quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Trechos.....qual o seu????

Intelectuais elegem texto preferido de Machado

da Folha Online

Machado de Assis (1839-1908) escreveu teatro, ensaios, crônicas, contos, romances e diversos artigos em periódicos. Por ocasião do centenário de morte do autor, celebrado nesta segunda-feira (29), a Folha Online convidou autores para falarem sobre seus trechos favoritos dessa vasta obra.

Moacyr Scliar, escritor

Ocupa número 31 da Academia Brasileira de Letras. O trecho escolhido por Scliar está em "Memórias Póstumas de Brás Cubas":

"Trata-se, na verdade, de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Sterne ou de um Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser. Obra de finado. Escrevi-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia."

Comentário:

A pena da galhofa e a tinta da melancolia sintetizam o estado de espírito brasileiro. A melancolia foi herdada dos colonizadores lusos que para aqui vieram muitas vezes a contragosto, pensando em enriquecer e ir embora o mais rápido possível; dos negros escravizados; dos índios chacinados; dos imigrantes que lutavam arduamente para conseguir seu lugar ao sol. Mas a galhofa --o humor de nossas anedotas, o riso do Carnaval, a vibração do futebol-- neutraliza esta melancolia. É uma bipolaridade salvadora, por assim dizer.

Luís Augusto Fischer, professor

Leciona literatura brasileira na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) em Porto Alegre, é autor de "Machado e Borges", livro lançado este ano pela Arquipélago Editorial. Veja o trecho escolhido por Fischer, que está no ensaio "Notícia da Atual Literatura Brasileira - Instinto de Nacionalidade" (1873):

"Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura nascente, deve principalmente alimentar-se dos assuntos que lhe oferece a sua região, mas não estabeleçamos doutrinas tão absolutas que a empobreçam. O que se deve exigir do escritor antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço."

Comentário:

Entre tantos momentos de lucidez e originalidade em sua crítica, aqui encontramos a célebre equação que desvincula o escritor das obrigações localistas, especialmente daquelas que contentavam os medíocres, como por exemplo o fazer na literatura um relatório das singularidades do país novo. Machado, como poucos outros escritores da América, percebeu que no nacionalismo havia uma armadilha que, no fim das contas, encarcerava o sujeito, obrigando-o a freqüentar um repertório acanhado de temas. Como Poe e Borges, Machado queria pensar autonomamente sobre o mundo todo, sem renegar sua condição de habitante de uma periferia do Ocidente.

Patrícia Melo, escritora

Autora de "O Matador" (1995), "Elogio da Mentira" (1998), "Inferno" (2000, ganhador do prêmio Jabuti), seus livros foram traduzidos para diversos idiomas. Também é roteirista e dramaturga. Melo não escolheu um trecho, mas um conto, "Missa do Galo", cujo início está abaixo, seguido de link para o texto completo:

"Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite."

Leia o conto completo.

Comentário:

Há uma cena machadiana que jamais me esqueci. Do conto "Missa do Galo", que mostra um jovem estudante do interior, naquela idade em que os homens descobrem o mundo, hospedado na casa de um parente distante, no Rio de Janeiro, esperando o momento para ir à missa do galo. Quem lhe faz companhia é a dona da casa, e mulher de seu primo ou tio, já não me lembro, uma balzaquiana sem defeitos. Há um forte clima de sensualidade entre os dois, sem que nada seja dito ou explicitado. Ela está de penhoar, e o garoto quase morre de desejo, só de ver suas chinelinhas de dormir. É Machado no seu melhor, com uma prosa coloquial e ao mesmo tempo, altamente elaborada.

Fábio Moon, quadrinista

Adaptou o conto de Machado "O Alienista" para os quadrinhos. Ganhou um prêmio Jabuti 2008 pela obra, "O Alienista (Graphic Novel)", feita em co-autoria com Gabriel Bá. Veja o trecho escolhido do capítulo quatro, "Uma Teoria Nova", de "O Alienista":

"Simão Bacamarte recebeu-o com a alegria própria de um sábio, uma alegria abotoada de
circunspeção até o pescoço.

--Estou muito contente, disse ele.

--Notícias do nosso povo? perguntou o boticário com a voz trêmula.

O alienista fez um gesto magnífico, e respondeu:

--Trata-se de coisa mais alta, trata-se de uma experiência científica. Digo experiência, porque não me atrevo a assegurar desde já a minha idéia; nem a ciência é outra coisa, Sr. Soares, senão uma investigação constante. Trata-se, pois, de uma experiência, mas uma experiência que vai mudar a face da Terra. A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente."

Comentário:

A última frase é genial. Nela, com a metáfora da ilha e do continente, Machado de Assis nos prepara para a grande virada da história, para o real problema de Simão Bacamarte e, subsequentemente, de toda Itaguaí. É a partir daí que a história começa a enlouquecer, por assim dizer, e foi essa a frase que nos fez decidir adaptar "O Alienista" para os quadrinhos. É nessa hora que o autor te pega e não larga mais.

Um comentário:

Cleber disse...

Se tratando de Machado, fica difícil eleger um trecho....um vez que o seu legado é bem vasto....

Fico com "A Igreja do Diabo" disponível em: http://portal.mec.gov.br/machado/arquivos/html/contos/macn004.htm#igreja_do_diabo_embaixo

A Obra Completa pode ser vista em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=11300&Itemid=1338&sistemas=1