooper, psiquiatra sul-africano, o movimento que ele encarna solitariamente numa rua de São Paulo chama-se Antipsiquiatria. Pelo mundo afora, tem tido manifestações singulares e, de algum modo, tem contribuído para uma revisão da doutrina e da prática do confinamento e da redução do paciente a objeto de ciência.

Moradores do bairro próspero em que vive costumam visitá-lo para levar-lhe coisas ou para saber se carece de algo. É tratado como vizinho e conhecido. Seu Raimundo é um estoico, um cidadão do limite. Seus poucos objetos, catados por aí e reunidos, ficam devidamente guardados sob plástico preto para que não tenha o passante a impressão de que se trata de um monte de lixo. Ao seu redor, as coisas estão sempre arrumadas. Também ele se acomoda sob um plástico preto, seu único abrigo. Fica quase sempre sentado. Em dias de chuva, cobre-se com um plástico transparente e continua sentado. Em noites de chuva, sua sombra projetada no plástico pela luz dos faróis dos carros que passam lembra, às vezes, a escultura de Rodin, O Pensador.

sábado, 29 de agosto de 2009

Sarney

Charge retirada do blog do Baptistão

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

A Onda

Comentário do jornalista e colunista do Estado de São Paulo sobre o filme que estréio sexta passada e parece que vai dar muita discussão. Vale a pena conferir!

A Onda: o pequeno fascista que existe em nós

por Luiz Zanin, Caderno 2, 26 ago. 2009

O caso tem uma base real, pois aconteceu nos Estados Unidos, mas seu desenvolvimento é pura ficção. Uma escola quer mostrar aos alunos as vantagens e desvantagens de determinadas formas de governo e concepções políticas. Um professor de cabeça arejada deseja pegar a turma que iria explorar os pressupostos do anarquismo. Mas a direção da escola o manda dar aulas de autoritarismo. E lá vai ele, com a melhor das intenções e o pressuposto didático de que a maneira correta de combater uma posição indesejável é mostrar quais são as consequências. O propósito é levar um ideário até seu limite.

Partindo desse princípio, o diretor Dennis Gansel trabalha, de maneira sutil, com as sementes de autoritarismo que existem na cabeça de cada um. Essa disposição pode ser vista como universal. Mas assume forma dramática no país onde se passa a história, a Alemanha, por conta do seu passado recente. Há um preâmbulo necessário. Os jovens já não podem mais nem ouvir falar em nazismo ou Hitler. "Não temos nada com o passado." A despeito disso, a proposta do professor Rainer Wenger (Jürgen Vogel) é mostrar como ninguém está totalmente vacinado contra ideias totalitárias e como elas se criam, como atitude psicológica em indivíduos e grupos e como forma política.

Assim, a natural tendência à associação pode levar a uma radical separação entre quem pertence e quem não pertence ao grupo. A idolatria ao líder e o estabelecimento de limites entre o "fora" e ao "dentro", com a consequente intolerância em relação a quem é diferente e não adere ao grupo. Intolerância que pode, no limite, assumir todas as formas possíveis da violência. Isso acontece nas torcidas de futebol, grupos rivais de adolescentes, agremiações políticas. No limite, deu no nazismo e no fascismo.

Embora faça um filme de tese, Gansel trabalha com sutileza, sem forçar a barra. Mesmo porque sua fábula moral é a de uma espécie de aprendiz de feiticeiro. Alguém que manipula coisas perigosas, não sabe a hora de parar e chega a fins indesejáveis. O desfecho é ampliado em relação ao que aconteceu na vida real. Dramaticamente, mostra que a democracia e a aceitação da diferença são bens sempre precários, nunca de fato conquistados. A sombra do pensamento autoritário está sempre presente, no fundo de cada um de nós. Basta olhar para o dia a dia e se convencer disso.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Você não vale nada, mas eu gosto de você!

Texto do antropólogo Roberto DaMatta, publicado hoje no Caderno 2 do Estado de São Paulo, que talvez nos ajude decifrar e quem sabe até a entender, o porque, eleição após eleiçãon continuamos a eleger estes nossos governantes, DESTE PAÍS (trocadilho com os discursos do Lula).

Você não vale nada, mas eu gosto de você!

Roberto DaMatta, Estado de hoje

Para Francisco Weffort, Luis Eduardo Soares e o DCE da PUC-Rio, pela inspiração

Toda novela diz muito. A de Gloria Perez, Caminho das Índias, tem uma música que é a mais perfeita fórmula para este Brasil que nos irrita, mas enreda e que, por isso mesmo e apesar de tudo, jamais tiramos da cabeça e do coração. Quando a Argentina chega ao auge de uma crise, eles largam o país afirmando que a grande nação do tango é "una mierda"! Nós, no período da hiperinflação, da moratória, do sequestro da poupança, do mensalão e das grandes roubalheiras, rasgávamos nossos passaportes e decidíamos ficar. Tal como os personagens da novela - o guarda de trânsito Abel, marido da traidora Norminha -, nós tínhamos de esperar "para ver no que dava". Para termos certeza de que o Brasil era mesmo um país sem solução; ou para sentirmos o dragão inflacionário nos devorar. Vivíamos, ao pé da letra, a letra da música do Dorgival Dantas, gravada por Calcinha Preta, que registra graficamente o drama entre Norminha e Abel: "Você não vale nada, mas eu gosto de você. (Mas) Tudo o que eu queria era saber por quê, tudo o que eu queria era saber por quê!"

