sexta-feira, 12 de junho de 2009

Conflito na USP - 1

Mais duas opiniões sobre o Conflitos na USP. A primeiro do Professor Vladimir Safatle, que foi publicada hoje na Folha de São Paulo, Tendências e Debates (e digo de antemão, muito bem escrito) e outra, uma pequena entrevista do professor emérito da USP, Chico de Oliveira comentando o porque a reitora deve renunciar, depois do ocorrido.

A universidade não é caso de polícia

VLADIMIR SAFATLE

“Em vez de estigmatizar os alunos e tratá-los como delinquentes, talvez seja o caso de se perguntar contra o que eles se manifestam”

AS CENAS de batalha campal que vimos nesta semana na USP ficarão na memória daqueles que dedicam sua vida a essa instituição. Vários professores, como eu, que nunca participaram de movimento sindical, que nem sequer foram alguma vez a uma assembleia, veem com estarrecimento a disseminação da crença de que conflitos trabalhistas devem ser resolvidos apelando sistematicamente à polícia.

Diz-se que a polícia era necessária para evitar piquetes e degradações. No entanto, tudo o que ela conseguiu foi acirrar os ânimos e aumentar exponencialmente os dois.

Vale a pena lembrar que, por mais que sejam práticas problemáticas que precisam certamente ser revistas, os piquetes estão longe de se configurarem como ações criminosas. A história das sociedades democráticas demonstra como eles foram, em muitos casos, peças necessárias de um processo de ampliação de direitos. Cabe a nós provar que esse tempo passou e que, devido à capacidade de diálogo, tais práticas não têm mais lugar.

No entanto, quando se tenta reduzir manifestantes que procuram melhorias em suas condições de trabalho a tresloucados patológicos que nada têm a dizer, que não têm nenhuma racionalidade em suas demandas, dificilmente alguma forma de diálogo conseguirá se impor.

Melhor seria começar explicando qual racionalidade justifica que a universidade mais importante do país, responsável por parte significativa da pesquisa nacional, tenha salários menores que os de uma universidade federal em qualquer Estado brasileiro.

Por outro lado, há algo incompreensível na crença de que a polícia possa ser chamada para mediar conflitos com alunos e funcionários públicos. Muitos acreditam que ligarão para o 190 e receberão uma espécie de "polícia inglesa" capaz de agir de maneira minimamente adequada diante de cidadãos que se manifestam.

Contudo, o que vimos até agora foi uma polícia que entrou pela primeira vez no campus armada com metralhadoras, quando a ação padrão deveria ser, nessas situações, agir desarmada. Quem tem uma metralhadora nas mãos imagina que porventura poderá usá-la. Mas contra quem? Contra nossos alunos? E quem decidirá o momento de usá-la?

Como se isso não bastasse, uma polícia bem preparada não responde a provocações de gritos e latas com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha usadas na frente da Escola de Aplicação e de uma faculdade em que, normalmente, há crianças e adolescentes. O que aconteceria se uma bala de borracha atingisse uma criança, ampliando um pouco mais o enorme contingente de balas perdidas disparadas pela polícia?

Antes de ligar para a Polícia Militar, valeria a pena levar em conta seu despreparo manifesto em intervenções em conflitos sociais, histórico catastrófico mundialmente criticado por órgãos internacionais.

Nenhum leitor terá dificuldade de se lembrar de situações de conflito social nas quais policiais que se sentiram acuados reagiram de maneira descontrolada, provocando tragédias.

Por fim, contrariamente a certa ideia que um anti-intelectualismo militante gosta de veicular nestes momentos, vários alunos alvos de balas de borracha são extremamente dedicados em seus cursos, participam sistematicamente de colóquios e programas de pesquisa, apresentam "papers" em congressos e podem ser constantemente encontrados em nossas bibliotecas.

Sendo certo que vêm de todas as faculdades de nossa universidade (e não apenas da área de humanas, como alguns querem fazer acreditar), é inaceitável tratá-los como delinquentes potenciais. Dentre os 2.000 estudantes que se manifestaram nesta semana estão alguns de nossos melhores alunos.

Em vez de estigmatizá-los, talvez seja o caso de se perguntar contra o que eles se manifestam, já que, é sempre bom lembrar, antes da entrada da polícia, nem professores nem alunos estavam em greve. A greve restringia-se a funcionários.

Há um mês, em uma pequena cidade francesa, a polícia recebeu um chamado de possível furto. Em uma atuação "exemplar", ela estava em alguns minutos no local do crime. No entanto, o local era uma escola, o objeto furtado, uma bicicleta, e o possível ladrão, uma criança de dez anos. Sem pestanejar, a polícia retirou a criança da escola na frente de seus colegas, levou-a à delegacia, colheu seu depoimento e a fichou.

Possivelmente, foi contra esse modelo social baseado na incapacidade de resolver conflitos sem apelar à mais crassa brutalidade securitária que hoje nossos alunos se manifestam. Cabe a nós mostrar a eles que a história da USP é outra.

VLADIMIR SAFATLE, 36, é professor do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo.

Reitora deve renunciar, diz Chico de Oliveira

Fonte: Folha de São Paulo, ontem

O confronto entre PMs e alunos na USP foi causado por uma crise estrutural que vem se agravando e por inabilidade da reitora Suely Vilela, afirma o professor emérito da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) Chico de Oliveira. Oliveira, que é sociólogo, defende que a reitora renuncie ao cargo.

FOLHA - Como o sr. analisa a situação na USP?

CHICO DE OLIVEIRA - O confronto é sinal de decadência das instituições. Uma reitora que chama a polícia, que não sabe administrar conflito de interesses, é mau sinal. A universidade é muito complexa, com uma reitora que acha que solucionar os problemas é fácil. Ela não sabe exatamente o que é a Universidade de São Paulo. Passou a vida num campus no interior [Ribeirão Preto]. Sem nenhum tom depreciativo, mas é um campus restrito. Isso seria relevado se houvesse instituições mais capacitadas na USP. Mas não há, é uma crise geral de representatividade, o sindicato dos professores, por exemplo, é fraco. Não há com quem negociar. O que os funcionários e alunos estavam fazendo que justificaria a presença da polícia? Era um conflito elementar, que vai ocorrer permanentemente. Se o único remédio é chamar a polícia, já cria um destacamento especial dentro da USP. O que estavam fazendo dois helicópteros da PM em cima da Cidade Universitária [no dia do confronto]? É uma grande decadência institucional.

FOLHA - Mas não há uma questão legal? A reitora não tem de zelar pelo patrimônio?

OLIVEIRA - Isso é piada. O que havia era grevista fazendo piquete. É um direito. Acho que a reitora deveria renunciar. É a segunda grande crise, num mandato de quatro anos.

FOLHA - Como o sr. avalia o movimento grevista?

OLIVEIRA - É basicamente de funcionários. Os professores foram quase obrigados a entrar depois dos atos da reitora [após a entrada da polícia na Cidade Universitária].

FOLHA - Como fica a imagem da USP após o confronto?

OLIVEIRA - A universidade passa uma imagem de desleixo, de despreparo. O que não é verdade. A estatística mostra que cresce o número de doutores no país, por meio do trabalho das universidades, inclusive a USP.

Isso mesmo com a falta de condições. A ciências sociais, por exemplo, não tem um auditório decente. E é uma área que vive da palavra.

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