terça-feira, 14 de setembro de 2010

O animal amedrontado

O animal amedrontado

JOÃO PEREIRA COUTINHO

QUE SE PASSA com a América? No nono aniversário do 11 de Setembro não houve a paz de outros tempos. Houve ódio e provocações.

Começou com o centro islâmico que um imã pretende construir a duas quadras do Marco Zero. Parece falta de tato? É falta de tato. Se o 11 de Setembro foi provocado pelo terror islamita (e não por terroristas judeus ou cristãos), mandava o bom senso que se evitassem "construções controversas" em lugares que ainda não cicatrizaram de vez.

Mas a mesquita de Nova York foi apenas cabeça de cartaz no carnaval dos insultos. Pelo meio, existiu ainda um pastor fundamentalista, disposto a queimar o Alcorão.

O problema, note-se, não está na queima do Alcorão. Cada um queima o que entende: o Alcorão, a Bíblia, a Torá e, por favor, qualquer livro de Dan Brown.

O problema esteve na forma como um episódio bizarro, que nasceu em terra perdida da Flórida, foi usado e abusado por fanáticos diversos: contra o pastor, a favor do pastor, quando, no mundo da racionalidade, o pastor deveria ter sido ignorado em seus delírios.

Especialistas diversos garantem que o clima de guerrilha não é para levar a sério: Obama vai a votos nas eleições legislativas de novembro; e os republicanos, que já cheiram a vitória, pretendem radicalizar o discurso para obter um massacre.

Não estou convencido. E, em matéria política, sempre que existem dúvidas, melhor perguntar diretamente ao Mestre. O Mestre é Nicolau Maquiavel e, sim, eu sei que o nome do florentino tornou-se pior que a peste. Virou adjetivo. Maligno adjetivo.

Lamento. Maquiavel é um nome central, não apenas para entender a história do pensamento político, mas o papel do líder numa comunidade. E aqui Maquiavel não tem par: se o príncipe deseja uma sociedade harmoniosa e segura, ele não deve preocupar-se em ser amado. Deve preocupar-se em ser temido.

Esse conceito sempre alimentou polêmicas infindas e foi Leo Strauss quem vislumbrou no aforismo um "manual para gangstêres".

Strauss estava errado. Porque o príncipe não deve apenas ser temido pelos seus; ele deve ser temido pelos outros. Pelas outras Repúblicas que devem pensar duas vezes antes de alimentarem atos de hostilidade contra a nossa.

Maquiavel revelava algo de profundo sobre a psicologia das massas: a ideia de que elas têm no príncipe a primeira garantia da sua própria segurança. Paradoxalmente, só quando é temido o príncipe pode ser amado.

Barack Obama nunca leu Maquiavel. Obama quer ser amado, não temido. E não apenas amado pelos americanos, o que seria compreensível. Obama quer ser amado por todo mundo, inclusive pelos inimigos tradicionais da América.

Não foi por acaso que o seu consulado começou com declarações de amor: ao Islã, ao regime iraniano e à "nobreza moral" dos seus aiatolás.

Mas Obama não fez apenas declarações de amor. Ele saiu do Iraque sem vitória tangível. Ele retirará do Afeganistão, em data já estabelecida e em condições que se adivinham como humilhantes.

A retórica odiosa que surgiu nove anos depois do atentado de 11 de Setembro é o retrato de uma América com medo. E esse sentimento de insegurança é um produto direto de uma liderança política que projeta os sinais errados: sobre os americanos e sobre o mundo.

Sim, podemos escrever todas os insultos contra o abominável sr. Bush. E Bush, verdade seja dita, cometeu erros grotescos na sua lunática cruzada para "democratizar" o Oriente Médio: destruir o Iraque sunita e permitir que o Irã emergisse como potência regional incontestada é o maior deles.

Mas os anos de Bush, para o americano médio, resumem-se numa palavra: segurança. Depois do atentado de 11 de Setembro, Bush soube preservar a integridade física da República contra qualquer ameaça externa. E, internacionalmente, só por piada podemos dizer que o velho George desejava ser amado.

Obama é um anti-Bush. Há quem festeje com alívio o repúdio da herança. Mas, para o americano médio, esse repúdio trouxe rendição no exterior; e duas tentativas sérias de terrorismo no interior das fronteiras: um avião sobre Detroit e um carro-bomba na Times Square, no coração de Manhattan.

Os Estados Unidos de hoje são um animal amedrontado. E Maquiavel avisou, cinco séculos atrás, que não existe coisa mais perigosa do que um animal poderoso com medo das sombras.

jpcoutinho@folha.com.br  

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