quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Muito mais que livros

por Max Fischer

Brasil sofre com a falta de interesse e dinheiro para manter intactos acervos de seus principais escritores

Quanto vale uma biblioteca formada ao longo de décadas por um intelectual, professor ou escritor? Que histórias e influências esses acervos de vidas inteiras têm a nos contar sobre seus criadores e a época em que viveram? O poeta e diretor executivo da Casa das Rosas, Frederico Barbosa, que cuida da biblioteca do poeta concretista Haroldo de Campos, lembra do descritivo da biblioteca de um cônego na cidade de Ouro Preto, interior de Minas Gerais, no século XIX. “Nele havia uma relação de livros importantes para a época, livros que tinham acabado de sair na Europa. O descritivo ajudou a revelar um pouco mais da sociedade mineira na época da Inconfidência”, lembra.
Para a professora aposentada Heloísa Cerri Ramos, “a preservação do acervo de um escritor é a preservação da memória e da cultura do país. Porém, o brasileiro parece não possuir essa memória”, lamenta. Um exemplo de abandono, até pouco tempo atrás, era a Fundação Casa Museu Jorge Amado, localizada no bairro do Pelourinho, Salvador, na Bahia.

ACERVO JORGE AMADO
Com a diminuição do repasse estadual no orçamento de 2007, principal fonte de renda do museu, a direção precisou demitir 13 dos 25 funcionários, fechar o Café-Teatro Zélia Gattai e racionalizar o uso do ar condicionado, colocando em risco mais de 250 mil documentos históricos, para manter o museu ativo. A família de Jorge Amado, indignada com o tratamento dado à memória do escritor, chegou a anunciar que estava pensando em retirar o acervo de Salvador e doá-lo à Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
Hoje, o centro de pesquisa se sustenta com 33 mil reais do repasse estadual (que já chegou a ser 74 mil reais/mês) e com os direitos autorais de alguns livros de Jorge Amado. Uma das saídas sugeridas pela secretária de Cultura da Bahia para a casa é a utilização do artigo 18 da Constituição Federal, que permite às empresas repassarem até 4% do seu Imposto de Renda para uma instituição cultural. Porém, nenhuma empresa, até o momento, repassou dinheiro ao necessitado museu. O pesquisador que deseja conhecer o acervo de Jorge Amado deve entrar em contato com a Fundação pelo telefone (71) 3321-0122 para agendar sua visita.

ACERVO IMS
A iniciativa pública não é a única que se preocupa em manter os acervos intactos. Criado em 1990 pelo embaixador Walther Moreira Salles (1912-2001), o Instituto Moreira Salles (IMS) possui atualmente 15 acervos de escritores distribuídos em quatro centros culturais e várias galerias por todo o Brasil.
O IMS permite o acesso virtual gratuito a centenas de fotografias e músicas pelo site http://ims.uol.com.br/ims/. No caso do material escrito, existe um projeto de digitalização de algumas obras “intocáveis já que são raras, notáveis e únicas”, explica a coordenadora do IMS, Liliana Serra, “porém, é possível conferir o cadastro de muitas delas no site”, completa. O pesquisador deve enviar um e-mail para biblioteca@ims.com.br e solicitar o agendamento do material a ser pesquisado.

ACERVOS UNIVERSITÁRIOS
Outro refúgio para o patrimônio cultural dos escritores brasileiros são as universidades públicas ou particulares. A Universidade de São Paulo criou, em 1962, o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) por iniciativa do historiador Sérgio Buarque de Holanda. Mantido pela própria universidade, o IEB reúne cerca de 300 mil documentos na área de arquivo, 140 mil obras na de biblioteca e mais de 3 mil peças na Coleção de Artes Visuais. Entre seus acervos, destacam-se os de Guimarães Rosa (selecionado pela Unesco para integrar o Registro Nacional do Programa Memória do Mundo), Mário de Andrade, Caio Prado Jr. e Anita Malfatti, entre outros.
Para visitar a biblioteca, os docentes podem entrar em contato pelo telefone (11) 3091-2399, de segunda a sexta, das 10 às 17 horas. As pesquisas ao acervo são marcadas pelo e-mail difusieb@usp.br. Parte do material já está digitalizada no www.ieb.usp.br/online/index.asp.

ACERVO HAROLDO DE CAMPOS
Felizmente há exemplos de acervos bem cuidados pelo governo. É o caso do poeta concretista Haroldo de Campos (1929-2003), que teve seu patrimônio doado para o estado e atualmente se encontra sob a guarda da Casa das Rosas, em São Paulo (SP) e foi rebatizado para Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura. Porém, estar bem agora não quer dizer que será para sempre. Para Frederico Barbosa o “dinheiro é algo perigoso, pois um dia eu posso ter e outro não”.
Assim como a Fundação Jorge Amado, o Centro Cultural Haroldo de Campos abriga inúmeras atividades culturais em suas dependências. “Não existe um dinheiro destinado à preservação do acervo do Haroldo, mas sim um bolo que o governo dá para financiar tanto o acervo como nossas atividades culturais”, explica Barbosa.
Docentes que desejem marcar uma visita monitorada devem utilizar o e-mail thaisfeitosa.cr@poiesis.org.br. O pesquisador que queira consultar algum dos livros de Haroldo pode acessar o site www.poiesis.org.br/casadasrosas e se informar sobre o código da obra. Após preencher um pequeno cadastro na Casa das Rosas, os livros estarão liberados para análise no próprio local. O espaço fica aberto de terça a sábado, das 10 às 18 horas.

CASA MUSEU GUIMARÃES ROSA
A casa em que nasceu o escritor, em Cordisburgo (MG), conta com objetos pessoais, como a máquina de escrever Remington que Guimarães Rosa usava para escrever seus contos e romances, originais de algumas de suas obras e correspondências com a família, entre outros objetos e documentos. Para marcar uma visita com seus alunos, o professor deve entrar em contato pelo telefone (31) 3715-1425. Caso deseje manusear os documentos históricos, deve entrar em contato com Inês Candido no telefone (31) 3269-1168, explicando os motivos e documentos que pretende analisar.

ACERVO GILBERTO FREYRE
A vivenda Santo Antonio de Apipucos, no Recife (PE), foi a casa onde o escritor Gilberto Freyre viveu durante 40 anos e publicou boa parte de sua vasta obra. Além de ser possível visitar todos os cômodos onde o escritor viveu com sua esposa Magdalena, a moradia conserva sua gigantesca biblioteca, que pode ser pesquisada mediante agendamento pelo e-mail bvgf@fgf.org.br.

ACERVO GRACILIANO RAMOS
Localizado em Palmeira dos Índios (AL), possui utensílios pessoais, fotos, capas das edições originais, vestuário e documentos históricos, como um esquema do romance Infância ou as versões originais de Angústia em braile. Para agendar visitas: (82) 3421-3530.

ACERVO MACHADO DE ASSIS
A biblioteca que pertenceu a Machado de Assis está localizada na Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro. A ABL divide o patrimônio de Machado em dois miniacervos. O primeiro fica na Exposição Machado Vive, que traz alguns objetos pessoais do “Bruxo do Cosme Velho”. O outro é restrito a pesquisadores. Para conhecer, deve-se agendar pelo telefone (21) 3974-2547. O material está disponível em www.academia.org.br.

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