Aí está, numa fórmula popular e abstrata, o que os grandes intérpretes do Brasil - Silvio Romero, Nina Rodrigues, Paulo Prado, Euclides da Cunha, Oliveira Viana, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., Raymundo Faoro, Florestan Fernandes, Vianna Moog, Celso Furtado e quem mais você quiser - tentaram explicar ou compreender: as razões pelas quais este país tão erradamente construído (de nobres, escravos e capitalistas sem competição, impostos e mercado), tão malformado por "raças inferiores", tão desprovido de elites honradas e de estruturas legais, financeiras e de uma economia e vida política capaz de gerar equidade e honestidade; tão afeito a éticas anti-igualitárias como a da condescendência, do nepotismo e da malandragem, não se autodestruía ou inspirava somente ódio, mas interpolava, entre o "você não vale nada, mas eu gosto de você", essa cláusula de todas as redenções: esse arrebatador, porque paradoxal e compassivo - "Tudo o que eu queria era saber por quê; tudo o que eu queria era saber por quê!"

Sim, porque enquanto houver o desejo de compreender o elo entre o traidor e o traído, enquanto existir a busca para as razões do comportamento de uma Norma sem normas (ou limites) e o puro pastor Abel (guarda de trânsito) que a deixou viver sem essa consciência de fronteiras, fonte de todas as sinceridades e foco indispensável de uma vida honesta, há que se ter consciência do que já experimentamos e realizamos. Refiro-me ao fato concreto de livrar o Brasil de alguns dos seus males ditos crônicos e seculares. Não foi o que fizemos quando, por exemplo, o tiramos da escravidão e do autoritarismo dos militares? Não foi o que realizamos quando, com o Plano Real, liquidamos o invencível dragão inflacionário? E não é o que hoje experimentamos neste governo do PT e do Lula que seria diferente, ideológico; que não roubava e deixava roubar; mas no qual vivemos uma extraordinária convergência não só de políticas econômicas, mas de estilos de governar no qual as coalizões espúrias e as ambições pessoais, a mentira e a mendacidade se repetem?

A desgraça é que o Brasil, como a Norminha, tem muitas faces. Há a que se livrou da hiperinflação com mais democracia, e há também a que corre o risco de liquidar-se no neocaudilhismo com a destruição de um partido ideológico, o PT, justamente pelo seu líder mais importante, o Lula, na sua sofreguidão de fazer um sucessor. Eu não tenho a menor simpatia pelo radicalismo petista, mas estimo instituições. Tenho certeza de que o Brasil revela uma enorme carência de equilíbrio entre personalidades e valores internalizados indispensáveis ao seu bem-estar social. Entre nós, basta um sujeito virar o "cara" para ele usar o execrável "Você sabe com quem está falando?" que, como eu (e não Gilberto Freyre, Caio Prado Jr. ou Sérgio Buarque de Holanda) mostrei há 30 anos, coloca de quarentena as reflexões mais inocentes sobre a implantação da "cidadania" moderna, inseparável do liberalismo. É necessário fazer como os estudiosos do Brasil que não o abandonaram à sua sorte de país errado ou falido, mas amorosamente procuraram saber onde estava o elo entre o enganado e o enganador. O amor, a esperança e a eventual transformação está na tentativa de saber por quê.

A beleza do laço entre Abel e Norminha reside no fato de que eles sabem que só se muda o que se ama. A tese do quanto pior melhor, que tanto animou a nossa esquerda, não funciona porque o conserto (ou a cura) é, entre os humanos, o limite. Não se trata somente de apontar a mendacidade do governo ou de enterrar o senador Mercadante. Não! É preciso descobrir, como manda o Dorgival, o porquê desse nosso amor por um tipo de poder que faculta a hipocrisia, a chantagem emocional, a roubalheira, a incúria administrativa e todos esses outros monstros que conhecemos tão bem. Se esses caras não valem mesmo nada, não basta execrá-los. É preciso saber por que nós - estão aí as estatísticas - os amamos tão apaixonadamente.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

A garota e os caras

A garota e os caras

por Marcelo Paiva, em seu blog

Ela era feliz a doidado. Seus vestidos, floridos, soltos, seu sorriso, bonito, seu corpo, lindo como poucos, seu desejo, excessivo, tenso, tesão intenso, ela queria sempre, sempre, queria amar todos os homens, gostava de homem, gostava de tudo neles, de quase tudo, gosta ainda: de barba, do cheiro, de ombros largos, gosta de peito com pêlos, de pernas longas, gosta de alisar, esfregar, arranhar, lamber e beijar. Gosta de gostar, porque muitas delas se atrapalham, com medo de se entregar. Mas ela, não. Adora se dar, adora se excitar e excitar.

Com o cara 1, ela foi pra cama no primeiro dia. Ele se jogou, ela lhe beijou, ele tirou a camisa, ela tirou seu vestido, ele olhou seu corpo, que lindo, disse, e ela adorou o elogio, tira tudo, ele disse, ela adiou, ficou de calcinha e sutiã, mas mergulhou nele, pegou nele, que lindo, ela disse, como ele é lindo, repetiu, examinou, tocou, beijou, chupou, e o cara disse, tira tudo, ela, calma, esfregou-se, amassou, rolou, subiu, tira tudo, calma, chupou, lambeu, apertou, tira, , ela tirou, e se comeram, trocaram tudo, totalmente.

Mas ele não ligou depois. Nem depois. Nenhum e-mail. Sumiu. Nunca mais ouviu falar dele. Que pena. Era o pau mais bonito da cidade. Que droga! O que fiz de errado dessa vez?

Com o cara 2, ela nem esperou chegar em casa. Agarrou-o já no carro. Pulou nele quando estacionaram. Subiu, beijou-lhe, mordeu seu pescoço, lambeu sua orelha, sentiu ele se excitar, tirou a sua camisa, beijou seus ombros, seu peito, seus braços, suas mãos, suas costas, ele estava duro, ela tirou a calça dele e seu vestido num gesto único e nem esperou ele dizer, tirou a calcinha e o sutiã. Ele ficou doido de tesão, que corpo, ele disse. Ela nem registrou o elogio, porque já o chupava, esfregava, lambia, massageava, que lindo, ela disse, o mais lindo que já viu, muito mais lindo que o outro. Ele perguntou: Que outro? Ela nem deu ouvidos, nem enrolou mais, e transaram ali, no banco do motorista, passaram pro do passageiro, depois pro de trás, de frente, de lado, por trás.

Mas ele não ligou no outro dia. Nem no outro. Nem na outra semana. Nem carta, e-mail, telegrama. Sumiu. Que merda! O que foi dessa vez?!

Com o cara 3, ela entrou em seu apê. Bebeu, bebeu, foi agarrada, ela disse não, foi arrastada, ela disse para! Ele pediu, pediu, pediu, ela disse só um beijinho. Ela deu um, mas ele logo veio apalpando, ela disse aí, não! Ele pediu mais beijos, ela, mais vinho. Mais bêbados. Ela se insinuou, ele queria vê-la nua, ela só mostrou a tatuagem na virilha, ele implorou, vamos pra cama, ela chamou um táxi. Nem esperou a confirmação, chamou o elevador, deu um beijo longo, sorriu e se foi.

Este ligou no dia seguinte. E no outro. Mandou flores, e-mails e um CD de presente. Liga todos os dias. Como homem é babaca, ela descobriu.

A volta das freiras feias

Como transcrevi aqui (transcrevi não, usei uma técnica muito difundida em nossos tempos, o famoso copiar e colar, método muito utilizado por nossos alunos de hoje) o texto citado pelo Pondé, sobre a lei antifumo, segue abaixo o texto dele de ontem na Folha de São Paulo.

Só em tempo. Fui assistir a uns 10 dias atrás no Tom Jazz o programa Café Filosófico, exibido pelo TV Cultura aos domingos, no qual o modulo atual, o professor Pondé é o curador. A palestra que assisti foi a do professor Leandro Karnal, do modulo Os Fantasmas da Perfeição.

A volta das freiras feias

"E se a ciência descobrir que fumantes

emitem partículas cancerígenas

pela respiração?"

LUIZ FELIPE PONDÉ, Folha de São Paulo, 24 ago. 2009

HÁ DIAS escrevi no caderno Cotidiano desta Folha um artigo cujo título era "Freiras Feias sem Deus" sobre a nova lei antifumo. Um mar de e-mails.

Volto ao tema hoje para aprofundar duas questões que julgo mais importantes neste debate. Uma delas se refere à imagem de uma freira feia sem Deus como metáfora dos fascistas amantes da nova lei. Por que freira, por que feia, por que sem Deus?

Outra questão, mais "séria", referia-se ao uso do termo "fascismo" para uma lei legitimamente votada num Estado democrático de direito. Como aplicar um termo advindo do universo totalitário ao campo da vida política democrática?

Eu sei, caro leitor: quem é afinado com o debate da filosofia política contemporânea sabe que a suposição de que a democracia seja imune ao fascismo não passa de mera ignorância.

A democracia atual, com suas intenções de corrigir o comportamento do cidadão (elevando-o à categoria de agente moral), pelo contrário, bebe muito na inspiração fascista.

A referência da "freira" aqui é simbólica, é claro. "Freira" remete à figura da mulher religiosa maníaca pelo controle das paixões e dos desejos, uma espécie de fiscal da virtude e do pecado. Ela ama castigar o pecador enquanto se olha no espelho e vê sua face como sendo a do espírito puríssimo. Não muito distante do não fumante militante que, ainda que não confesse, vê o fumante como um lixo da humanidade, alguém que tem prazer em se melar com a morte.

"Feia" é a figura da deformação interna da alma advinda desta fiscalização orgulhosa. Goza a noite em seu quartinho abafado, com a ideia de que, finalmente, aqueles que ela detesta serão humilhados. Como ratos que se escondem no escuro pra respirar seu ar doente.

"Sem Deus" é uma referência mais sofisticada. A relação entre a luta contra o pecado e o vício, por um lado, e Deus, por outro, implica a noção de piedade. Deus é uma ideia que traz em si um abismo no qual miséria humana e misericórdia divina se encontram.

Uma freira feia sem Deus é terrível porque a única coisa que ela deseja é a violência legal como controle total do pecador, sem amor algum pelo infeliz. Ao pecador resta apenas a miséria e a vergonha.

Já o fascismo é, no fundo, uma religião civil e não um tipo específico de política ou governo. Manifesta-se como um governo cuja autoimagem é a de um agente moral na sociedade. Agente este movido pela fé em gerar melhores cidadãos, por meio do constrangimento legal e científico dos comportamentos.

Na democracia, o fascismo ainda é mais perigoso porque tende a ser invisível. Esta invisibilidade nasce da ilusão de que a legitimidade pelo voto inviabiliza o motor purificador do fascismo. Pelo contrário, a própria ideia de "maioria" ou de "vontade do povo" trai a vocação fascista.

O fator saúde, seja pessoal, seja do planeta, seja da sociedade, sempre foi uma paixão fascista -isto já é largamente conhecido. A própria noção de progresso como saúde social canta hinos fascistas.

Perguntará o leitor: mas se for assim, não tem solução! Sim, tem, basta o governo ser mais cético com seus impulsos de purificação do mundo e se ater a sua condição de "síndico" da sociedade e não de reformador. A ideia de uma sociedade "saudável" já é fascista. O estado moderno tem em seu DNA a vocação ao fascismo.

