segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O fim e o recomeço da esperança

Abaixo texto onde o autor sintetiza muito bem o sentimento dos colaboradores da campanha de Fernando Gabeira à prefeitura do Rio de Janeiro. Apesar da preocupação com o cenário político do ABC, em especial Santo Andre, a campanha de Gabeira chama a atenção, pois foi na contramão de tudo o que se faz hoje em dia.....foi o marketing político de Eduardo Paes, contra a proposta ética, baseada em Ideologias de Gabeira....uma pena o resultado....mas nos faz acreditar que ainda se é possível fazer política de um jeito não formatado......não embalado, enlatado.....empurrado guela abaixo dos eleitores......

Recomendo a leitura.....

Fonte: Revista Cult  

Por Francisco Bosco

Desde que foi oficialmente anunciada a derrota de Gabeira, algumas horas atrás, tenho recebido muitos emails de amigos comentando o ocorrido. Em meio à consternação geral e às diversas tentativas de análise das causas da derrota e de suas conseqüências, um email tocou num aspecto essencial, que exige a seguinte reflexão. O texto em questão é do jornalista e escritor Fernando Molica; nele, Molica pergunta minha opinião sobre se a derrota de Gabeira significaria a irrefutabilidade política, concretamente falando, do "axioma pernicioso" que Gabeira teria tido a coragem e firmeza éticas de atacar, sendo esse o sentido fundamental de sua candidatura. Esse axioma, eu o descrevera em texto anterior (publicado aqui nesse site), nos seguintes termos: "A eleição de Gabeira fará ruir um axioma pernicioso que vem dominando a cena política no Brasil, e em que tanto o PSDB como o PT, nas últimas quatro eleições presidenciais, mergulharam de cabeça: o axioma segundo o qual não se vence uma eleição sem fazer o jogo sujo das alianças espúrias, do loteamento prévio de cargos, dos golpes baixos eleitorais e por aí em diante. Esse jogo sujo, ao começar logo na campanha, invariavelmente caminha para o exercício do poder, onde o mais despudorado fisiologismo (vide, como exemplo recente, o episódio Renan Calheiros) é sempre desculpado pela "governabilidade", palavrinha mágica com a qual os governantes legitimam sua fraqueza ideológica e moral."

Pois bem, o que mais me entristeceu na derrota de hoje - e ao mesmo tempo é o que deixa acesa uma centelha de esperança - é que Gabeira, a meu ver, não perdeu porque fez uma campanha historicamente inovadora, orientada por princípios éticos inarredáveis. Perdeu por detalhes. Sobretudo erros que ele próprio cometeu durante o segundo turno.  Podem-se elencar vários: a declaração infeliz sobre a vereadora Lucinha (a qual, segundo Gabeira, teria "uma visão suburbana" a respeito da instalação de um lixão na zona oeste do Rio), a declaração mais infeliz ainda sobre os sambistas que apoiaram publicamente Eduardo Paes (que, segundo o candidato do PV, "foram atraídos por uma feijoada"), as imagens muito centradas na zona sul em seus programas, os artistas idem, uma postura pouco incisiva em denunciar os golpes baixos do adversário, entre outros. Esses erros têm a ver, em parte, com seus próprios méritos.

A declaração sobre a vereadora Lucinha é, numa dimensão conceitual mais profunda, desprovida de qualquer preconceito: Gabeira empregou a palavra "suburbana" no sentido de provinciana, limitada, excessivamente local e conjuntural, e não como um preconceito contra a origem de alguém. Da mesma forma, ao falar que os tais sambistas foram atraídos por uma feijoada ele certamente tinha em mente o papel cúmplice da vítima simbólica no populismo brasileiro: a definição do populismo é precisamente a relação não-institucional, não-legal, portanto não-republicana entre o dono do poder e o "povo".  Trocando em miúdos, trata-se do político que oferece cesta-básica em troca de votos, pessoalizando a política ao invés de universalizá-la.  Os cidadãos pobres que aceitam esse jogo comportam-se exatamente como quem aceita votar em alguém por causa de uma feijoada, e era a esse mecanismo histórico que Gabeira, no fundo, aludia. Não há como comprovar que os sambistas em questão apoiavam Paes por motivos de ordem pessoalizante, daí a declaração de Gabeira ter sido mesmo infeliz e até leviana, mas ela, num nível mais profundo, tocava numa questão fundamental.

Com efeito, a candidatura de Gabeira tinha sua força maior numa dimensão simbólica (centrada na sólida afirmação dos valores republicanos, eles mesmos simbólicos e abstratos por definição) que, por sua vez, exige do eleitorado uma alta capacidade de abstração. Não é por acaso, obviamente, que a imensa maioria de seus eleitores é dotada de maiores níveis de instrução. A essa força simbólica, o candidato adversário respondia com uma retórica concreta, palpável, de ação e números, supostamente esvaziada de caráter ideológico. O embate se estabeleceu entre esses pólos, e Gabeira errou decisivamente ao fornecer munição para que seu adversário, valendo-se dos golpes baixos da política tradicional, transformasse seu republicanismo em elitismo, sua sofisticação intelectual em preconceito. No meu entender, esse erro determinou sua derrota.

Mas, assim como sua candidatura transcendia, simbolicamente, seu tempo e lugar efetivos, sua derrota também transcende seu resultado efetivo. À pergunta de Fernando Molica, com que iniciei esse arrazoado, eu responderia então o seguinte: a derrota de Gabeira não significa a vitória do axioma pernicioso acima referido, mas, ao contrário, a prova de que é possível desmenti-lo. Pois Gabeira não perdeu porque desobedeceu o axioma, mas porque errou em detalhes de campanha.  Detalhes que, numa contenda acirrada, acabaram por fazer a diferença. Quando surgirá uma outra figura política com tamanha estatura ética e vontade política para enfrentar tudo isso, aí são outros quinhentos (espero que não quinhentos anos), mas, tal como se deu, a derrota reacende a esperança no momento mesmo que a apagou.

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