segunda-feira, 2 de março de 2009

Teses para um recomeço

Fernando Gabeira

O domínio do Congresso brasileiro pelo PMDB e seus aliados significa uma possibilidade de afastamento maior entre a instituição e a opinião pública. Como resultado, a democracia estará sempre em perigo e as eleições parlamentares devem se tornar irrelevantes;

É necessário organizar a resistência contra a corrupção, entendendo-a, grosso modo, como duas modalidades: a corrupção que já se consumou e a que deve se consumar no futuro. Minha proposta é a de concentrar na segunda, a corrupção que pode acontecer, através da luta intensa pela transparência;

Isto não significa indiferença em relação à corrupção já consumada e à apuração rigorosa dos escândalos, utilizando, quando necessário, o instrumento da Comissão Parlamentar de Inquérito;

Tanto uma como outra atividade demandam agenda. O primeiro ponto da agenda, no campo da transparência, é exigir a votação em segundo turno do voto aberto, algo que já nos deu uma vitória no passado. Os líderes precisam aceitar a colocação do tema na agenda, ainda que nos derrotem em plenário. A proibição de levar o tema à votação aberta é autoritária;

Outros importantes tópicos ligados à transparência e luta contra a corrupção devem ser encaminhados, destacando-se a crítica ao foro privilegiado que não só encobre crimes de políticos como atrai, pela sua comodidade, criminosos para a política;

Embora claramente minoritários no Colégio de Líderes e no Conselho de Ética, precisamos marcar nossa presença cada vez que um tema de nosso interesse é discutido para fortalecer os líderes que concordam conosco e os membros do Conselho que tentam fazer justiça.

Nossos instrumentos de luta devem incluir também a participação da imprensa e, em casos especiais, a da própria justiça, como no episódio do aumento salarial indevido que conseguimos sustar com um mandado de segurança;

A Frente será pequena no princípio mas a experiência histórica mostra que nossa força se amplifica na medida em que se aproximam as lutas eleitorais. Mesmo os deputados que dependem de estruturas administrativas, sindicais ou partidárias, não querem confronto aberto com a opinião pública no período eleitoral. Daí, a necessidade de planejar o trabalho para que vá num crescendo e alcance seu nível máximo em 2010.

Essas são as primeiras contribuições para o trabalho que, tenho certeza, vai ser desenvolvido. Os pontos onde devemos concentrar nossa vigilância serão mencionados diretamente para que não haja escaramuças do adversário. A tática deles têm sido esperar o auge da indignação popular, conceder alguma coisa, esperar o refluxo e anular as concessões. Daí a necessidade de pensarmos numa pressão continuada, o que é muito difícil pois depende também de fatores que não controlamos.

Mais uma vez repito: o fato de sermos poucos deputados e senadores não invalida nosso trabalho. Mesmo se fossemos apenas três, a resistência seria legítima e necessária.

Abaixo postagem de Josias de Souza e entrevista de Fernando Gabeira para o Blog Bastidores do Poder

Frente parlamentar ‘anticorrupção’ faz a 1ª reunião

Será na noite desta terça (3) a primeira reunião da frente parlamentar de combate à corrupção.

 “Estamos constituindo um grupo de resistência”, afirmou Fernando Gabeira (PV-RJ), em entrevista ao blog.

O movimento nasce nas pegadas da entrevista em que Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) disse: “Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção”.

Leia abaixo o que disse Gabeira:

- Onde será o encontro?

No apartamento do [deputado] Arnaldo Jardim (PPS-SP), terça-feira à noite.

- Quantas pessoas participam?

Nesse primeiro encontro, creio que teremos entre 15 e 20 parlamentares.

- Não é pouco para um Congresso com 594 parlamentares?

Nesse caso, a qualidade vale mais do que a quantidade. Ainda que fossemos apenas três, essa resistência teria de ser feita. Experiências anteriores mostraram que podemos contar com cerca de 30 pessoas. Com o tempo esse número deve aumentar. Talvez tenhamos até que selecionar.

- Aonde pretende chegar esse grupo?

Vamos chegar a 2010.

- Fala da sucessão presidencial?

Falo da sobrevivência do Congresso. Em 2010 teremos também eleições legislativas. E a manutenção desse esquema de cooptação de apoio parlamentar pelo Executivo torna o Congresso irrelevante. No limite, põe em risco a própria democracia. É preciso fixar um contraponto à hegemonia do PMDB no Congresso.

- Porque a supremacia do PMDB é ruinosa?

No Senado, tivemos aquela crise dramática envolvendo o Renan [Calheiros]. Agora, montou-se um esquema que representa a volta de tudo aquilo. Na Câmara, a ascensão do PMDB, numa parceria com o PT, representa o continuísmo sem nenhuma perspectiva de melhoria. A combinação desses elementos afasta ainda mais o Congresso da opinião pública.