Outro veneno é a associação com a ciência. Aqui tocamos o fundo do poço. Só idiotas, ou fascistas confessos, mesmo que mentirosos, creem em verdades científicas como parceiros éticos.

A rejeição de comportamentos construída via argumento científico tem a seu favor do ponto de vista do fascista a segurança de que ela é inquestionável. E se a "ciência" tivesse provado que os judeus eram mesmo seres inferiores e eticamente poluidores do mundo, seria correto exterminá-los? Ou pelo menos confiná-los?

Imagine, caro leitor, se em alguns anos "a ciência descobrir" que fumantes e ex-fumantes emitem partículas cancerígenas pela respiração. Claro que esse "a ciência descobrir" pode significar uns quatro ou cinco trabalhos financiados por lobbies contra os fumantes. Como proceder?

Arrisco dizer que nossas freiras feias sem Deus proporiam campos de concentração para os fumantes. Assim garantiríamos um ar sempre puro. A inspiração fascista da modernidade é resultado da secularização do cristianismo e seu desejo de perfeição. Pena que só sobraram as freiras feias e sem Deus.

ponde.folha@uol.com.br

Vestes, corpos e sombras

Vestes, corpos e sombras

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Sem Eva, sem maçã, as mulheres não

teriam lingerie para vestir e,

sobretudo, para despir

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JOÃO PEREIRA COUTINHO, hoje na Folha

SEMPRE GOSTEI da passagem bíblica em que Adão e Eva descobrem a sua própria nudez. Não lembram? Eu relembro: foi no princípio do princípio do princípio, em pleno Jardim do Éden.

Criados por Deus e respeitadores das Suas leis, Adão e Eva viviam em harmonia e inocência. Até o dia em que a serpente entra em cena para tentar Eva com os frutos da árvore do conhecimento. O resto, como se diz por aí, é história: Eva prova a maçã; Adão, tentado por Eva, também; Deus, compreensivelmente, não gosta da desobediência e expulsa o casal primevo do paraíso.

É então que ambos experimentam pela primeira primeira vez o que nunca sentiram antes: vergonha. Vergonha dos seus próprios corpos nus. Imagino a cena, tal como Botticelli a pintou: os dois, tapando o rosto e as partes, saindo do Jardim em desgraça.

Entendo a importância do episódio na teologia cristã. Ao permitir a queda do Homem, Deus preparava os homens para a vinda do seu filho muito amado, que nos acabaria por redimir. Por isso o pecado original é, de certa forma, necessário e salvífico: sem Queda, não haveria redenção. Mesmo John Milton, que tem certo "flirt" com o diabo no seu "Paraíso Perdido" (ah, esses republicanos...), concordava com Agostinho. Adão e Eva são responsáveis por nossa perdição, mas também pela nossa salvação. Brindo a eles.

Mas brindo também por motivos mais básicos e, digamos, menos ortodoxos. A nudez é um tédio. Sem Eva, sem maçã, sem serpente, jamais teríamos o tweed, a maior invenção do vestuário masculino desde que os homens deixaram de usar collants. E, sem Eva, sem maçã, sem serpente, jamais as mulheres teriam lingerie para vestir e, sobretudo, para despir. Talvez exista algo de errado em mim, mas só começo a olhar para Eva com outros olhos quando ela usa as primeiras calcinhas da Humanidade. Exatamente: folhas de árvore a tapar a genitália. Que mulherão.

A nudez é um tédio, repito. Mas existe quem discorde. Eu próprio tive experiência pessoal na semana passada. Uma amiga ligou e convidou-me para um dia de praia. Aceitei o convite, na crença inocente de que praia é praia: areia e mar, com gente semivestida pelo meio.

Pobre de mim. Ainda durante a viagem, ela perguntou-me se eu já tinha experimentado o nudismo. Entre o riso e o pânico, respondi que não. Nem o nudismo, nem o canibalismo. Ela sorriu. Sorriso pérfido. Mas então já era tarde para eu saltar de um carro em andamento.

A experiência não foi completamente traumática. A praia estava habitada pelo tipo de seres humanos que Pedro Álvares Cabral encontrou na sua primeira chegada ao Brasil. A única diferença é que nenhum dos índios ali presentes me ofereceu ouro ou pedras preciosas em troca de meus pobres e deslocados trapos. Que, no momento, me pareceram introcáveis por qualquer preço.

Os amigos da minha amiga aproximaram-se e apresentaram-se. Instintivamente, eu recuava meio metro por cada pênis que avançava. Engana-se quem pensa que a melhor forma de combater a ansiedade social é imaginar os nossos interlocutores despidos. Quem inventou essa mentira? Quando a plateia está despida, nós só temos dois caminhos: fugir ou despir também.

Tentei um compromisso: impossibilitado de fugir e prometendo nu total para mais tarde, imaginei a plateia vestida. Não é fácil transformar qualquer genitália em meras peles de vison. Sobretudo quando há vaginas no perímetro. Mas a alternativa é o açougue: carnes penduradas em sua frieza mórbida, capazes de transformar qualquer ser sexual em vegetariano puro. Fiquei pelo vison.

O problema é que não é possível ficar por muito tempo: as horas passam e, com as horas, passa também o efeito da ilusão. Os outros estão realmente despidos. Nós continuamos de smoking. A vergonha inverte-se e as nossas roupas são objeto de condenação e de escárnio.

Vergonhosamente, cedi. Vagarosamente, fui despindo. Peça a peça. Como uma stripper octagenária, tomada pelo reumatismo.

