sábado, 22 de maio de 2010

Dr. Freud Futebol Clube

Dr. Freud Futebol Clube

XICO SÁ, Folha de São Paulo

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São Paulo e Grêmio exibiram como o inconsciente
das equipes pode agir para o bem
ou para o mal nos gramados
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AMIGO TORCEDOR , amigo secador, uma das coisas mais belas e clicherosas do futebol é que os times agem como se pessoas fossem altamente impressionáveis pelo que dizem deles, por suas caricaturas ou imagens públicas. Diria até, se os freudianos mais chatos me permitem um trago do vosso cachimbo, que o jogo é jogado mais com o inconsciente das equipes do que com os esquemas táticos e com os pés.

Repare no São Paulo. Fez um Paulistinha medíocre, começou engatinhando como uma débil criança na Libertadores da América, aí, do nada, veio o estalo, epa, e o tricolor derruba o favorito Cruzeiro. Sem querer tirar mérito profissional de ninguém, mas aí agiu o inconsciente são-paulino como esquadrão vencedor-mor desta copa cucaracha.

Tudo bem, o amigo pode dizer que o Fernandão é um gênio, um craque -só Fernandão salva!-, e sozinho arrumou um bando desconjuntado que não vinha bem das pernas. É a tese óbvia dos cavalheiros das mesas-redondas. Faz um pequeno sentido, mas não explica. O SPFC renasceu e recobrou o inconsciente de vencedor latino-americano na hora de um grande aperto, como nós, homens de todos os quilates.

Foi no triunfo dos pênaltis, em que Rogério Ceni dialogou com a tragédia e a glória nas cobranças, que o tricampeão sentiu que podia de novo, de novo e de novo, pedir o bis. A torcida sofreu e voltou para a vida junto, inconsciente coletivo no grau último, mr. Jung.

O inconsciente, amigo, insisto qual um mala de balcão de boteco, nos faz dizer ou fazer coisas sobre as quais não temos o total controle, porém são coisas que estavam ali guardadas, quicando na marca do pênalti do nosso cocoruto, pedindo "me chuta, me chuta". Para o bem ou para o mal, me chuta, desgraçado.

Repare, amigo, no que aconteceu ao Grêmio. Nem vou falar hoje do Santos, minhas retinas estão fatigadas de tanta beleza e videoteipe. O time gaúcho, sob o comando do Silas, jogou bonito e para cima, moçada, no primeiro tempo da batalha decisiva na Vila Belmiro. Era o Grêmio do técnico, não era o clube e o seu repertório da força bruta de quem peleia cegamente.

Aí veio o segundo tempo. O honrado tricolor do alegre porto caiu no conto inconsciente da braveza, rebateu bolas para as margens do Guaíba, sentou a pua nos meninos, acreditou na lenda que se esconde sob a falsa premissa de que "futebol arte é coisa de viado", como diz meu amigo Eduardo Bueno, o Peninha, no começo do livro sobre o Grêmio (coleção Camisa 13, ed. Ediouro).
Era o inconsciente gremista sabotando a Copa do Brasil, ao contrário do que desejava o bom Silas, como nós, pobres guiados pela mesma doideira latente no juízo, sabotamos amor, trabalho, amizade, histórias.

O Santos levar aquele golzinho também diz tudo. Dracena e Durval, caubóis envelhecidos nos barris de tantos faroestes, jogaram bem, incríveis. Quem pode, porém, com a mística de que o Peixe é um time que, na história, sempre fez muitos gols, mas inevitavelmente leva?

É a cabeça, irmão, é a cabeça irmão, como cantava o Silvio Brito.

Seja isolada ou coletiva, é a cabeça, irmão, é a cabeça, irmão, quem manda no jogo da vida.

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