terça-feira, 28 de abril de 2009

Transitoriedade dos suportes de informação

Meses atrás, saiu uma entrevista do Umberto Eco (uma das primeiras postagens deste blog) no qual entre vários assuntos ele borda os suportes de informação. Na edição de ontem do Diário do Comercio, que reafirmo um jornal muito bom de se ler, ele retorna a este assunto. E cá entre nos, ele esta coberto de razão......temas como a substituição da imprensa escrita pela digital escuto desde antes de começar a faculdade de Biblioteconomia à longínquos 7 anos atrás! Hahaha

Bom, só me resta a desejar uma boa leitura!

Transitoriedade dos suportes de informação

Todos os suportes para transmissão da informação são mais transitórios que o livro.

Umberto Eco, Diario do Comercio, 26 abr. 2009

Na jornada conclusiva da Escola para Livreiros, dedicada a Umberto e Elisabetta Mauri, em Veneza, falamos, entre outras coisas, da transitoriedade dos suportes da informação. Foram suportes de informação escrita a estela egípcia, a tabuleta de argila, o papiro, o pergaminho e, obviamente, o livro impresso. Este demonstrou que sobrevive bem por cerca de quinhentos anos, mas só se for feito com papel de trapo.

A partir de meados do século 19 passou-se ao papel feito da madeira e este parece ter uma vida máxima de 70 anos (de fato, basta consultar jornais ou livros dos anos 40 para ver como muitos deles se desfazem enquanto são folheados). Portanto, há tempos se realizam congressos e se estudam meios diferentes para salvar os livros que abarrotam nossas bibliotecas. Um dos meios de maior sucesso (mas é quase impossível utilizá-lo para todos os livros existentes) é escanear as páginas e copiá-las em um suporte eletrônico.

Aqui nos é apresentado outro problema: todos os suportes para a transmissão e conservação da informação – desde a foto até a película cinematográfica, do disquete à memória USB que usamos em nosso computador – são mais transitórios do que nossos livros.

No caso das velhas fitas cassetes, por exemplo, em pouco tempo a fita se enroscava; tentávamos desenrolá-la metendo um lápis no buraco, geralmente com resultados nulos.

As fitas também perdem as cores e a definição com facilidade e, se as usamos para estudar, rebobinando-as e adiantando-as com frequência, deterioram-se rapidamente.

Pois bem, tivemos tempo para nos dar conta do quanto podia durar um disco de vinil sem ficar arranhado demais, mas não tivemos tempo de verificar o quanto dura um CD-ROM – pois, mesmo sendo a invenção que substituiria o livro, saiu rapidamente de mercado porque se podia acessar on-line os mesmos conteúdos a um preço mais conveniente.

Não sabemos quanto vai durar um filme em DVD; só sabemos que às vezes começa a dar problemas quando o vemos muito. E da mesma forma, não tivemos tempo material para experimentar o quanto poderiam durar os discos flexíveis (os floppy disks) de computador: antes de conseguirmos, eles foram substituídos pelos disquetes e estes por discos reescrevíveis e estes pelos pen drives.

Com o desaparecimento dos diferentes suportes, desapareceram também os computadores capazes de lê-los (creio que ninguém tem em casa um computador com abertura para o floppy). E , se não for copiado para o suporte sucessivo tudo o que o anterior continha ( e assim por diante, supostamente durante toda a vida, a cada dois ou três anos), perde-se irremediavelmente – a menos que se mantenha no armário uma dezena de computadores obsoletos, um para cada suporte desaparecido.

Assim, sabemos que todos os suportes mecânicos, elétricos e eletrônicos são rapidamente perecíveis – ou não sabemos o quanto duram e provavelmente nunca chegaremos a saber. Enfim, basta um aumento na tensão, um raio no jardim ou qualquer outro evento muito mais banal para desmagnetizar uma memória.

Se houvesse um apagão grande o bastante, não poderíamos usar nenhuma memória eletrônica. Mesmo tendo gravado em minha memória eletrônica todo o "Quixote", não poderia lê-lo à luz de vela, em uma rede, em um barco, em uma banheira, no balanço, enquanto o livro me permite lê-lo nas condições mais árduas. E se o computador ou o e-book caem do quinto andar, estarei matematicamente seguro de que perdi tudo. No entanto, se é um livro que cai, vai no máximo soltar as folhas completamente.

Os suportes modernos parecem apontar mais para a difusão da informação do que para sua conservação. O livro, por sua vez, foi o instrumento supremo da difusão (pensemos no papel que a Bíblia impressa desempenhou na reforma protestante), mas também da conservação.

É possível que, dentro de alguns séculos, a única forma de obter notícias sobre o passado (com a desmagnetização de todos os suportes eletrônicos) continue sendo um belo incunábulo. E, entre os livros modernos, sobreviverão muitos feitos com papel de alta qualidade, ou os propostos hoje por muitos editores, feitos com papel sem ácidos.

Não sou um reacionário nostálgico do passado. Em um disco rígido portátil de 250 gigas, foram gravadas as maiores obras-primas da literatura universal, da história e da filosofia. É muito mais cômodo tirar do disco rígido em poucos segundos uma citação de Dante ou da "Summa Theologica" do que se levantar e ir pegar um volume pesado em estantes altas demais. Mas estou contente de que esses livros continuem em minhas estantes, uma garantia da memória para quando os fios entrarem em curto nos instrumentos eletrônicos.

Umberto Eco é escritor, autor de A Misteriosa chama da Rainha Loana, Baudolino, O Nome da Rosa e O Pêndulo de Foucault.

Tradução: Rodrigo Garcia

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