quinta-feira, 30 de abril de 2009

A universidade e o conhecimento

A universidade e o conhecimento

Fonte: Mauro Santayana, Gazeta Mercantil, 30 abr. 2009

“O afunilamento do ensino universitário pode produzir eruditos,

mas não contribui para a disseminação da sabedoria”

Na entrevista que concedeu ao jornalista David Leonhart, do "New York Times", o presidente Barack Obama tocou em tema delicado na civilização atual: para que mesmo servem as universidades? Obama defende uma educação de qualidade, do jardim de infância ao fim do curso médio, que prepare as pessoas para a vida comunitária e o trabalho. As universidades devem ser centros de reflexão e de alta pesquisa. Ele deu o exemplo de seus avós maternos, que não fizeram a universidade, tiveram êxito em sua vida profissional e foram felizes. A avó, lembrou o presidente, escrevia melhor do que muitos de seus colegas na Faculdade de Direito da Universidade de Chicago, e, com um bom curso secundário, chegou a diretora de banco.

A graduação universitária, por si só, não garante o êxito profissional. O presidente lembrou que o desemprego entre os de formação universitária, em seu país, é três vezes superior aos que só têm o equivalente ao nosso segundo grau. Entre nós, os que não conseguem ocupação equivalente à sua formação, são bem mais numerosos. Encontramos todos os dias egressos de universidades, em geral privadas, dirigindo táxis, jornalistas diplomados vendendo planos de saúde, bacharéis sem o exame da OAB, vivendo de pequenos expedientes. Segundo o presidente, o mundo necessita de pessoas que sejam capazes de produzir durante a sua vida adulta, e que, para isso, bastam de 14 a 20 anos de boa escolaridade.

O ponto de vista de Obama é divulgado três dias depois que o mesmo jornal publicou instigante artigo do professor Mark C. Taylor, professor da Universidade de Columbia. Ele lamenta que as universidades estejam formando especialistas em coisas diminutas, pessoas que sabem o máximo sobre o mínimo. Conta que o melhor aluno de um de seus colegas fizera dissertação de mestrado sobre o método usado pelo filósofo medieval Duns Scotus a fim de escolher suas citações. Podemos acrescentar ao raciocínio de Taylor que se a dissertação fosse sobre o pensamento do grande franciscano, que combinava a visão realista do mundo à intransigente defesa da virgindade de Maria, já seria reduzir muito o campo de estudo. Ele poderia situar Scotus na razão escolástica do fim do século 13 – e ofereceria boa contribuição para o exame da história da filosofia cristã.

O afunilamento do ensino universitário pode produzir eruditos, mas não contribui para a disseminação do conhecimento e da sabedoria. Tenho repetido, algumas vezes, dois versos de "Rocket", poema de T.S.Elliot, que me impressionaram pela sua lucidez, e Julien Green recomendou a todas as universidades do mundo inscrevê-los no frontispício de seus edifícios: "Where is the wisdom we have lost in knowledge? Where is the knowledge we have lost in information?"

Elliot escreveu esses versos em 1934, quando o volume de informações que circulavam no mundo era infinitamente menor do que hoje. O ensino terá que buscar a sabedoria que o conhecimento oculta, e o conhecimento que a informação ofusca. Isso só se obtém com o hábito de pensar, com a capacidade crítica, ao comparar as fontes de conhecimento e, mediante a dialética, encontrar o juízo próprio sobre as coisas.

Segundo Taylor o professor geralmente prepara o aluno para seguir seus passos na vida acadêmica, dele fazendo seu clone intelectual. Trata-se de uma repetição do mesmo, em que o conhecimento produzido é uma volta ao já feito, sem a intervenção do pensamento inovador. Trabalhos acadêmicos em ciências sociais, que custam dezenas de milhares de dólares, são reproduzidos em edições de 500 ou 600 exemplares, e aproveitados por um número bem menor de leitores - salvo quando alguns professores rompem o círculo de giz e publicam seus estudos em editoras privadas.

No passado, o ensino primário, no Brasil, era suficiente para que se aprendesse a ler e a escrever. Com isso, ao ingressar no antigo ginasial, os alunos estavam preparados para apreender o resto. O ministro Fernando Haddad tem identificado nas falhas do ensino de primeiro grau as dificuldades da educação como um todo. Daí a necessidade de, mediante seleção vestibular mais rigorosa, salvar o ensino superior. Sua proposta de vestibular unificado é um bom começo, porque obrigará as escolas secundárias a melhorar seu desempenho, mas é preciso mais. É preciso enterrar as cruzinhas.

Sem massa intelectual poderosa, que só as boas universidades podem produzir, perderemos o nosso lugar no mundo e no século.

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