- O que fará o grupo?

A tarefa principal é organizar a resistência contra a corrupção. Há dois tipos de corrupção: a que já se consumou e a que ainda vai se consumar. Minha tese é a de que, sem negligenciar os escândalos conhecidos, temos de priorizar a corrupção que está por vir.

- Como fazer?

O primeiro passo é abrir uma luta intensa pela transparência. De saída, queremos votar o projeto que institui o voto aberto no Legislativo. Foi aprovado em primeiro turno. E os líderes não permitem que a votação se conclua. Podemos ser derrotados, mas é preciso votar. Impedir a votação é um gesto autoritário.   

- Voto aberto ajuda a cassar transgressores, mas como impedir as transgressões?

Primeiro, vamos defender o fim do foro privilegiado. É uma distorção que, além de limitar a punição de crimes, atrai para a política os criminosos em busca de proteção. No mais é insistir na transparência.

- Como assim?

A partir de um tropeço da maioria, tivemos um avanço na Câmara.

- Qual foi o tropeço e o avanço?

Eles erraram ao eleger o Edmar Moreira [suspenso do DEM] para a Corregedoria. Ele teve 354 votos. E não ouvi ninguém dizer no microfone: ‘Eu me equivoquei’. Verificou-se que 80% da verba de gabinete do Edmar [R$ 15 mil por mês] se referiam a notas fiscais de serviço de segurança, área de atuação das empresas dele. Decidiu-se abrir todos os gastos na internet. O que vai coibir a repetição desse tipo de procedimento. Agora, precisamos exigir que o Senado faça o mesmo.

- E quanto ao Executivo?

Podemos atuar pontualmente também em relação ao Executivo. Veja o caso do ministério das Minas e Energia. O ministro [Edison Lobão, do PMDB] disse que há ‘bandidagem’ no Real Grandeza, o fundo de pensão de Furnas. O pessoal do fundo diz que o PMDB do Rio manobra para controlar o caixa. Nada impede que os dois lados sejam convocados para dar explicações no Congresso.

- A frente, por suprapartidária, defende alternativas diferentes para a sucessão de Lula. Não receia que isso envenene a ação conjunta?

O que vai nos unir é a ação parlamentar. Estamos falando da sobrevivência do Congresso e da importância das eleições legislativas. Creio que a frente, que vai começar pequena, tende a ganhar força com a proximidade das eleições.

- Por que?

A experiência mostra o seguinte: em períodos eleitorais, mesmo os parlamentares que atuam na base de uma relação promíscua com estruturas do Estado, preferem evitar o confronto aberto com a opinião pública. Daí a importância de planejarmos o movimento de tal modo que ele ganhe intensidade máxima em 2010.

- Quais são as chances de êxito do grupo?

Embora sejamos minoria, creio que é possível obter avanços. Sobretudo se conseguirmos estabelecer uma conexão com um movimento de pressão da opinião pública. Aí entra a participação da imprensa. Não significa que vamos condicionar a nossa pauta à pauta dos jornais. Mas não devemos ficar alheios a ela.

- A opinião pública está conectada com esse tema?

Alguma conexão há. O problema é saber até que ponto a opinião pública vai se interessar pelo processo. Não há nada garantido. Mas se permitirmos que prevaleça o vácuo, a maioria sobrevive e impõe esses métodos que queremos combater. Veja a reação do PMDB à entrevista do Jarbas Vasconcelos. Soltaram uma nota dizendo que não iriam responder. Apostam no esquecimento. Nosso papel é organizar uma pressão que evite o esquecimento.

- FHC fez, em artigo, uma analogia com o e-mail. Disse que a caixa de mensagens da sociedade, já repleta de mensagens como a contida na entrevista de Jarbas, faz ouvidos moucos. Seria necessário mudar a forma de comunicação. Concorda?

É preciso diferenciar a comunicação de campanha da atuação parlamentar. Dificilmente encontraremos uma forma diferente de abordar o problema no Parlamento. E não creio que a sociedade reaja como o e-mail com a caixa de mensagens cheia.  O Jarbas deu a entrevista dele e, na semana seguinte, teve uma comprovação: a investida do PMDB no fundo Real Grandeza. As pessoas ligaram uma coisa a outra. E o discurso teve sobrevida.

- Essa sobrevida levará a mudanças práticas?      

Nada está assegurado. Mas seria inadmissível a indiferença. Em outros momentos, tivemos avanços. No caso dos Sanguessugas, conseguimos dizimar a bancada evangélica. De uns 30, só voltaram quatro ou cinco. Barramos na Justiça um aumento de 95% no salário dos deputados. Aprovamos em primeiro turno a emenda do voto aberto. É possível avançar. O movimento tende a ganhar consistência ainda maior em 2010. Ali, vai se recolocar a pergunta: Que tipo de Congresso nós queremos?

Nenhum comentário: