sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Sem fumaça

Mais uma vez, o Estado erra a dose com um tema tão polemico. Em vez de educar, pune! E o que é pior, transfere para o cidadão não fumante o ato da fiscalização. Tava ontem com os amigos do serviço comemorando o aniversario de uma amiga e é estranha a cena das pessoas tendo que sair de suas mesas para acender um cigarro e quando voltam, mais constrangimento ainda, parecem que estavam fazendo algo de errado. Imaginei o que passava na cabeça das pessoas que estavam em volta de nossa mesa...”ta vendo aquela moça ali, tava fumando la fora”

Sou a favor que se diminua a incidência do fumo, mas com questões de esclarecimento, e não punindo.

Abaixo o editorial hoje da Folha de São Paulo e duas opiniões, uma a favor a proibição e outra contra. Tirem suas conclusões.

Abs.

Sem fumaça

Lei que veta o fumo em ambientes fechados de São Paulo vai na direção correta, mas é draconiana e erra na hora de punir

Editorial Folha

ENTRA HOJE em vigor a lei estadual paulista nº 13.541, que praticamente bane o fumo de todos os espaços de uso coletivo públicos ou privados. A legislação vai no caminho já trilhado por outros países e cidades. É correta em seus objetivos gerais e na terapêutica proposta, embora mostre-se draconiana e naufrague nos mecanismos de fiscalização em que se apoia.

O fumo é um enorme problema de saúde pública. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que o tabagismo provoque a cada ano, em escala global, a morte de 5,4 milhões de pessoas. É mais do que a Aids (2 milhões), o álcool (1,8 milhão) e a malária (1 milhão) juntos.

Ainda assim, o tabaco é um produto legal. Qualquer adulto que deseje fumar tem o direito de fazê-lo. O que não pode é impingir a fumaça tóxica a quem não fez a escolha de ser fumante.

Nos últimos anos, surgiram indícios convincentes de que o chamado fumo passivo é bem mais letal do que se acreditava. Estudos realizados no Piemonte e na Escócia, por exemplo, mostraram reduções significativas nas hospitalizações e mortes por ataques cardíacos -11% no caso italiano e 17% no britânico- depois que foram adotadas regras semelhantes à paulista.

Assim, faz todo o sentido que o poder público procure garantir para todos os não tabagistas ambientes nos quais possam trabalhar e divertir-se sem expor-se aos riscos do fumo passivo.

Os que desejarem dedicar-se aos prazeres da nicotina estarão livres para fazê-lo em suas casas, carros e ao ar livre. A lei também prevê a existência de tabacarias nas quais o fumo é permitido. Mas poderia ir além: por que motivo impedir que uma pessoa abra um bar ou restaurante voltado para clientela tabagista, nos quais os funcionários também fossem fumantes e ali trabalhassem por vontade própria?

Um outro aspecto criticável da legislação paulista reside no fato de ela prever punições para o dono do estabelecimento, mas não para o fumante.

A figura da responsabilidade solidária não é estranha ao Direito, mas uma coisa é exigir que um empresário responda por eventuais erros de fornecedores e quem mais tenha escolhido como parceiro de negócios e outra muito diferente é imputá-lo pelas ações de pessoas desconhecidas sobre as quais não tem nenhum controle.

O marco legislativo agora em vigor permite, por exemplo, que um agente inescrupuloso sabote as atividades de seu concorrente apenas acendendo um cigarro em seu restaurante ou bar.

Faria muito mais sentido lógico e legal se a lei previsse sanções administrativas para os fumantes. A sensação que fica é a de que os políticos que a

aprovaram preferiram o caminho mais cômodo de agradar aos 80% que não fumam sem indispor-se com os 20% de fumantes.

Dissipando a nuvem de fumaça

VERA LUIZA DA COSTA E SILVA

ESPECIAL PARA A FOLHA

QUANDO uma lata de sardinha ou um sorvete infectados causam doenças ou matam seus consumidores, eles são imediatamente retirados do mercado -e não vemos a sociedade debater o fato ou reagir como se houvessem tirado seus direitos. É simples proteção da saúde pública. Se autoridades não agirem, aí se torna legítima uma reação do público, exigindo a proteção do bem comum.

Com a fumaça dos cigarros, a coisa deveria ser igual. A comprovação, por uma centena de estudos em populações e em lugares diferentes, de que a exposição à fumaça causa doenças em crianças e adultos não fumantes expostos é irrefutável.

Também é mais do que conhecido que espaços reservados a fumantes e sistemas de ventilação especiais não funcionam. Mas, algumas pessoas preferem olhar para seu umbigo, pensar nos seus "direitos", esquecendo o direito alheio.

Quem disse que impor a um garçom conviver entre fumaça de cigarro e adoecer é um discurso social adequado?

Fácil fazer firula com a vida alheia com base em uma filosofia mal colocada e egoísta de direitos humanos. Pior, os "defensores" da lógica do prazer acabam caindo na armadilha do discurso falacioso da indústria, defendendo o direito do capital, o do poder econômico, e não o do ser humano.

Existe uma nuvem de fumaça entre o discurso e a realidade. Ela foi criada no decorrer do século passado pelas estratégias de marketing da indústria

fumageira, que não tem interesse em que se normatize o consumo de produtos de tabaco.

A indústria fumageira financia e usa grupos -como associações de bares, restaurantes e hotelaria- para que defendam o indefensável. Será que é a essa indústria, que comercializa um produto que mata um em cada dois consumidores regulares, que devemos proteger?

Nada de fumódromos, nada de bares intoxicados, de quartos com cheiro de fumaça e pisos queimados. Proteção, sim, mas para quem precisa dela, para quem trabalha, para quem não pode escolher.

No final, todos ganham. Ganham os garçons, as recepcionistas, os cozinheiros, as atendentes, os motoristas, enfim a parte mais indefesa dessa cadeia produtiva que vai adoecer menos e ter mais conforto ao trabalhar. Ganham as crianças que passam a sofrer menos de asma, bronquite e infeções pulmonares e respiratórias. E que vão respirar ar mais puro.

Que os fumantes que assim o queiram continuem fumando -é direito de cada um. Que fumem como quiserem e quando quiserem. Mas não onde quiserem -esse é o direito coletivo que deve prevalecer sobre o individual. É disso que se trata. Simples assim.

Vera Luiza da Costa e Silva é médica, doutora em saúde pública, ex-coordenadora do Programa de Prevenção do Câncer (do Inca) e ex-diretora da Iniciativa por um Mundo sem Tabaco (da OMS)

As freiras feias sem Deus

LUIZ FELIPE PONDÉ

COLUNISTA DA FOLHA

O QUE MOVE as pessoas, em meio a tantos problemas, a dedicar tamanha energia para reprimir o uso do tabaco? Resposta: o impulso fascista moderno.

Proteger não fumantes do tabaco em espaços públicos fechados é justo. Minha objeção contra esta lei se dá em outros dois níveis: um mais prático e outro mais teórico.

O prático diz respeito ao fato de ela não preservar alguns poucos bares e restaurantes livres para fumantes, sejam eles consumidores ou trabalhadores do setor. E por que não? Porque o que move o legislador, o fiscal e o dedo-duro é o gozo típico das almas mesquinhas e autoritárias. Uma espécie de freiras feias sem Deus.

O teórico fala de uma tendência contemporânea, que é o triste fato de a democracia não ser, como pensávamos, imune à praga fascista.

A tendência da democracia à lógica tirânica da saúde já havia sido apontada por Tocqueville (século 19). Dizia o conde francês que a vocação puritana da democracia para a intolerância para com hábitos "inúteis" a levaria a odiar coisas como o álcool e o tabaco, entre outras possibilidades.

Odiaremos comedores de carne? Proprietários de dois carros? Que tal proibir o tabaco em casa em nome do pulmão do vizinho? Ou uma campanha escolar para estimular as crianças a denunciar pais fumantes? Toda forma de fascismo caminhou para a ampliação do controle da vida mínima. As freiras feias sem Deus gozariam com a ideia de crianças tão críticas dos maus hábitos.

A associação do discurso científico ao constrangimento do comportamento moral, via máquina repressiva do Estado, é típica do fascismo. Se comer carne aumentar os custos do Ministério da Saúde, fecharemos as churrascarias? Crianças diagnosticadas cegas ainda no útero significariam uma economia significativa para a sociedade. Vamos abortá-las sistematicamente? O eugenista, o adorador da vida cientificamente perfeita, não se acha autoritário, mas, sim, redentor da espécie humana.

E não me venha dizer que no "Primeiro Mundo" todo o mundo faz isso, porque não sou um desses idiotas colonizados que pensam que o "Primeiro Mundo" seja modelo de tudo. Conheço o "Primeiro Mundo" o suficiente para não crer em bobagens desse tipo.

O que essas freiras feias sem Deus não entendem é que o que humaniza o ser humano é um equilíbrio sutil entre vícios e virtudes. E, quando estamos diante de neopuritanos, de santos sem Deus, os vícios é que nos salvam. Não quero viver num mundo sem vícios. E quero vivê-lo tomando vinho, vendo o rosto de uma mulher linda e bêbada em meio à fumaça num bistrô.

Luiz Felipe Pondé é colunista da Ilustrada

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