Péssima solução. Derradeiro conselho: para nudistas renitentes, a única salvação está em imitar Usain Bolt, o homem mais rápido do momento. Entrar no mar; sair do mar; deitar na toalha (sempre de costas): qualquer gesto deve ser realizado com velocidade supersônica. Estamos e já não estamos. Somos e já não somos. Sempre em movimento. Apanhem-me se puderem. Razão tinha o poeta, Pessoa de seu nome: depois das vestes, ficam os corpos; mas depois dos corpos, ficam as sombras.

jpcoutinho@folha.com.br

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Marcelo Rubens Paiva

Texto postado em seu blog (http://blog.estadao.com.br/blog/marcelorubenspaiva/) que repercute sobre a lei antifumo.

Festejar o quê?

por Marcelo Paiva

O que está acontecendo na cidade de São Paulo?!

Tudo bem, não se pode beber, fumar, fazer barulho até antes da meia-noite. Muitas baladas dos Jardins foram fechadas. Em blitze, tratam pessoas que querem se divertir como se fossem criminosas. Fiscais e policiais caçam com sangue nos olhos o lazer que consideram ilegal.

Arrumam-se motivos para acabar com a diversão alheia. Burocratas engravatados decidem o que se pode ou não fazer. A cidade, que quer cultura e se entreter, conhecer e festejar, enfrenta a tropa de choque da caretice.

Kassab & Cia limpam a cidade, até de diversão. Quem são esses caras? Saem à noite, têm amigos, vida social? A TFP tomou o poder?

Se fumamos dentro de um espaço público, vem a lei antifumo. Se todos saem à calçada para fumar, vem a lei do silêncio. Não há cinzeiros, porque a lei proíbe. Se batemos papo, vem o PSIU. E tem autoridade que quer proibir a bebida para depois das 23hs.

Até com quanto decibéis podemos rir? Serenatas, nem pensar. Podemos olhar a lua e uivar?

Deveriam ir ao divã, para se perguntarem por que detestam ver outros mais felizes.

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Recebi este comunicado dos amigos que produzem a festa GAMBIARRA. Me solidarizo.

GAMBIARRA INFORMA SOBRE OS FATOS OCORRIDOS NA NOITE DE ONTEM - 09 DE AGOSTO DE 2009:

A Gambiarra caiu na boca, e no coração, do povo. E, infelizmente, nos olhos de ganância de invejosos. Ontem, por volta das 2h da manhã, cerca de 10 viaturas da Guarda Civil Metropolitana, lideradas por dois fiscais da Subprefeitura da Sé (Tiago Augusto Inácio Gomes da Silva e Rafael – que não quis revelar o sobrenome), que não portavam identificação, cercaram as 3 entradas da festa, armados, e sem portar nenhum mandato ou coisa parecida, e bloquearam todas as portas da casa contra a vontade dos organizadores da festa. “Ninguém mais entra nem sai da casa”, disse o Rafael a um dos organizadores, impedindo inclusive a entrada do mesmo, que estava no momento na rua orientado os clientes que acabavam de chegar, e causando conflito com os clientes que já haviam pagado e queriam simplesmente ir embora.

Sem conversarem ou darem qualquer satisfação, arrancaram e confiscaram à força os banners das 3 portarias (inclusive agredindo um dos funcionários), sendo que todos os banners foram feitos dentro dos limites impostos pela própria prefeitura no Cidade Limpa.

A Gambiarra obedece ao PSIU (o nível de som que ultrapassa as pistas é muito pequeno), ao Cidade Limpa (todos os banners têm metragem muito menor do que o máximo permitido) e agora à Lei Anti-Fumo (no final de semana anterior à entrada em vigor da lei o cigarro já foi proibido na casa e foi criada uma alternativa para as pessoas entrarem e saírem da festa para fumar). Além disso, a casa, que conta com 3 pistas distintas, tem alvará de funcionamento para cada uma delas.

Ainda sem informar o motivo da “fiscalização”, os fiscais e os policiais invadiram a festa. Depois de verificarem que não havia fumantes nas pistas de dança, e exigirem que o som fosse desligado à força, fizeram o primeiro pronunciamento: “Queremos ver o alvará de funcionamento da casa”. Imediatamente, claro, foram encaminhados pela produção ao escritório onde tiveram em mãos os 3 alvarás de funcionamento.

Não satisfeitos, ordenaram o imediato desligamento do som e a retirada de todas as pessoas da festa para que fosse feita a contagem de quantos freqüentadores estavam presentes naquela noite, um por um.

Pressionados, por policiais armados, os produtores foram aos microfones das pistas para comunicar os clientes de que eles infelizmente tinham que sair.

O dj da Pista 1 ainda tentou resistir tocando algumas músicas da época da Ditadura, já com um volume bem baixo, embalado por um coro dos próprios freqüentadores, mas logo teve que ceder por ameaça policial.

Neste momento, as 1.400 pessoas presentes na festa se encaminharam para os caixas. Não bastando, e bloqueando todas as saídas, os policiais, inconseqüentemente, abriram uma das portas da festa, sem autorização e controle dos proprietários, permitindo a saída de várias pessoas ao mesmo tempo sem o pagamento da comanda, causando tumulto, gritaria e prejuízo à casa.

Terminada a contagem exigida pelo fiscal e totalizadas quase 1400 pessoas (o que estaria dentro da normalidade, caso ele considerasse o alvará das 3 casas utilizadas conjuntamente), os fiscais da prefeitura deram a primeira e única satisfação para os donos da festa: “ Vocês não podem juntar 3 casas diferentes numa só festa. Nós só aceitamos 1 dos seus alvarás, com capacidade para 510 pessoas. Vocês precisam de 1 alvará coletivo para as 3 casas”. Informação esta nunca notificada anteriormente pela própria Prefeitura.

Com a casa já vazia, os fiscais abandonaram o local sem efetivar uma notificação do ocorrido – ação esta que deve vir antes da multa e muito antes de uma expulsão arbitrária e ditatorial.

Com prejuízos inumeráveis, tanto para os organizadores da festa como para os clientes, tamanha irresponsabilidade, que poderia ter provocado tumulto de proporções catastróficas, acabou com uma noite de uma das festas que mais respeitam todas as leis impostas por esse governo, sempre pensando no bem da população.

Alertamos a imprensa que tal fiscalização não teve relação direta com a Lei Anti-Fumo, conforme publicado em alguns veículos. Não havia nenhuma pessoa fumando dentro da festa e os agentes em nenhum momento se identificaram como fiscais da nova lei.

Independente do acontecido, a Gambiarra continuará alegrando nossos domingos e desabando água, pra lavar o que tem que limpar.

“Nós lamentamos o fato ocorrido e pedimos a todos os amigos e freqüentadores presentes na noite de ontem que entendam nossos esforços no sentido de adequar sempre a festa às leis e ao conforto de nosso público”.

Os freqüentadores que tiveram os ingressos devolvidos poderão utilizá-los para entrar gratuitamente na festa numa próxima edição de domingo

(não válido para a Edição Especial na The Week, no dia 14 de agosto).

Qualquer manifestação no sentido de repugnar tal ato ditatorial deve ser enviada para gabinetedoprefeito@prefeitura.sp.gov.br, diretamente para nosso prefeito Gilberto Kassab.

Grande abraço,

Produção Gambiarra – A Festa

www.GAMBIARRAAFESTA.COM.BR

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Sem fumaça

Mais uma vez, o Estado erra a dose com um tema tão polemico. Em vez de educar, pune! E o que é pior, transfere para o cidadão não fumante o ato da fiscalização. Tava ontem com os amigos do serviço comemorando o aniversario de uma amiga e é estranha a cena das pessoas tendo que sair de suas mesas para acender um cigarro e quando voltam, mais constrangimento ainda, parecem que estavam fazendo algo de errado. Imaginei o que passava na cabeça das pessoas que estavam em volta de nossa mesa...”ta vendo aquela moça ali, tava fumando la fora”

Sou a favor que se diminua a incidência do fumo, mas com questões de esclarecimento, e não punindo.

Abaixo o editorial hoje da Folha de São Paulo e duas opiniões, uma a favor a proibição e outra contra. Tirem suas conclusões.

Abs.

Sem fumaça

Lei que veta o fumo em ambientes fechados de São Paulo vai na direção correta, mas é draconiana e erra na hora de punir

Editorial Folha

ENTRA HOJE em vigor a lei estadual paulista nº 13.541, que praticamente bane o fumo de todos os espaços de uso coletivo públicos ou privados. A legislação vai no caminho já trilhado por outros países e cidades. É correta em seus objetivos gerais e na terapêutica proposta, embora mostre-se draconiana e naufrague nos mecanismos de fiscalização em que se apoia.

O fumo é um enorme problema de saúde pública. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que o tabagismo provoque a cada ano, em escala global, a morte de 5,4 milhões de pessoas. É mais do que a Aids (2 milhões), o álcool (1,8 milhão) e a malária (1 milhão) juntos.

Ainda assim, o tabaco é um produto legal. Qualquer adulto que deseje fumar tem o direito de fazê-lo. O que não pode é impingir a fumaça tóxica a quem não fez a escolha de ser fumante.

Nos últimos anos, surgiram indícios convincentes de que o chamado fumo passivo é bem mais letal do que se acreditava. Estudos realizados no Piemonte e na Escócia, por exemplo, mostraram reduções significativas nas hospitalizações e mortes por ataques cardíacos -11% no caso italiano e 17% no britânico- depois que foram adotadas regras semelhantes à paulista.

Assim, faz todo o sentido que o poder público procure garantir para todos os não tabagistas ambientes nos quais possam trabalhar e divertir-se sem expor-se aos riscos do fumo passivo.

Os que desejarem dedicar-se aos prazeres da nicotina estarão livres para fazê-lo em suas casas, carros e ao ar livre. A lei também prevê a existência de tabacarias nas quais o fumo é permitido. Mas poderia ir além: por que motivo impedir que uma pessoa abra um bar ou restaurante voltado para clientela tabagista, nos quais os funcionários também fossem fumantes e ali trabalhassem por vontade própria?

Um outro aspecto criticável da legislação paulista reside no fato de ela prever punições para o dono do estabelecimento, mas não para o fumante.

A figura da responsabilidade solidária não é estranha ao Direito, mas uma coisa é exigir que um empresário responda por eventuais erros de fornecedores e quem mais tenha escolhido como parceiro de negócios e outra muito diferente é imputá-lo pelas ações de pessoas desconhecidas sobre as quais não tem nenhum controle.

O marco legislativo agora em vigor permite, por exemplo, que um agente inescrupuloso sabote as atividades de seu concorrente apenas acendendo um cigarro em seu restaurante ou bar.

Faria muito mais sentido lógico e legal se a lei previsse sanções administrativas para os fumantes. A sensação que fica é a de que os políticos que a

aprovaram preferiram o caminho mais cômodo de agradar aos 80% que não fumam sem indispor-se com os 20% de fumantes.

