terça-feira, 1 de junho de 2010

A bola da vez

A bola da vez

“Não há dúvida de que o Brasil tem o direito

de reivindicar um novo papel internacional”

BENJAMIN STEINBRUCH, Folha de São Paulo, hoje

PODE-SE CONCORDAR ou não com a iniciativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado da Turquia, de participar diretamente dos esforços em busca de uma solução para a séria crise gerada pelo programa nuclear do Irã. Dependendo do analista, a atitude foi considerada ingênua, precipitada ou ousada.

Não há, porém, como negar que a governança mundial precisa de novas estruturas e novas lideranças.

Uma frase de Lula diz muito a respeito dessa questão: "O mundo já não é o mesmo do tempo em que as decisões eram tomadas por Churchill, Stálin e Roosevelt".

De fato, o sistema de governança mundial montado no pós-guerra, que, aliás, teve extraordinária eficiência na Europa e na Ásia, é mantido até hoje, como se as forças políticas e econômicas não tivessem mudado nos últimos 65 anos. Alemanha e Japão, que perderam a guerra e foram beneficiados pelos planos de reconstrução, transformaram-se em potências econômicas, mas continuam fora do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, ainda hoje dominado pelos cinco grandes países vencedores da Segunda Guerra Mundial: Estados Unidos, China, Reino Unido, França e Rússia.

Os quatro grandes emergentes, conhecidos como Brics, responderam por metade do crescimento global de 2000 a 2008 e, segundo as previsões, serão responsáveis por dois terços da expansão de produção esperada para os próximos cinco anos. Apesar disso, dois dos quatro Brics -Brasil e Índia- não têm voz nem voto proporcionais ao seu tamanho e importância nos dias de hoje.

Os organismos de governança na área financeira, como o FMI e o Banco Mundial, também criados no pós-guerra, são impotentes para enfrentar as crises dos tempos de globalização. Só para ter uma ideia, o BNDES brasileiro empresta hoje mais recursos do que o Banco Mundial. Na crise americana de 2008 e na atual da Europa, o FMI teve participação secundária, por falta de influência e recursos financeiros.

Na área social, a ineficiência da governança mundial é literalmente dramática. Milhões de pessoas passam fome diariamente em países pobres, principalmente na África, sem que a FAO, organização da ONU que cuida de agricultura e alimentação, tenha condição de fazer alguma coisa para distribuir os excessos de produção de alimentos que existem pelo mundo.

Em vários outros setores, há fragilidade dos organismos multilaterais. A OMC (Organização Mundial do Comércio) impõe sanções contra países que desrespeitam as regras do livre comércio, mas essas punições não são cumpridas e continua tudo do mesmo jeito. As negociações na área ambiental são um fiasco, e grandes países simplesmente ignoram a vontade da maioria sobre um problema que tem potencial para levar à destruição do planeta.

Imigrantes em busca de oportunidades de emprego são discriminados e maltratados sem que nenhum organismo internacional cuide de exigir que pelo menos sejam respeitados como seres humanos.

Há, portanto, importantes tarefas a serem cumpridas pela nova comunidade internacional do século 21, como o combate à fome, a manutenção do livre mercado, a abertura comercial, a batalha contra o aquecimento global, a contenção das armas nucleares e o enfrentamento do terrorismo. Essas tarefas não podem ser assumidas apenas por meia dúzia de nações, como se faz desde 1945.

O mundo claramente está a demandar uma administração mais moderna, eficiente e representativa das atuais forças políticas e econômicas. A comunidade internacional não é mais constituída pela voz dos EUA e da Europa. As crises financeiras que atingiram ambos deixaram isso muito claro.

Os críticos de Lula o chamaram de ingênuo. Alguns o acusaram de ter agido em nome dos Estados Unidos. Pode ser que exista um pouco de ingenuidade na atitude do presidente. Não há dúvida, porém, de que o Brasil tem o direito de reivindicar um novo papel internacional, adequado à sua condição de potência emergente.

BENJAMIN STEINBRUCH , 56, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br  

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