segunda-feira, 28 de junho de 2010

Relacionamento ideal?

Relacionamento ideal?

por Marcelo Rubens Paiva

Um quiosque vermelho, patrocinado por uma marca de cerveja.

Mesinha de plástico sem guarda-sol. Poucas pessoas.

Carioca não vai à praia quando os termômetros estão abaixo dos 20.

O paulistano lia um jornal da sua cidade, bebia um coco. Na mesa ao lado, ela se sentou, pediu caipirinha. Depois, pediu emprestado os cadernos já lidos. Era paranaense, mas assinava jornais paulistas. São melhores, justificou.

A primeira afinidade entre eles.

A segunda?

Ambos na cidade praiana, hospedados em hoteis em frente à orla; duas torres vizinhas.

Fugiram do inverno e da rotina de suas cidades. Fora de temporada. Nem era feriado.

No papo, as diferenças.

Ele, recém-separado.

Ela, casada há 15 anos, sem filhos, cujo marido ficara em Curitiba.

Ele descrente das relações duradouras dos dias de hoje.

Ela era a prova de que, sim, há esperança.

Ele enumerou suas separações. E como há sempre uma barreira intransponível, que bloqueia a felicidade de um casal, defeitos que aprisionam o amor.

Ela discordou, mas escutou.

Citou a ex-alcoólatra com quem foi casado. Tudo era perfeito, mas tinha esta doença presente. Impossível lidar com a vodca no café da manhã e as posteriores.

Depois, citou a relação cujo tesão acabara em dois anos. Como manter um casamento com a frieza e o sintoma de uma dúbia amizade?

Citou o casamento com a ciumenta obsessiva. Ciúmes de amigos, família, vizinhos, controladora desesperada, que invadia e-mails, extratos bancários, revistava carteiras, sempre à procura de pistas. Não deu.

E lembrou a bipolar, que acordava de um jeito, tomava café-da-manhã de outro, e não se sabia como chegaria em casa depois do expediente.

Concluiu.

Sempre haverá um ponto limite. Qual o segredo, perguntou, para que um casamento não tenha uma barreira intransponível, como o seu.

Ela não soube responder. Nem formular a receita. Pois a vida toda esteve casada apenas com um cara, que amava acima de tudo.

Conversavam como amigos de longa data. Riram das trapalhadas amorosas dele. Trocaram celulares, pois, sozinhos na cidade, combinariam programas, um teatro quem sabe…

Almoçaram no restaurante do hotel dela, com vista para o mar. Subiram até o quarto dela, também com vista para o mar. Ele queria checar se era melhor que o dele, para na próxima vez se hospedar lá.

À noite, foram juntos ao teatro a três quadras. Uma comédia sobre mulheres neuróticas. Rasa, mas engraçada.

Embebedaram-se no botequim da esquina. Ambos pediram a mesma caipirinha de lima com vodca sem açúcar. Ambos de deliciaram pelos petiscos tão famosos dos bares cariocas.

Aquela amizade inesperada empolgou. Que sorte, o encontro casual.

Ela ria da vida amorosa confusa e instável dele. Ele via nela a chance de desabafar, realizar um balanço. E de entender os espinhos do amor.

“Como faziam nossos avós?”, perguntou.

“Toleravam a alcoólatra, a ciumenta, a bipolar, a frígida, tiveram netos, foram mais felizes do que a gente?”

“Ou não”, ela respondeu, e riram.

Ele a deixou no hotel e foi para o seu.

Chuva e frio no dia seguinte, paisagem desanimadora. Trocaram mensagens pelo celular. Combinaram um almoço. Num tailandês.

Outra tarde voou. Mais caipirinha sem açúcar. Mais histórias divertidas: a da namorada que chorava toda vez que gozava; a que gritava muito, o que o levou a comprar um aparelho de som e instalar no quarto; a que pedia para ele morder com força; a contorcionista que era uma pedra na cama.

Na volta, ela o convidou para subir para o quarto dela, para matar uma garrafa de champanhe. Serviu assim que entraram.

Viram juntos a paisagem invernal, a ressaca violenta do mar, a ventania arrastando os poucos esportistas.

Ele se confundiu.

Mas percebia que, quando se aproximava dela, ela se afastava. Quando se sentaram na cama, ela colocou travesseiros entre eles. E decidiu. Na despedida, tentaria algo.

Se levantou, preciso ir, estou bêbado, preciso me deitar, dormir um pouco. Ela o acompanhou até a porta. Então, ele passou o braço ao redor dela e tentou beijá-la.

Ela disse não. Ele sorriu. Se desculpou. Ela disse que nunca traiu o marido. Ele se surpreendeu, nunca? Que lindo…

Caminhou até o hotel invejando aquele marido. Entrou no seu quarto, quando o primeiro torpedo chegou:

Vc vai deitar por mto tempo?”

Ele não soube o que responder. Tomou um banho, se deitou. Chegou o segundo torpedo:

“Vamos tomar um vinho antes de dormir, please.”

Ele respondeu que ia visitar um amigo.

“Tá ventando mto pra vc sair.”

Ele respondeu: “Olha, vc viu que as mulheres me confundem, vc está me confundindo. Mudou de opinião? Só pra eu entender…”

Ela respondeu: “É que fiquei meio mal e me sentiria melhor se pudesse falar. Esperar até amanhã? É tortura.”

Ele respondeu: “Tá tudo bem, eu que não devia ter feito aquilo. Mas te ligo.”

Não ligou. Ela não escreveu mais. Ele, idem.

Domingo. Ela sabia que ele partiria naquela noite. E finalmente mandou, no começo da tarde: “Vai embora sem se despedir?”

Ele não respondeu, evitou cruzar a orla e a calçada em que ela poderia estar. Almoçou num lugar fechado. Andou com cuidado pela sombra.

No começo da noite, entrava num táxi com a sua mala, quando ela apareceu correndo:

“Você é um filho da puta, só quis me comer?”

A reação agressiva o surpreendeu. O taxista esperando.

Teria sido a aventura perfeita de um romântico fim de semana, que não seria esquecida, mas abandonada. Ele respondeu apenas:

“Adorei te conhecer.”

Nunca mais se viram. Nem se falaram. Nem se escreveram. E ela, atormentada pelo não ocorrido.

No fundo, ele não quis manchar um relacionamento ideal. Existe?

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