Dissipando a nuvem de fumaça

VERA LUIZA DA COSTA E SILVA

ESPECIAL PARA A FOLHA

QUANDO uma lata de sardinha ou um sorvete infectados causam doenças ou matam seus consumidores, eles são imediatamente retirados do mercado -e não vemos a sociedade debater o fato ou reagir como se houvessem tirado seus direitos. É simples proteção da saúde pública. Se autoridades não agirem, aí se torna legítima uma reação do público, exigindo a proteção do bem comum.

Com a fumaça dos cigarros, a coisa deveria ser igual. A comprovação, por uma centena de estudos em populações e em lugares diferentes, de que a exposição à fumaça causa doenças em crianças e adultos não fumantes expostos é irrefutável.

Também é mais do que conhecido que espaços reservados a fumantes e sistemas de ventilação especiais não funcionam. Mas, algumas pessoas preferem olhar para seu umbigo, pensar nos seus "direitos", esquecendo o direito alheio.

Quem disse que impor a um garçom conviver entre fumaça de cigarro e adoecer é um discurso social adequado?

Fácil fazer firula com a vida alheia com base em uma filosofia mal colocada e egoísta de direitos humanos. Pior, os "defensores" da lógica do prazer acabam caindo na armadilha do discurso falacioso da indústria, defendendo o direito do capital, o do poder econômico, e não o do ser humano.

Existe uma nuvem de fumaça entre o discurso e a realidade. Ela foi criada no decorrer do século passado pelas estratégias de marketing da indústria

fumageira, que não tem interesse em que se normatize o consumo de produtos de tabaco.

A indústria fumageira financia e usa grupos -como associações de bares, restaurantes e hotelaria- para que defendam o indefensável. Será que é a essa indústria, que comercializa um produto que mata um em cada dois consumidores regulares, que devemos proteger?

Nada de fumódromos, nada de bares intoxicados, de quartos com cheiro de fumaça e pisos queimados. Proteção, sim, mas para quem precisa dela, para quem trabalha, para quem não pode escolher.

No final, todos ganham. Ganham os garçons, as recepcionistas, os cozinheiros, as atendentes, os motoristas, enfim a parte mais indefesa dessa cadeia produtiva que vai adoecer menos e ter mais conforto ao trabalhar. Ganham as crianças que passam a sofrer menos de asma, bronquite e infeções pulmonares e respiratórias. E que vão respirar ar mais puro.

Que os fumantes que assim o queiram continuem fumando -é direito de cada um. Que fumem como quiserem e quando quiserem. Mas não onde quiserem -esse é o direito coletivo que deve prevalecer sobre o individual. É disso que se trata. Simples assim.

Vera Luiza da Costa e Silva é médica, doutora em saúde pública, ex-coordenadora do Programa de Prevenção do Câncer (do Inca) e ex-diretora da Iniciativa por um Mundo sem Tabaco (da OMS)

As freiras feias sem Deus

LUIZ FELIPE PONDÉ

COLUNISTA DA FOLHA

O QUE MOVE as pessoas, em meio a tantos problemas, a dedicar tamanha energia para reprimir o uso do tabaco? Resposta: o impulso fascista moderno.

Proteger não fumantes do tabaco em espaços públicos fechados é justo. Minha objeção contra esta lei se dá em outros dois níveis: um mais prático e outro mais teórico.

O prático diz respeito ao fato de ela não preservar alguns poucos bares e restaurantes livres para fumantes, sejam eles consumidores ou trabalhadores do setor. E por que não? Porque o que move o legislador, o fiscal e o dedo-duro é o gozo típico das almas mesquinhas e autoritárias. Uma espécie de freiras feias sem Deus.

O teórico fala de uma tendência contemporânea, que é o triste fato de a democracia não ser, como pensávamos, imune à praga fascista.

A tendência da democracia à lógica tirânica da saúde já havia sido apontada por Tocqueville (século 19). Dizia o conde francês que a vocação puritana da democracia para a intolerância para com hábitos "inúteis" a levaria a odiar coisas como o álcool e o tabaco, entre outras possibilidades.

Odiaremos comedores de carne? Proprietários de dois carros? Que tal proibir o tabaco em casa em nome do pulmão do vizinho? Ou uma campanha escolar para estimular as crianças a denunciar pais fumantes? Toda forma de fascismo caminhou para a ampliação do controle da vida mínima. As freiras feias sem Deus gozariam com a ideia de crianças tão críticas dos maus hábitos.

A associação do discurso científico ao constrangimento do comportamento moral, via máquina repressiva do Estado, é típica do fascismo. Se comer carne aumentar os custos do Ministério da Saúde, fecharemos as churrascarias? Crianças diagnosticadas cegas ainda no útero significariam uma economia significativa para a sociedade. Vamos abortá-las sistematicamente? O eugenista, o adorador da vida cientificamente perfeita, não se acha autoritário, mas, sim, redentor da espécie humana.

E não me venha dizer que no "Primeiro Mundo" todo o mundo faz isso, porque não sou um desses idiotas colonizados que pensam que o "Primeiro Mundo" seja modelo de tudo. Conheço o "Primeiro Mundo" o suficiente para não crer em bobagens desse tipo.

O que essas freiras feias sem Deus não entendem é que o que humaniza o ser humano é um equilíbrio sutil entre vícios e virtudes. E, quando estamos diante de neopuritanos, de santos sem Deus, os vícios é que nos salvam. Não quero viver num mundo sem vícios. E quero vivê-lo tomando vinho, vendo o rosto de uma mulher linda e bêbada em meio à fumaça num bistrô.

Luiz Felipe Pondé é colunista da Ilustrada

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O nosso cavaleiro andante

As mentiras de Sarney

Fonte: Por Mauricio Lima, blog esquerda, direita e centro

Entre as tantas distorções e incorreções proferidas pelo senador José sarney em seu discurso de ontem, as piores, de longe, se referem ao seu desempenho na condução da economia brasileira. Investido da aura de paladino da moralidade, de grande estadista, Sarney mostrou por que alguns de seus livros são até elogiados pela crítica especializada. Foi como se o senador sumisse dali e desse lugar ao escritor de ficção. Em dado momento, tal qual Dom Quixote quando via seus moinhos, Sarney disse que o Plano Cruzado abriu caminho para o Plano Real. Em outro, afirmou que foi corajoso ao decretar a moratória da dívida brasileira.

Com todo o respeito, são duas mentiras deslavadas, tentativas absurdas de reescrever a história. O Plano Real, na verdade, foi bem-sucedido justamente porque não repetiu os erros de tantos outros planos econômicos que vieram antes e depois do Cruzado. Em sua estrutura, não havia congelamento de preços, tablitas e nem fórmulas mágicas. Compará-los é uma desonestidade, uma tentativa de ludibriar o ouvinte, fazendo-lhe crer que o Cruzado teve um papel preparatório na estabilidade da economia. Qualquer pessoa que tenha vivido esta época, qualquer velhinha de taubaté, sabe que isto não é verdade.

Em relação à moratória, o presidente do Senado conseguiu ser ainda mais fantasioso. Ele descreveu a decisão como um ato de coragem, uma bravura (que aliás ele nunca demonstrou em sua carreira política) de um presidente arrojado. Na verdade, a moratória é o ato que sintetiza toda a incompetência de sua administração. O país não só estava quebrado como, por causa de sua decisão estapafúrdia, teve seu acesso ao crédito negado por anos a fio. Foi um desastre absoluto.

Evidentemente, o nobre senador aplicou a mesma lógica de escritor de romances em seus argumentos para permanecer à frente do Senado. Os jornais de hoje, em especial O Estado de São Paulo, desmascararam com maestria suas explicações sobre atos secretos e outras impropriedades. Vale a leitura. O homem é bom de ficção.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Complexo de Lear

Texto maravilhoso escrito pela ex ministra do Meio Ambiente e senadora da republica, Marina Silva.

Complexo de Lear

Durante curso de especialização na Universidade de Brasília, estudei a obra "Rei Lear", de Shakespeare. Talvez a tragédia possa nos ajudar a entender um pouco a política brasileira.

Ao sentir-se velho, Lear decide abdicar da sua condição de rei, do enfadonho encargo de governar.

Chama as filhas -Goneril, Regana e Cordélia- para dividir seus bens e poder, anunciando que seria mais agraciada aquela que lhe fizesse a maior declaração de amor. E impõe outra condição: enquanto vivesse, o rei deveria ter assegurado respeito, prestígio, cuidado e, quem sabe, até mesmo o amor de suas filhas e súditos. Quer deixar de ser rei sem perder a majestade.

Cordélia, a mais jovem, com quem o rei mais se identificava, e que muito o amava, não soube dizer o que sentia. As outras não sentiam amor pelo pai, mas eram hábeis na verve.

O que torna sua jornada trágica e dolorosa é que Lear se recusa a retornar ao que um dia foi, um simples homem, rei de si mesmo. Não quer morrer, tornar-se passado. Quer ser sucessivo como é a vida, reviver a fase do prazer de poder.

Quer ter séquito e até mesmo um bobo para ninar seu desamparo.

Mas ninguém pode impunemente regredir sem ser atormentado pelo fantasma da repetição. No seu obsessivo desejo de ser amado, Lear agarra-se às palavras de Goneril e Regana. E rejeita amargamente a rebeldia de Cordélia, que só sabia sentir e não se sujeita a ter que fazer uma declaração de amor ao pai, obrigando-o a perceber esse amor no único lugar onde deveria estar: no resultado afetivo de suas relações pessoais.

Não por acaso desmorona o mundo de Lear. O que antes era tão bem definido, passa a ser ambivalente. Certeza e dúvida, coragem e medo, segurança e desamparo. A loucura de não mais saber quem é.

O alto preço por ter almejado e transformado em "ato" o desejo de retornar ao lugar onde um dia esteve e querer assumir a forma do que um dia foi. Ele só existe no mundo daqueles que o aceitam e o amam tal como é. E mesmo estes, incluindo Cordélia, não têm mais como aceitar seu governo senil. Até porque foi ele próprio quem decidiu abdicar de ser quem era para tornar-se quem não mais podia ser.

Tornou-se merecedor da reprimenda feita por meio das palavras do bobo: "Tu não deverias ter ficado velho antes de ter ficado sábio".

Genial Shakespeare, trágico rei, frágil humanidade de sempre, que não quer passar. Que infringe a ordem dos acontecimentos, sem o árduo trabalho de elaborá-los. Que desiste de ressignificar-se, e quer tão somente repetir o prazer da sensação vivida nas ilusões de majestade.

contatomarinasilva@uol.com.br   

MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta coluna.

Biblioteca suspende ciclo de palestras sobre livros dos vestibulares

Biblioteca suspende ciclo de palestras sobre livros dos vestibulares

Fonte: blog pontoedu

A Biblioteca Mário de Andrade anunciou nesta sexta-feira, dia 31, a suspensão do ciclo de palestras sobre os livros cobrados nos vestibulares deste ano.

Segundo a assessoria da Biblioteca, o motivo da suspensão é o corte de verbas. "Estamos, até agora, aguardando uma resposta de possíveis colaboradores para subsidiar o ciclo".

O evento seria realizado a partir do dia 8/8, aos sábados, com palestras ministradas por professores da PUC-SP.